Ao mestre com carinho
" Professores não querem só bons salários, querem se qualificar, querem crescer, evoluir, fazer a diferença para aqueles os quais estão sob a sua tutela educacional", afirma o jornal
Fonte: A Gazeta (MT) 03 de julho de 2014
A maior parte dos Professores brasileiros acredita que a profissão é desvalorizada no país. Mais precisamente, 90% deles confirmaram isso em respostas à Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que ouviu 100 mil Professores e diretores Escolares em 34 países.
Mesmo com essa porcentagem atingindo um índice tão alto, foi quase unânime a resposta dos profissionais da Educação no país, no tocante à realização profissional. Uma coisa não exclui a outra. Embora reconheçam a desvalorização da profissão, 87% deles disseram se sentir realizados no magistério, o que aproxima da média global que é de 91%.
Ainda sobre a questão da valorização, apenas 12% dos Professores brasileiros, disseram se sentir valorizados. O resultado também apontou que nos países em que os Professores se sentem valorizados, os resultados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) tendem a ser melhores.
Revelou também um dado preocupante em relação aos Docentes brasileiros. Eles se sentem profissionalmente sós. Os entrevistados elencaram a falta de apoio tanto no período de formação acadêmica quanto depois, no mercado de trabalho como fator preponderante para que o resultado final na sala de aula não seja melhor.
Vale dizer, que nossos mestres estão entre os Professores que mais trabalham no mundo. Ficam atrás dos profissionais da província de Alberta, no Canadá com 26,4 horas por semana e do Chile com 26, 7 horas. Os brasileiros trabalham em média 25 horas por semana.
E o que pensar sobre a constatação que mesmo trabalhando mais que a média dos profissionais que participaram da pesquisa, desperdiçam 20% desse tempo, com a indisciplina dos Alunos, quando a média mundial é de 13%?
Com todas as dificuldades inerentes à profissão e mais as de ordem estrutural que se agravam à medida que se enxerga as condições educacionais do interior do país, especialmente das zonas rurais, os entrevistados disseram que não trocariam a profissão por outra. Como se chama isso? Amor ao que se faz!
Os desafios que a categoria enfrenta são muitos, são clássicos, e em termos de história, pouco se tem avançado para uma melhora significativa. Os Professores não querem só bons salários, querem se qualificar, querem crescer, evoluir, fazer a diferença para aqueles os quais estão sob a sua tutela educacional. Mas para isso é preciso que verdadeiramente hajam políticas públicas eficazes e eficientes. As eleições batem à porta. A hora é de apagar da lousa tudo aquilo que não faz mais sentido existir e escrever uma nova história.
Educador preparado para derrubar barreiras
Vencer obstáculos como a distância entre a formação teórica e a prática da sala de aula exige atenção na formação inicial e continuada
Fonte: Revista Gestão Educacional 02 de julho de 2014
Toca a campainha e a aula começa: na sala, os alunos, sentados em carteiras individuais, arrumadas em colunas, devem prestar atenção somente à voz do professor e ao conteúdo da disciplina, que ele organiza e esquematiza na lousa. Cada sala, aliás, agrupa geralmente alunos da mesma idade, que cursam o mesmo nível educacional, encerrada por quatro paredes; a porta de cada sala permanece a maior parte do tempo fechada, pois o assunto da aula é adequado apenas àquele grupo de alunos. Livros e cadernos de anotação não são compartilhados e as avaliações também são individuais. Os trabalhos, ainda que feitos em grupo, são entregues diretamente ao professor, que sozinho avalia o conteúdo e o esforço empreendido na pesquisa e na redação destes. Esse é o modelo de educação que os professores e todas as pessoas com 25 anos ou mais estão habituadas, pois foi nele que foram educados. Mas a escola do século XXI abre novos caminhos e propõe outros desafios.
