Sem medo na era da conectividade

Sem medo na era da conectividade

Não ter receio de experimentar, manter contato com outros professores e trocar experiências. Para Carlos Marcelo García, professor do Departamento de Didática e Organização Educacional da Universidade de Sevilha (ESP), essas são as chaves para os docentes que desejam se inserir na chamada era da conectividade. García palestrou sobre esse tema no IV Congresso Internacional sobre Professorado Principiante e Inserção Profissional à Docência, realizado entre os dias 18 e 21 de fevereiro em Curitiba (PR). Após a palestra, ele conversou com a Profissão Mestre sobre quais atitudes e competências um professor deve ter nessa nova era e como as escolas devem atuar. Leia a seguir as opiniões do educador espanhol.

Profissão Mestre: Como deve ser o professor da era da conectividade? Quais competências ele deve ter?

Carlos Marcelo García: Eu creio que o professor da era da conectividade deve ser um professor que esteja conectado, assuma que suas competências e seu conhecimento são limitados, permanentemente esteja aprendendo e tenha desenvolvidas habilidades e competências em aprender a aprender. Hoje em dia, diz-se que toda a informação está na internet, mas isso não está certo, pois faz falta saber como encontrá-la. No entanto, creio que o professor não deve ser somente uma pessoa que encontre informação, mas que contribua e disponibilize, por meio da rede, conteúdo para outros profissionais docentes. Deve ser uma pessoa que também saiba valorizar e esteja muito atenta às mudanças que estão acontecendo com as novas gerações, relacionadas, de alguma forma, aos dispositivos digitais e à era da conectividade. A ideia dos imigrantes digitais, que Marc Prensky lançou há alguns anos, em partes é certa e em partes não. É dito que as crianças agora são nativos digitais, que nascem com o dedo polegar um pouquinho maior de tanto teclar no WhatsApp [aplicativo para celulares de mensagens instantâneas]. Diz-se que os nativos digitais têm toda a competência sobre as tecnologias, mas isso [também] não é certo. Por outro lado, penalizam-se os professores, que são imigrantes digitais de uma era cavernal, [e afirma-se] que [nós, professores,] não somos capazes de usar os meios deste século. Nem uma coisa, nem outra. O professor deve ter consciência dos novos recursos que tem à sua disposição para conseguir, primeiro, motivar o estudante e, segundo, conseguir que os estudantes aprendam. O ponto da motivação deve ter um novo olhar, porque a motivação do estudante que temos em sala de aula não é a de que [o conteúdo] que [ele está] estudando agora lhe vá servir no futuro. Essas crianças são instantâneas. Querem conseguir agora mesmo o resultado do que estão aprendendo. E, para isso, eu acredito nas novas tecnologias. Então, de que precisa o professor da era da conectividade? O professor deve ser igual a qualquer cidadão que saiba que as regras mudaram. Qualquer cidadão que está estudando sabe que não vai trabalhar na mesma empresa por toda a vida. Não será o caso do professor, mas sim o dos estudantes. Portanto, o professor tem que desenvolver nos estudantes a flexibilidade, a abertura mental, a capacidade de adaptação e de inovação e, para isso, é preciso ser um modelo. Isso é bastante exigente, mas ou se faz a mudança agora ou em 30 anos teremos problemas para justificar que as escolas ainda têm sentido e os professores continuam necessários.

Profissão Mestre: Como o professor pode usar as novas tecnologias, em sala de aula, de maneira saudável e criativa?

García: Já existem muitas experiências, que vêm não da universidade, mas sim dos próprios professores. As tecnologias estão aí para serem utilizadas com um enfoque de aprendizagem. Às vezes, elas apoiam um aprendizado muito passivo dos estudantes. Há tecnologias para que os estudantes vejam, em vez do quadro negro, o PowerPoint, mas isso não agrega mais valor. O professor tem que utilizar aquelas tecnologias que, evidentemente, tenha à sua disposição. É certo que em muitos países desenvolvidos há muita tecnologia em sala de aula. O Brasil é um país que avançou muito, mas também é certo que tem poucas escolas da era da conectividade. Ter os melhores recursos não significa utilizá-los. A tecnologia tem que ser agregada ao fazer habitual dos professores. O importante não é a tecnologia, mas sim em qual momento da minha sequência de ensino-aprendizagem vou usá-la. Por exemplo, se estou ensinando geografia, ensinar num mapa de duas dimensões é muito antigo. Portanto, para que meus alunos pratiquem e possam localizar ende­reços, eu posso usar o Google Earth. Se meu objetivo é motivar meus alunos em uma aula na qual vou trabalhar história, posso apresentar um pequeno vídeo ou um filme que relate o contexto que quero ensinar. Assim, usam-se as tecnologias para motivar, mas também se pode usá-las para que o professor e o aluno participem e dialoguem até mesmo fora de sala. Há uma experiência que tem sido desenvolvida há dois anos, nos Estados Unidos, que se chama “salas de aula invertidas” (flipped classrooms). Dois professores de Química do ensino médio não gostavam que a maior parte do tempo em sala fosse [para ficar] explicando. Pensaram o seguinte: “vou gravar minhas aulas em vídeo, com apoio do PowerPoint, e meus alunos vão ver minhas explicações, mas não em sala, e sim em casa. E, quando forem para a aula, não vão escutar o professor, vão resolver suas dúvidas, fazer problemas e exercícios”. Esse é um exemplo de como as tecnologias podem mudar o sistema habitual de ensino: uma pessoa falando e um grupo de 30, 40 alunos ouvindo – esse esquema deve mudar. As tecnologias permitem isso, mas é fundamental que o professor tenha na cabeça a motivação e o interesse para mudar.

