Regimes previdenciários
Regime de Repartição Simples e Regime de Capitalização
Autor(a): Morgana Zamignan Volpi
A Previdência Social brasileira adotou o regime previdenciário de repartição simples (pay as you go), cuja filiação é obrigatória, nos termos do art. 201 da Constituição Federal. Vários são os países que possuem regimes previdenciários com igual natureza, como por exemplo, a Alemanha, a França e os Estados Unidos.
Através da repartição simples, o Regime Geral da Previdência Social transfere a responsabilidade de custeio dos benefícios dos aposentados e pensionistas atuais, aos segurados que ainda estão na ativa. Da mesma forma, as gerações futuras serão mantenedoras dos benefícios daqueles que estão contribuindo no presente, e assim sucessivamente. É um regime que representa a solidariedade por excelência, idealizado pelo Estado para ser social-democrático. É o que alguns autores classificam como um “pacto entre gerações”, onde as contribuições dos ativos financiam as aposentadorias da geração precedente.
Referido regime não se confunde com o regime de repartição de capital de cobertura, muito embora a lei nem sempre evidencie a distinção dos dois regimes. Neste último, há a constituição de um fundo reservado ao pagamento de eventos não programados, mas com probabilidade de ocorrência, como a invalidez, a morte ou a reclusão. Ainda, todos os participantes contribuem para o fundo.
Ao contrário do regime de repartição simples, no regime de capitalização (funding), cada integrante é responsável pela formação de um fundo, que poderá ser individual ou coletivo. Contudo, os pecúlios investidos serão destinados exclusivamente a sua aposentadoria. Pode-se dizer que se assemelha a uma poupança individual e disponível, sendo próprio da iniciativa privada, onde praticamente não existe solidariedade. Tende a se difundir cada vez mais, tendo em vista a segurança que representa para as prestações programadas, pois as contribuições de cada participante financiam parcial ou integralmente suas próprias aposentadorias.
Diante dos distintos regimes, há grande discussão acerca de qual seria o mais adequado, inclusive quanto a sua manutenção. Há correntes defensoras do regime de capitalização, que tomam como exemplo o Chile. Outras são partidárias de um regime misto, enquanto que há também as que defendem a manutenção exclusiva do regime de repartição.
Em meio a esta celeuma, há que se considerar que no regime de repartição simples, o grau de solidariedade é bem maior. Consequentemente, do ponto de vista sociológico, este regime deveria sempre existir. Mesmo porque, não inviabiliza a existência de outro regime, tendo em vista que um pode complementar o outro. Neste sentido, há autores que defendem a coexistência dos dois regimes.
Por outro lado, não existe um habitat perfeito para cada regime, razão pela qual deve ser analisado o cenário onde será(ao) aplicado(s), adequando-o(s) e respeitando sua(s) particularidade(s). O regime de repartição simples é mais vulnerável a obstáculos financeiros. Nem sempre vai haver equilíbrio entre as contribuições efetuadas e o pagamento dos benefícios.
Como exemplo, considere-se que pessoas sem capacidade contributiva, que vivem na informalidade, possivelmente serão beneficiadas por algum benefício assistencial. Haverá assim uma despesa para a previdência, sem a respectiva receita.
Raul Velloso , economista especializado em contas públicas, afirma que “o ponto central do diagnóstico sobre o problema dos regimes próprios de previdência do setor público é que, para um regime de repartição simples que paga aposentadoria integral, o número de aposentados cresceu desproporcionalmente em relação ao número de contribuintes. Isso tem levado a um expressivo crescimento das despesas com aposentados e pensionistas nos orçamentos públicos.”
Outro fator negativo, que impede o aumento da arrecadação, é o desemprego, pois com ele cessam as contribuições previdenciárias. A excessiva carga tributária das empresas, que inibe novas contratações, também traz prejuízos ao regime. O aumento de contratações traria um volume maior de recursos para a Previdência Social.
Cumpre salientar que o regime de repartição simples prevê, assim como oferece, o “básico” para o maior número de pessoas possível. Não é nenhum plano de primeiro mundo. Entretanto, é importante haver fiscalização no sentido de impedir que o modesto padrão de vida oferecido por este regime, não seja piorado ainda mais. Trata-se de uma tarefa difícil, pois ao longo dos anos os benefícios concedidos através do RGPS, restam cada vez mais defasados, impedindo os segurados de manterem o padrão de vida de quando estavam na ativa. O sistema de repartição não tem sido capaz de garantir aos trabalhadores a proteção da sua qualidade de vida durante a aposentadoria.
Em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão, o sistema complementar privado é que resolveu esse dilema. No Brasil, o regime dos Fundos de Pensão foi instituído com base na experiência desses países. Ele consiste na conjugação dos esforços das empresas e dos seus empregados para o custeio dos planos de benefícios, que são sempre complementares aos do sistema oficial. Essa conquista deveria ser estendida a todos os trabalhadores, como fizeram outros países, tidos como nações socialmente responsáveis.
Já na Previdência Privada, há grande apoio na manutenção dos ganhos dos aposentados, razão que certamente incentiva o seu crescimento. O ideal seria que nos dois regimes, fosse sempre respeitado o direito dos beneficiários, no sentido de suprir às necessidades básicas com saúde, habitação, lazer, bem-estar, alimentação, vestuário, enfim, todos os direitos previstos na Constituição Federal, conferindo-lhes nada mais do que prevê a própria Carta Magna: a dignidade da pessoa humana.
