Parâmetros para avaliar o novo PNE

Parâmetros para avaliar o novo PNE

 

Dia 28 de maio o plenário da Câmara dos Deputados finalmente aprovou o texto do novo Plano Nacional de Educação. Ainda faltam serem votados dois destaques muito importantes, os quais devem ser discutidos na próxima segunda-feira. O adiamento de duas questões centrais no texto para votação posterior não permite um balanço ainda definitivo sobre o saldo do novo PNE, mas já permite algumas pistas.

 O que eram as expectativas dos setores comprometidos com uma educação de qualidade para todos com a aprovação do Plano Nacional de Educação? A resposta a esta pergunta é meu parâmetro para avaliar o saldo do texto aprovado, mesmo restando duas importantes votações. Hoje enumero cinco expectativas, anunciando o caminho que usarei para avaliar, ao final da votação, os resultados alcançados.

 Em primeiro lugar, o país possui uma fotografia educacional ainda incompleta, com milhões de brasileiros privados do acesso e com baixa qualidade no atendimento existente. O acesso e a qualidade existentes refletem as desigualdades territoriais, raciais e de classe presentes em nossa sociedade. A nossa escola tem sido pouco eficiente para diminuir estas desigualdades. E a expectativa é que o novo plano representasse uma clara disposição das políticas públicas no combate à desigualdade, pelo menos no âmbito educacional.

 Em segundo lugar, o provimento dos serviços educacionais, especialmente da educação básica, está muito desequilibrado em termos federativos. Há uma clara sobrecarga nas costas dos municípios, ente federativo de maior fragilidade tributária, tendo como consequência a precarização da prestação de determinados serviços ou mesmo a negação do direito à educação. Uma redefinição dos papéis dos entes federados, especialmente com maior participação financeira da União estava entre as principais expectativas.

 Em terceiro lugar, não existe como tornar a educação mais inclusiva sem aplicar um volume maior de recursos públicos. Os investimentos públicos em educação cresceram pouco na última década, parte reforçou o caixa do setor privado via isenções e bolsas e a participação financeira da União, ente federado com maior capacidade tributária girou em torno de 20% do efetivamente aplicado. Este, certamente, é um dos temas em que se aguardava mudanças significativas.

 Em quarto, mas não menos importante, presenciamos nos últimos vinte anos do século passado e nos primeiros deste século a diluição das fronteiras entre público e privado e uma crescente diminuição do papel do Estado no provimento dos serviços públicos. Uma reafirmação mais categórica que educação não é mercadoria e, portanto, sendo um direito fundamental deve ser oferecido diretamente pelo Estado se reveste de um tema essencial para o debate do novo PNE.

 E quinto, a faltas de um padrão mínimo de qualidade, aliado a um modelo de financiamento pouco eficiente para diminuir a disparidade de capacidade de estados e municípios na oferta educacional explica a diversidade existente nas redes públicas, o que reflete em salários diferenciados, condições de infraestrutura desiguais e investimentos em formação muito distintos. Estabelecer um padrão ou pelo menos dar prazo para que isso aconteça também é uma expectativa existente.

A última batalha

Devido a dedicação para um concurso público na minha área, estive afastado deste espaço na última quinzena e pouco comentei sobre a reta final da tramitação do Plano Nacional de Educação. Como há a possibilidade de que ocorra na tarde/noite de hoje a última votação da longa via crucis por que passou o tema, comentarei neste espaço os meus posicionamentos e expectativas sobre o tema. Hoje vou comentar um pouco sobre os atores sociais envolvidos.

Como toda norma, o PNE a ser aprovado será expressão da correlação de forças entre os vários segmentos sociais interessados e/ou mobilizados para influenciar no seu formato. Sendo um plano que envolve todos os aspectos da educação brasileira, há uma multiplicidade de atores sociais e institucionais envolvidos, mas os mesmos não possuem e não tiveram pesos iguais na pressão para definir os rumos do texto legal. Destaco alguns destes atores.

O primeiro, por ser o mais poderoso, é o governo central. Na chamada governabilidade à brasileira, marcada pelo toma lá dá cá entre governo e parlamento, as posições do governo possuem forte influência junto aos parlamentares. E neste caso não foi diferente. É verdade que o texto final está positivamente diferente do que havia sido proposto pelo executivo, mas também é verdade que o governo impediu avanços importantes e agiu para impedir aumento de despesas para os cofres federais, por um lado, e para legalizar programas federais estratégicos, por outro. Se perdeu a batalha dos 10% do PIB para a educação pública, o governo conseguiu inserir na contabilidade deste percentual todo o gasto público com a iniciativa privada, matriz principal de sua proposta de crescimento da oferta educacional nos últimos anos, especialmente no ensino profissional e superior.

O segundo, por ser inovador em termos da política brasileira, é a sociedade civil, representada neste processo pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Cada mobilização social é fruto do nível de organização das classes de baixo e do seu grau de unidade nos embates políticos contra os de cima e neste sentido não considero que o processo atual seja semelhante ao desenvolvido quando da Constituinte ou da LDB. Hoje há muito mais desunião nas hostes populares e o governo possui forte influência nas suas principais direções. Mesmo assim, é alvissareira a capacidade que esta rede teve de influenciar no texto final, garantindo vitórias importantes (ganhou o debate de que eram necessários mais recursos para a educação, por exemplo) e introduzindo no texto o conceito de custo aluno-qualidade, materialização da exigência constitucional de padrão mínimo de qualidade.

O terceiro ator relevante na materialização do PNE, pelo menos nesta fase de elaboração são os próprios parlamentares. Infelizmente a educação ainda não se tornou uma preocupação relevante no cotidiano da Câmara e do Senado, e as mudanças descritas acima refletem na redução de parlamentares que elegem esta temática como eixo dos seus mandatos. Talvez a mais representativa expressão do esgotamento das energias representativas do parlamento brasileiro no que diz respeito a tramitação do PNE tenha sido a postura do Senado em todas as votações educacionais ocorridas nestes últimos quatro anos: insensíveis aos anseios populares, sensíveis às demandas governamentais e de grupos conservadores.

O quarto grupo de atores, que não possuíram peso relevante na formulação, mas que serão decisivos na implementação do PNE, é composto pelos governadores e prefeitos. É sobre os entes federados com menor poder político que recairá o grosso das responsabilidades. A falta de peso político destes entes para forçar concessões federativas claras e objetivas enfraqueceu o novo plano, deixando de aproveitar para pautar um dos principais temas federativos brasileiros que é a revisão do papel da União no provimento da educação básica. Porém, passada a fase de elaboração, o plano nacional depende da construção de planos estaduais e municipais, de se tornar referência para a elaboração das peças orçamentárias e de seus desafios se tornarem referência para as políticas públicas locais. E também deste atores pressionarem a União para auxiliar no cumprimento das metas mais desafiadoras.

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