Profissão Mestre: Como o professor pode evitar a distração dos alunos quando trabalha com as novas tecnologias?

García: Isso é parte da desconfiança que os professores têm sobre as tec­nologias. É certo que isso acontece, em parte, por sua experiência e, em parte, porque as tecnologias surgiram muito recentemente. Só recentemente temos resultados de pesquisa que nos indicam que, para certos aprendizados, as tecnologias conseguem os mesmos resultados que o ensino tradicional. A dúvida que muitos professores têm a respeito do potencial das novas tecnologias é, de certa maneira, sem sentido. Há pessoas que falam do dilema entre a tecnofilia e a tecnofobia: aqueles que utilizam qualquer tecnologia rapidamente e de maneira crítica e aqueles que rejeitam qualquer tecnologia. Dito isso, é certo que os professores não têm medo, mas sim algumas incertezas a respeito do poder que as tecnologias podem ter de competir com ele. Eu creio que, afinal, é um temor sobre a incompetência do professor. Ele está acostumado a ser o único detentor do conhecimento, do controle sobre os tempos, as fontes e os fluxos de informação na aula, porque tradicionalmente a aula é somente sua voz, sua letra no quadro e o livro. Tudo já estava controlado previamente, e não havia ruídos e interferências. Com as tecnologias, há ruídos externos. Portanto, há a possibilidade de que, ao incorporar as tecnologias, os alunos se distraiam. É como se os alunos tivessem um campo de futebol enorme, onde jogam Ronaldo e Neymar, e, ao lado, o professor. O que o aluno vai fazer? Jogar com o Neymar, não? Assim, não é possível que eu incorpore as tecnologias e siga fazendo tudo igual. Se faço isso, as crianças vão se distrair, porque vão buscar outras janelas mais interessantes que o professor. O que eu faço? Se vou usar as tecnologias, devo ter um objetivo. Tenho uma turma cujos alunos usam o celular na sala. Não me importo que estejam conectados. Se estou falando de um conceito, que eles busquem esse conceito e seu significado. Outro colega meu tem um Twitter e, ao longo da aula, os alunos vão escrevendo as dúvidas que eles têm e elas vão aparecendo na rede social. Existem outros exemplos, como o professor que está explicando e pede para que seus alunos escrevam um pequeno texto em seus celulares. Isso é utilizar as tecnologias como apoio ao ensino. Isso elimina medos, mas é preciso que se entenda que muitos professores se sentem inseguros com a tecnologia. Não é uma questão de poder, e sim de segurança. E, para ter segurança, o que o professor vai fazer? Tirar as tecnologias para que os alunos o escutem? Não creio que será isso.

Profissão Mestre: Qual é o papel da escola nessa nova era? O que ela pode fazer para ajudar os professores?

García: Não podemos pensar no professor da era da conectividade sem pensar em uma escola conectada. As escolas têm que ser também espaços de conectividade com os pais. Não faz sentido que os pais se relacionem com a escola somente quando vão fisicamente até ela. A escola deve ter sua própria rede social, na qual os pais participam. Seus espaços de comunicação síncrona ou assíncrona. Eu posso estar aqui, mas posso ter uma reunião com o professor da minha filha por Skype. Os pais agora estão muito informados sobre os avanços de seus filhos, sobre que tipo de tarefas realizam, e tudo isso é necessário. Para que isso tenha sentido, deve ser um esforço compartilhado para que as tecnologias estejam presentes em tudo. Portanto, a escola deve crer no potencial da conectividade e prover apoio com recursos e, sobretudo, com organização e formas de organizar o trabalho. A conectividade significa pensar também que a ideia de que um professor em uma sala não sabe o que acontece na sala ao lado não tem sentido. Na própria universidade, nós montamos nossos materiais para que eles fiquem visíveis para qualquer outro professor. Isso também é trabalhar na era da conectividade. Significa que os próprios professores estão em contato com outras escolas, com intercâmbios presenciais ou a distância. Para as escolas, é muito importante que assegurem que esse projeto seja sustentável com o tempo e, para isso, o papel do diretor é fundamental.

Profissão Mestre: Qual sua sugestão para os professores que ensinam na era da conectividade?

García: A minha sugestão é: primeiro, perca o medo. Não vai quebrar nada no computador. Segundo, encontre algum professor que tenha um blog inovador e o leia, porque, a partir dele, você terá acesso à informação do que estão fazendo. Terceiro, inscreva-se num espaço de curação de conteúdo, algo como o Scoop It, em que você pode seguir uma pessoa e ela vai lançando novidades, inovações e vai agregando informação. O primeiro passo é ver que você não está sozinho no mundo, que está com outros e que pode estar em contato com outros. Eu creio que isso é fundamental, porque lhe permite perder o medo e perceber que não está sozinho, que tem alguém para perguntar coisas. Participe de uma rede social, mas não o Facebook. O Facebook não é o lugar mais apropriado para a docência, mas sim redes sociais especializadas em ensino. Portanto, é isso: perder o medo e estar conectado a outros com os recursos que temos agora.

Entrevista publicada na edição de abril de 2014.

http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/820-sem-medo-na-era-da-conectividade




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