É oportuno lembrar também que a União é a maior responsável pelo suposto déficit da Previdência Social. Muitas foram às vezes que se ouviu falar nos déficits previdenciários, sem o esclarecimento de que os maiores rombos foram efetuados pela União. O sistema de repartição foi idealizado para ter equilíbrio financeiro, onde para toda entrada deveria haver uma saída e para toda saída deveria haver uma entrada correspondente. Não se deveria gastar sem ganhar, nem arrecadar sem objetivar saída. Nos termos do artigo 195, parágrafo 5º da Constituição Federal, não há benefício sem correspondente fonte de custeio. O ativo deve ser igual ao passivo. Trata-se de questão lógica, pelo que não há que se falar em déficit. Se a União não tivesse efetuado sucessivos saques ao fundo de previdência social - que é seu segundo maior orçamento – para o custeio de grandes obras como o Maracanã, Itaipu, Angra dos Reis, Cumbica, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica, entre outros, certamente o fundo estaria bem mais equilibrado. Fato é que a União não faz a sua parte, transferindo a responsabilidade para “toda sociedade”, da qual se esquece que também está incluída. Apenas para enfatizar, considere-se que desde 1995 existem mais de 100 leis autorizando saques da previdência social, importando somente neste período em mais de R$ 22 bilhões.
Por tais razões, não é crível que o maior problema do regime de repartição simples seja a falta de receita. Provavelmente a incorreta gestão dos recursos arrecadados é que conferem desequilíbrio ao regime. Não é aceitável que se transfira a responsabilidade pelas deficiências existentes aos segurados. Inúmeras são as fontes de custeio, entre elas a abusiva CPMF, que era para ser provisória, mas tornou-se excelente e imperativa possibilidade de arrecadação.
Quanto à destinação a que foi proposta (0,20% para a saúde e 0,18% para a previdência), não há como verificar e não é de se estranhar se for desviada para outros fins.
A Previdência Pública recebe contribuições de toda a comunidade: empresas, trabalhadores, lucros e prognósticos, para garantir ao segurado o recebimento do pecúlio mediante princípios de solidariedade, universalidade, imutabilidade e irredutibilidade do benefício, muito embora este último seja na atualidade uma utopia. É que em decorrência do “pacto de gerações”, o valor dos benefícios é condicionado pelo volume de recursos que entram no sistema em decorrência das contribuições. Assim, a renda do segurado guarda uma progressão proporcional com o sistema através da existência de pisos e tetos.
Na Previdência Privada, há maior equilíbrio financeiro, até porque a União não está vinculada ao custeio. Contudo, oferece maior risco, considerando que as entidades privadas podem falir, e o trabalhador após pagar vários anos, pode não receber o benefício almejado. Também é mais vulnerável às oscilações financeiras e econômicas. O argumento de que o regime de capitalização cria as bases para a formação de poupança nacional, principalmente quando os fundos de pensão limitam-se ao mercado privado, pode ser falso. Os compromissos desses fundos, não são necessariamente com o Brasil, nem com o setor produtivo, nem com o futuro beneficiário, que já têm na tradição brasileira marca das falências e fraudes que deixaram sem assistência seus contribuintes.
Neste aspecto, o regime público se mostra mais eficiente, pois garante o pagamento periódico, ainda que ínfimo. É a garantia do recebimento básico, sendo mais adequado às variações do custo de vida. Todavia, é essencial que em ambos os regimes, a proteção social seja concretizada, com estabilidade e segurança jurídica.
Quanto à manutenção do regime de repartição, Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub pondera: “Ao nosso ver, existe um fator peculiar o Brasil que serve de subsídio à tese da manutenção do regime de repartição do Regime Geral da Previdência Social e jamais poderia ser olvidado nesse trabalho: numerosas cidades brasileiras sobrevivem às custas dos benefícios do INSS. Tomemos como exemplo o Rio Grande do Norte, onde os R$ 78,1 milhões pagos pelo INSS no Estado são uma das principais fontes de renda das famílias castigadas pela seca. No Nordeste, as aposentadorias representam o único sustentáculo econômico de muitas cidades do sertão, suplantando até os valores auferidos como Fundo de Participação dos Municípios. Na região nordestina, por conta desse fenômeno previdenciário, de forma difusa ocorrem as famosas “feiras dos velhos”, denotando de maneira singela quais cidadãos possuem poder aquisitivo. Não tenhamos somente por exemplo o Nordeste, pois esse fenômeno é nacional. Atualmente, 71% da renda familiar no Nordeste e 41% da renda familiar do Sul é proveniente dos benefícios do INSS, representando, portanto, a sobrevivência de populações inteiras.”
Diante de todas as razões expostas, verifica-se que ambos os regimes apresentam vantagens e desvantagens. Não existe regime perfeito, que ofereça total segurança.
Mesmo considerando a grande tendência de adesão ao regime de capitalização, não se pode desprezar a importância social do regime de repartição simples. Por esta razão, a coexistência entre os dois regimes aparenta ser uma alternativa prudente.
Bibliografia
WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. São Paulo: LTr, 2006.
ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social / Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006.
VELLOSO, Raul. Reforma da Previdência vai fundo nos problemas da área. Disponível em: www.previdenciasocial.gov.br/reforma/opiniao/outros_20030602.htm. Acesso em: 25 jun. 2007.
http://ip.adv.br/artigo-detalhe.php?id=5