Apertem os cintos!

Apertem os cintos!


ANDRÉ SINGER


Enquanto o espetáculo da Copa do Mundo se desenrola a olhos vistos, distraindo um pouco dos problemas cotidianos, no mundo menos glamouroso da política real desenha-se um cenário preocupante. Se nada mudar, quando o país sair do sonho futebolístico vai se ver em meio a uma turbulência de longa duração.

O combustível básico da inquietude é a insatisfação com os sinais de que a economia parou. A falta de perspectiva torna mais aguda a irritação de todos a cada dia. É como em um congestionamento quando nada se mexe: o número de exasperados cresce de maneira contínua.

Em seguida, entrará em cena uma campanha eleitoral agressiva. Nem pode ser diferente, pois os partidos e candidatos precisarão dialogar com o humor daqueles que vão decidir na urna eletrônica. A disputa tensa e polarizada, com acusações pesadas, vai acentuar o clima de vale-tudo que se espalha Brasil afora.

Mas o pior está por vir. Quando se busca avaliar, nos diversos campos, as alternativas oferecidas para desobstruir o engarrafamento, o pessimismo aumenta. Com exceção de algumas poucas vozes isoladas, a solução apresentada é quase sempre a mesma: "ajuste". Discute-se o tamanho do ajuste, sua intensidade e duração, mas é raro alguém discordar que ele virá em 2015.

Para os que não gostam de discussões econômicas, traduzo. Há inúmeras variações, mas ajuste, quer dizer, em linhas muito amplas, aumento de preços represados, sobretudo na área de energia, e em consequência, aumento de juros para segurar a inflação causada pela elevação de tarifas. Depois, corte de gastos públicos, em parte para pagar juros. Para os "ajustistas" mais radicais seria bom que houvesse também um aumento do desemprego em função da contração da atividade econômica, resultando em aumento da competitividade nacional pelo barateamento da mão de obra.

Ou seja, se alguém na "fila" está achando que, passadas as eleições, a situação do "trânsito" vai melhorar, enganou-se. A julgar pelo que se lê, vai piorar. Como cientista político que busca estar atento aos movimentos da sociedade brasileira, vejo-me na obrigação de advertir que tais receitas vão jogar gasolina em uma situação de per si explosiva. Vale lembrar que junho de 2013 foi o início de uma longa fase de luta, em que diferentes camadas entraram em um conflito distributivo acirrado.

Por isso, prefiro ainda ouvir as poucas cabeças que tentam pensar propostas diferentes, como a de Benjamin Steinbruch na Folha (17/6) e a de Amir Khair no "Estado de S. Paulo" (15/6). Precisamos escapar do famigerado "ajuste", o qual, além do mais, passe o trocadilho, é sempre injusto com quem tem menos.

Folha de S. Paulo




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