A Gestão Educacional acompanhou o I Fórum de Qualificação Docente, ocorrido durante o GEduc 2014, no qual gestores e educadores se reuniram para debater a qualificação de professores e o preparo para a utilização das novas tecnologias em sala de aula. O desafio da qualificação docente é imenso, ao se levar em conta as dimensões territoriais do País. Com 5.564 municípios e dezenas de milhares de escolas, cada qual com desafios particulares e inseridas em um contexto único, a tarefa de formar educadores para um ensino de melhor qualidade, sem desprezar as particularidades de cada região, cidade e escola, apresenta-se como trabalho interminável. Vencer as barreiras impostas pela distância que se observa entre aluno e professor, bem como entre escola e comunidade onde ela está inserida, também é um enorme desafio, destacam os educadores ouvidos. Já o uso de novas tecnologias em sala de aula suscita diversos questionamentos: Como controlar o uso de tablets e iphones na escola, para que esses dispositivos sirvam como ferramenta didática, e não distração? E que lugar exerce a comunicação digital na alfabetização? Finalmente, qual o papel do professor diante da troca de informações no mundo digital: o de mediador ou o de censor? As respostas e as soluções para essas e outras questões não são óbvias ou definitivas, mas as perspectivas que se abrem nos debates apontam para uma escola mais aberta, cujo conhecimento é compartilhado, seja no mundo virtual ou com a comunidade onde está inserida.
Formação para a prática
Um dos maiores desafios que se impõe à qualificação docente ainda é a conciliação entre a didática aprendida na universidade e a aplicação prática desse conhecimento em sala de aula, o que exige habilidade de relacionamento e capacidade para compreender o ser humano que é o aluno. “As competências do educador têm uma dimensão técnica, pois ele precisa saber o que vai ensinar, além de uma dimensão pedagógica, pois é preciso saber o caminho que se vai percorrer. E o professor precisa conhecer seu aluno, saber que há uma relação entre pessoas, que esse sujeito é outro, o que constitui a dimensão estética do trabalho. A sensibilidade deve estar presente e ele tem que conhecer o contexto de seu trabalho, a comunidade, as políticas [públicas que afetam a comunidade]”, avalia Terezinha Rios, doutora em Educação e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores (Gepefe) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP). Ela enfatiza que ainda há muita distância entre o aluno e o professor, bem como entre a escola e a comunidade onde está inserida.
Foi pensando em derrubar parte dessas barreiras que a Secretaria de Educação de Belo Horizonte (MG) elaborou um programa de qualificação docente que envolve toda a rede municipal paralelamente a uma política de ensino integral, em que no primeiro turno há as disciplinas do currículo regular, enquanto no segundo turno as escolas promovem o encontro entre os estudantes e a cidade. Sueli Maria Baliza Dias, secretária municipal de Educação de BH, conta como funciona o programa: “O aluno que fica dentro da escola tem a oportunidade de conviver com outras habilidades, e desenvolver competências o torna um sujeito mais completo. Em nosso programa, o aluno passa cerca de nove horas na escola, mas convive com toda a cidade, pois não fica confinado aos muros da instituição. Visita museus, parques, tem aulas de dança, de esportes. Temos 650 parceiros para esse programa da escola integrada”, conta. Outra iniciativa é o programa Férias na Escola, em que os alunos podem passar parte dos meses de férias participando de atividades da instituição, o que também abre as portas da escola para as famílias. “O que queremos na escola não é só que o aluno aprenda os conceitos primeiros de leitura, escrita e matemática. Queremos que se torne um cidadão, que consiga conviver com o mundo e melhorar esse mundo”, diz a secretária.
A qualificação dos professores da rede de Belo Horizonte anda lado a lado com o projeto de abertura da escola, pois segue o mesmo espírito inclusivo. Sueli argumenta que a formação docente, principalmente a continuada, não se dá de forma individualizada. Não é, segundo ela, escolha exclusiva do professor o caminho a trilhar em uma graduação ou pós-graduação, pois essa escolha deve passar pela escola e por suas políticas e pelo trabalho coletivo da rede de ensino. Ou seja, para garantir o sucesso de um programa de formação continuada para os professores, é preciso oferecer boas condições de trabalho, bons salários e um plano de carreira associados ao programa.
Na rede municipal de Belo Horizonte, o programa de qualificação docente inclui formação externa – por meio de convênios com universidades para cursos de pós-graduação stricto e lato sensu – e formação interna, com encontros semanais com professores que discutem temáticas variadas. A formação interna é realizada de acordo com a carga horária do professor, que na rede da capital mineira é de 22 horas e 30 minutos semanais.
