Tensões e manifestações
Tensões e manifestações dão o tom nas pautas da grande imprensa no Brasil e no mundo
O tema do momento para a grande imprensa são as greves do setor público. Fui procurado na última semana por jornalistas da imprensa estrangeira (Portugal, Holanda, Chile), além da nacional, para analisar este fenômeno. Ontem, Cláudia Rollo, da Folha de São Paulo (jornalista especializada no mundo do trabalho e sindical) procurava aprofundar o que ocorria na base das categorias do serviço público, em especial, do transporte coletivo, que refutaram acordos que haviam sido firmados entre seus sindicatos e os governos municipais. Minha opinião é que vivemos algo similar ao que ocorreu no sindicalismo europeu (em especial, o italiano) nos anos 1990.
O governismo – ou o neocorporativismo, conceito que indica participação das estruturas de representação corporativa na tomada de decisão governamental/estatal – distanciou perigosamente as centrais sindicais de suas bases. A reação foi a eleição de chapas independentes para comissões de fábrica e empresa, retirando a inserção – e capilaridade – das centrais no chão da fábrica. Este fenômeno se repetiu, em certa medida, na deslegitimação de diversos partidos nacionais italianos que passaram a enfrentar as ligas regionais, com demandas territoriais e comunitárias muito específicas. No Brasil, a partir dos anos 2000 (em especial, com a vitória de Lula à Presidência da República) tivemos sinais trocados em relação à prática sindical (mais partidarizada, mais envolvida nos fóruns e arenas governamentais) e as mudanças tecnológicas e de gestão que ocorriam nas empresas (fragmentando a unidade dos trabalhadores, exigindo maior responsabilidade na produção e inovação produtiva).
O governismo sindical abriu um hiato entre a agenda das centrais (mais próxima da lógica do que se convencionou nomear de sindicalismo populista, anterior ao golpe militar) e a insegurança no mundo do trabalho associado à nova dinâmica de consumo familiar (estimulada pela “inclusão pelo consumo” das gestões Lula). É a partir deste hiato que surgem ações de base que desautorizam as negociações firmadas por parte das direções sindicais, em especial, envolvendo algumas categorias do serviço público (mas há, ainda, registros de insatisfação na construção civil). E a insatisfação abre espaços para centrais sindicais vinculadas a partidos à esquerda do PT, caso do PSOL e PSTU.
A instabilidade política na base sindical vem exigindo a gradativa radicalização das direções sindicais, mesmo as governistas, na intenção de recuperar o espaço perdido. O interessante é que este conflito entre representantes e representados do mundo sindical parece ter desabrochado a partir das manifestações de junho do ano passado. O que sugere que as manifestação tiveram certo condão catártico, não necessariamente uma linha de relação direta e racional, mas uma quebra da calmaria e inércia política que vivíamos até então no Brasil.
O fato é que, dos “novos brasileiros” que emergiram nos últimos dez anos, apenas os beneficiários do Bolsa Família ainda não se apresentaram coletivamente com suas reivindicações. No mais, dos meninos dos rolezinhos à juventude com valores anarquistas ou autonomistas, passando pelos conflitos no mundo sindical, presenciamos no último ano um vendaval de novas tensões que convergem, invariavelmente, para a crise de representação formal em nosso país.
24/05/2014
| Blog do Rudá