Educação Especial/Inclusiva

Educação Especial/Inclusiva

Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados



Plano Nacional de Educação: avanços, desafios e um olhar sobre a educação inclusiva

Por Luiz Henrique de Paula Conceição em 26/06/2014

O Plano Nacional de Educação (PNE) ou Lei 13.005/14 foi sancionado ontem e, sem dúvida, existem muitos ganhos do ponto de vista sistêmico, de financiamento e de participação da sociedade civil que devem ser exaltados, inclusive em relação à educação inclusiva.

Vale ressaltar que todos os documentos legais não são textos neutros, posto que trazem as marcas das tensões e disputas ocorridas até suas consolidações. Mas afinal, quais são os avanços desse novo PNE?

Do ponto de vista sistêmico e de financiamento:

a. Produção de relatórios bienais sobre o cumprimento das metas e estratégias do PNE (art. 5º, parágrafo 2º). Teremos um acompanhamento sistemático e detalhado que permitirá aprimoramentos e correções durante a vigência do plano.

b. Criação de uma instância permanente de negociação e cooperação entre União, estados, Distrito Federal e municípios (art. 7º, parágrafo 5º). Esse novo mecanismo permitirá tornar mais horizontal a relação entre a União (representada principalmente pelo MEC) e os demais entes federados, ou seja, será necessário ouvir mais as demandas e anseios de quem lida diretamente com os estudantes.

c. Criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) (art. 11). É quase uma unanimidade entre os pesquisadores da educação que as atuais formas de avaliação dos sistemas precisam ser melhoradas. A partir da promulgação do PNE, será possível rever os erros e criar um novo método que não esteja tão centrado na medição dos conteúdos curriculares, levando em consideração outros aspectos.

d. Estabelecimento do Sistema Nacional de Educação, em lei específica, em dois anos (art. 13 e Estratégia 20.9). A criação deste sistema permitirá estabelecer as normas de cooperação entre os entes federados com maior harmonia, o que permitirá o efetivo combate às desigualdades educacionais regionais.

e. Criação do Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi) em dois anos e, posteriormente, do Custo Aluno Qualidade (CAQ) (estratégias 2.6 a 2.8 e 2.10). Com o CAQi e CAQ, busca-se estabelecer padrões mínimos de qualidade na legislação educacional, e fazer com que a União complemente os recursos financeiros a todos os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não atingirem o valor do CAQi / CAQ.

A implementação dos mecanismos acima descritos exigirá uma forte participação da sociedade civil para que contemplem toda a diversidade humana existente nas escolas. Para isso é importante apresentar quais os mecanismos de participação e controle social disponibilizados no PNE. Dois deles são:

a. Estabelecimento de leis específicas para a gestão democrática da educação pública em cada sistema público de ensino em dois anos (art. 9°).

b. Criação ou adequação dos planos estaduais e municipais de educação, em 1 ano (art. 8°).

Em artigo para subsidiar a discussão da Conferência Nacional de Educação (Conae), o professor Moacir Gadotti apresenta uma diferenciação entre participação social e participação popular1.

Resumidamente, a participação social “se dá nos espaços e mecanismos do controle social como nas conferências, conselhos, ouvidorias etc”. Nestes espaços ocorre o controle social por parte da sociedade civil. Já a participação popular acontece de “formas mais independentes e autônomas de organização e de atuação política dos grupos das classes populares e trabalhadoras, e que se constituem em movimentos sociais, associações de moradores, lutas sindicais etc”

Considerando essa diferenciação, na qual a participação social possui um formato institucional mais definido e a participação popular tem um caráter menos regulado no pleito por mais direitos, fica claro que os mecanismos ora instituídos no PNE são para participação e controle social.

Em artigo recente2, fiz um resgaste da trajetória do texto da meta 4 que trata da educação inclusiva desde a proposta do Governo Federal, criada a partir das discussões ocorridas na Conferência Nacional de Educação (Conae), até a discussão ocorrida na Comissão Especial para analisar o PNE. O texto final aprovado na Câmara foi:

“Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.”

Essa versão é muito próxima à aprovada na Câmara anteriormente (2012), porém existem alguns ajustes de organização do texto e o acréscimo da expressão “sistema educacional inclusivo” que foi feito quando da passagem do PNE pelo Senado. Essa expressão foi retirada da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e a considero um avanço, pois uma lei infraconstitucional deve se espelhar na nossa Carta Magna3.

Importante notar que o significado dessa expressão ainda não está claramente definido. Portanto, entre outros debates que ocorrerão nos próximos meses e anos, haverá a pauta: qual é a concepção de educação inclusiva que adotaremos?

O PNE está fortemente impactado pela atual política nacional dessa área4. Essa política reflete as reivindicações de importantes movimentos sociais que defendem uma perspectiva de acolhimento das diferenças nas escolas comuns. A partir de agora, deixa de ser uma política de governo e passa a ser uma política de Estado. A garantia da criação de mais salas de recursos multifuncionais e do Atendimento Educacional Especializado (AEE) é a face mais clara dessa ligação.

Nas dezenove estratégias da meta 4, além das salas de recursos e do AEE, outros pontos igualmente importantes são abordados. A priorização do atendimento das crianças com deficiência de 0 a 3 anos, formação de professores, investimento na acessibilidade e no transporte acessível são alguns desses temas. Vários temas têm relação com outros artigos e metas. Para citar apenas um exemplo, a estratégia 4.15 está diretamente relacionada com o parágrafo único do artigo 4 deste PNE:

Estratégia 4.15. Promover, por iniciativa do Ministério da Educação, nos órgãos de pesquisa, demografia e estatística competentes, a obtenção de informação detalhada sobre o perfil das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos;

Parágrafo único (do artigo 4). O poder público buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência.

Em uma primeira leitura poderia se pensar que os textos são redundantes e, portanto, se trata apenas de uma questão de redação. Porém não é esse o ponto. O que é relevante é a falta de informações sobre as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Os dados atualmente disponíveis não são suficientes e muitas vezes são imprecisos.

O último Censo do IBGE (2010) é um exemplo claro desse fato: apesar da tentativa de avançar numa metodologia que absorva contribuições internacionais, a coleta de dados se mostrou bastante ineficiente. O que o PNE faz é resgatar o anseio deste segmento por informações fidedignas para que as políticas públicas destinadas a essas pessoas tenham maior eficácia.

A participação da sociedade civil e dos indivíduos nos desdobramentos da aprovação do PNE é essencial. Várias disputas ainda estão por vir e essa participação permitirá que os avanços conquistados não se percam. Além disso, é fundamental transformarmos essa lei em ações efetivas que melhorem o cotidiano escolar de todas e todos estudantes.

Notas do autor
1 http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/artigo_moacir_gadotti.pdf
2 www.diversa.org.br/noticias/noticias.php?id=3463&/plano_nacional_de_educacao_encerrando_as_discussoes_sobre_a_meta_4
3 Vale lembrar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência faz parte da Constituição Federal.
4 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf


Luiz Henrique de Paula Conceição é graduado em Psicologia (USP) e mestrando em Psicologia (USP). Atua no Instituto Rodrigo Mendes como pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva.

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Ver todas as análises e opiniões

http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/4-educacao-especial-inclusiva/analises/plano-nacional-de-educacao-avancos-desafios-e-um-olhar-sobre-a-educacao-inclusiva




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