Distorção idade-série
Mais de 700 municípios têm mais da metade dos alunos em atraso escolar
A maior parte dos municípios com distorção idade-série de mais de 50% (468) está na Região Nordeste
Fonte: Agência Brasil 02 de junho de 2014
Em 738 municípios brasileiros, mais da metade dos alunos de escola pública do ensino médio não têm a idade adequada à série em que estuda. São estudantes com mais de dois anos de atraso escolar. Na outra ponta, 217 de um total de 5,5 mil municípios têm menos de 10% de estudantes nessas condições.
Os dados são do Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A maior parte dos municípios com distorção idade-série de mais de 50% (468) está na Região Nordeste. Quando se trata dos municípios com taxa menor que 10%, a maior parte, 190, está no Sudeste.
Os dados foram selecionados com o auxílio da plataforma de dados educacionais QEdu, onde estarão disponíveis para consulta a partir de hoje (2). O portal é uma parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos voltada para a educação.
Os dados nacionais mostram que 32,7% dos alunos brasileiros de escola pública do ensino médio não têm a idade adequada à série em que estão. Parte desse atraso vem do ensino fundamental, onde 23,7% estão nessa situação.
Pela Constituição, os estados e o Distrito Federal são responsáveis, prioritariamente, pelo ensino médio. Segundo a presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, os municípios têm um dever de casa: "Esse problema não começa no ensino médio, começa nos anos finais do ensino fundamental [do 6º ao 9º ano]. Trabalhar na busca ativa é fundamental, tem que abrir o dado e ver onde está esse aluno. Até para ver se ele tem condição de continuar ou não, se tem alguma síndrome mais complicada, se está atrasado porque ficou fora da escola".
Com 21 anos, no 1º ano do ensino médio, Orleide Silva é um exemplo de estudante que está fora do fluxo escolar. A idade adequada seria 15 anos. Quando tinha essa idade, no Piauí, a mãe de Silva separou-se do marido. "Eu tinha que estudar à noite porque trabalhava de dia. Sustentava minha mãe e meus dois irmãos. Começou a ficar muito difícil porque não tinha transporte e parei de estudar".
Antes disso, ele já tinha sido reprovado no 4º e no 6º ano do ensino fundamental. "Brinquei demais". Atualmente, mora no Distrito Federal, voltou a estudar e pretende cursar filosofia para ser professor. "Este ano, eu faltei um dia por motivo de serviço. Conhecimento é importante para tudo. Quando eu era mais jovem, só queria curtição, agora penso diferente. Ninguém vai tirar isso de mim".
No entanto, nem todos os alunos voltam a estudar. A taxa de abandono no ensino médio em 2012 era 9,1%, a maior do ensino básico regular.
"O atraso escolar é uma das barreiras que contribuem para que os adolescentes saiam da escola. A qualidade é o que garante a permanência da escola. Um currículo que contribua para a formação cidadã, que amplie os horizontes, em que o adolescente veja sentido no que vê em sala de aula, que dê vida e significado à vida dele, dentro e fora da sala de aula é necessário", analisa a oficial do Programa de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Júlia Ribeiro.
Atraso escolar diminui desde 2006 e chega a 29,5%
A porcentagem de estudantes em atraso escolar no ensino médio diminui desde 2006, ao passar de 46% para 29,5%, em 2013. A taxa de distorção idade-série corresponde aos estudantes com mais de dois anos de atraso escolar. Os dados são do Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Nas escolas públicas, esse índice passou de 50% em 2006 para 32,7% no ano passado. Já nas particulares, de 11% para 7,6%. Os dados foram selecionados com o auxílio da plataforma de dados educacionais QEdu, onde as informações estarão disponíveis para a consulta a partir de hoje (2). O portal é uma parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos voltada para educação.
Quando o aluno ingressa no ensino médio, ele já passou por um percurso escolar de pelo menos nove anos no ensino fundamental. Segundo o coordenador de Projetos da Fundação Lemann, Ernesto Faria, o atraso no ensino médio mostra o problema do fluxo como um todo. "Temos altas taxas de reprovação, mas não temos política para lidar com os alunos que fazem a série novamente", analisa Faria. "A reprovação pode estigmatizar os alunos e aumentar a chance de ele não terminar a educação básica", diz.
Os dados de 2013 mostram que as maiores taxas de distorção idade-série no ensino médio público ocorrem nas regiões Norte e Nordeste, em escolas de áreas rurais. Consideradas escolas em zonas urbana e rural, Pará (57,3%), Sergipe (50,7%) e Piauí (49,2%) tem as maiores taxas. As menores são registradas em São Paulo (17,1%), Santa Catarina (18,4%) e Paraná (24,3%).
Nas escolas rurais, Amazonas (69,8%), Pará (60,3%) e Piauí (57,7%) apresentam as maiores porcentagens de alunos em atraso escolar. As menores taxas estão em São Paulo (13,8%), Santa Catarina (15,9%) e Paraná (22%).
"As taxas são muito altas. Diversas pesquisas mostram que a reprovação não melhora o desempenho. Não há ganho por reprovação, não há ganho para o sistema educativo, que acaba bancando um ano a mais desse aluno e não há ganho para o aluno, que perde um ano da vida para complementar a etapa", analisa a gerente da Área Técnica do movimento Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco.
A assessora de Projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Maria Reher complementa: "O que a gente pode destacar é o problema da qualidade da educação, mas o que é essa qualidade? No ensino médio, ela envolve o currículo. Quando conversa com os adolescentes, percebe a falta de significação da escola, de identidade da escola e a falta de oportunidade para esses adolescentes."
Pela Constituição, cabe aos estados e ao Distrito Federal oferecer prioritariamente o ensino médio. De acordo com o Conselho Nacional de Secretarias de Educação (Consed), nos últimos anos, os indicadores foram impactados com a volta de estudantes que tinham deixado a escola. "Apesar disso, tínhamos que avançar bem mais, dar passos mais largos. Em outros países, os adolescentes terminam o ensino médio com 17 e até com 15 anos", diz a secretária de Educação do Mato Grosso, Rosa Neide, integrante do Consed.
A questão recebe atenção do Ministério da Educação. No ano passado, a pasta lançou o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Em um primeiro momento, duas ações estratégicas estão articuladas: o redesenho curricular – em desenvolvimento nas escolas por meio do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) – e a Formação Continuada de professores. As ações devem impactar também na correção do fluxo.
Todos pela Educação