Terezinha Rios concorda que a qualificação do professor, bem como o planejamento de aula, devem ser remunerados. “Fiz um trabalho na Secretaria Municipal de São Bernardo do Campo [SP], onde há o projeto de o professor dispor de um terço de sua carga horária para aprimoramento”, conta. Medidas como um regime de dedicação exclusiva a uma única escola são essenciais para o sucesso de um programa abrangente de formação continuada, segundo a pesquisadora. Outra medida importante é diminuir o número de profissionais na área de educação em regime temporário. “A própria denominação 'temporário' já indica a situação precária de trabalho”, lembra Terezinha. “Algo muito importante para qualquer profissional é a segurança, a possibilidade de ter um contrato que assegure a continuidade do trabalho”, completa. Ou seja, é muito mais fácil dedicar-se a uma pós-graduação quando se tem segurança e horários definidos de trabalho.
O governo federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), tem um programa de formação continuada para professores da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio que inclui cursos curtos, a distância, de graduação (licenciatura) e de pós-graduação. Além dos programas de formação para professores, há também os para gestores. O e-Proinfo, por exemplo, é um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a concepção, a administração e o desenvolvimento de cursos a distância, complemento a cursos presenciais, projetos de pesquisa, projetos colaborativos e diversas outras formas de apoio ao ensino a distância e aos processos de aprendizagem.
A importância do EaD
Segundo a secretária Sueli, hoje há 450 mil alunos cursando licenciatura na modalidade de ensino a distância entre os cerca de 1,4 milhão de estudantes de licenciatura nas universidades do País. E a opção não vale somente para aqueles que lecionam ou vivem em lugares distantes das universidades. Um exemplo é o curso de licenciatura em Ciências da USP, que forma professores de Ciências para o ensino fundamental. A graduação funciona na modalidade semipresencial, com aulas e trabalhos virtuais, além de uma aula presencial por semana, aos sábados. Boa parte dos alunos são professores atuantes da rede de ensino paulistana, que buscam melhor formação e moram na capital paulista. Os modelos semipresencial ou a distância oferecem a vantagem de economizar tempo de deslocamento para quem trabalha 40 horas semanais ou mais, como é o caso de muitos professores e gestores educacionais. Segundo dados da Prova Brasil 2011, 26% dos professores que responderam ao questionário afirmaram ministrar 40 horas-aula semanais e 23% afirmaram ministrar mais de 40 horas-aula semanais.
Terezinha concorda que as principais dificuldades da formação continuada são a própria organização do trabalho do professor, dos horários, e a disponibilidade de tempo para que ele possa participar de eventos ou outras atividades organizadas na escola. “O EaD acaba sendo visto como vilão da história por quem acha que o bom é o ‘olho no olho’, a modalidade presencial. Quando me perguntam o que acho do ensino a distância, respondo perguntando a que distância está do aluno o professor em sala de aula. Acho que temos de nos dispor a usar o que está à nossa disposição, principalmente tendo em vista nossos limites”, afirma ela.
Por que e como avaliar
Além da qualificação docente, a avaliação do professor é outra questão ligada ao desempenho. Leila Rentroia Ianonne é especialista em avaliar o desempenho de professores e alerta para o perigo que oferece uma avaliação enviesada e maliciosa aplicada aos educadores. “A avaliação tem caráter técnico, mas envolve questões éticas e políticas”, afirma. “Quem avalia deve saber que está em uma posição privilegiada, observando o outro, e isso pressupõe uma competência relacional extremamente elaborada. Quem avalia o professor deve sempre saber o que se quer com aquela avaliação e ter em mente que o professor é um intelectual cujo maior desejo é ser respeitado”, afirma Leila. Segundo ela, nunca se deve mascarar a intencionalidade da avaliação.
Leila ainda acredita que somente aplicar a avaliação, sem o empenho de entender o diagnóstico que ela oferece a respeito do trabalho da escola como instituição, não traz muitas vantagens. “A avaliação é importante para que a instituição encontre respostas para muitas das perguntas que a assolam”, afirma. Isso porque toda avaliação é um processo de forte conteúdo técnico, pois indaga sobre valores e significados sociais. “E não pode funcionar no improviso”. Todo processo avaliativo consome recursos, tempo, dinheiro, planejamento e envolve dimensões éticas e políticas do trabalho do professor e dos gestores. “Só vale a pena quando a escola sabe exatamente o quer com a avaliação”, afirma a especialista.