Tecnologia sem uso
Lousas digitais ficam sem utilidade em escolas públicas por falta de treinamento dos professores
Ministério da Educação gastou cerca de R$ 3 milhões com equipamentos
02/06/2014 | 09h01
A experiência foi positiva na escola Aurélio Reis e outros cinco kits foram comprados para instalação nas salas
Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
Uma sacada tecnológica para tornar as aulas mais atraentes nas escolas públicas jaz em armários do Rio Grande do Sul. A lousa digital, distribuída há mais de um ano, tem tido pouca ou nenhuma utilidade nos colégios. O governo federal investiu cerca de R$ 3 milhões somente na rede estadual gaúcha, segundo Estado que mais recebeu equipamentos no país, conforme levantamento do Ministério da Educação (MEC) — o primeiro foi Minas Gerais.
Do total de 2,6 mil lousas digitais, 1,6 mil foram entregues há mais de um ano, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre. O restante foi para a rede municipal de algumas cidades ou ainda não foi distribuído pelo MEC. Outras 490 serão distribuídas nas áreas rurais, ainda em 2014. É dever das secretarias estaduais formarem o corpo docente para trabalhar com a lousa. No Estado, os primeiros cursos devem ser ministrados a partir da segunda quinzena deste mês.
Indicada pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc) e pelo MEC como exemplo, a escola Paulo da Gama, no bairro Partenon, desistiu do uso em razão da complexidade do equipamento. Quando recebeu a lousa digital, Guy Barcellos, professor de biologia e seminários integrados e projetos para Ensino Médio, empolgou-se. Montou a estrutura e até tentou dar algumas aulas. Mas foi vencido pelas dificuldades. A lousa entregue pelo governo serviu apenas para terem a ideia de comprar outra mais funcional, por R$ 3 mil, com recursos do próprio ministério.
— Ela não funcionou direito. Nós estamos utilizando apenas para projeção, principalmente de filmes e documentários, pois tem um bom áudio, mas o recurso de interatividade, de tela digital, é canhestro — avalia Barcellos.
Em outra escola citada pelos órgãos federal e estadual como exemplo, o equipamento foi elogiado. A professora de matemática Maria Rosane Casanova é a única que opera a lousa digital na escola Aurélio Reis, no bairro Jardim Floresta, e afirma que "é muito viável e bastante necessária", mas aprendeu a manuseá-la "na marra" e sozinha.
Em um levantamento aleatório com escolas estaduais de Porto Alegre, alguns professores disseram que receberam o equipamento mas aguardam instruções sobre como usar. Outros negaram. Na Escola Técnica Parobé também houve dificuldade. A lousa digital foi usada por três meses, mas uma peça do computador que projeta as imagens estragou e até hoje não houve conserto.
— Ela tem um uso interessante, mas não é fácil de lidar. Até os professores de informática tiveram dificuldades para montar — afirma a diretora Carmen Ângela Straliotto de Andrade.
Em Alvorada, a Escola Stella Maris recorreu a uma empresa particular para instruir os professores. Mara Rosane Noble Tavares, assessora do Núcleo de Tecnologia Educacional da coordenadoria da Seduc responsável pela Capital, confirma que os equipamentos ainda estão sem uso e há desconhecimento entre os diretores:
— Quando fizemos o pré-planejamento das formações, a maioria dos professores dizia que ainda não tinha recebido. Aí, eu dizia que ela deve ter sido entregue na época tal, parece uma caixinha de camisa. E eles respondiam: "Ah, sim, recebi". Então, eu avisava para deixar à mão que, quando chamarmos para formação, saberiam como usá-la".
Para o MEC, no entanto, já ocorreram treinamentos. Em nota, o ministério informou que há uma coordenação estadual para orientar e capacitar os professores e que em 2013 foram realizadas diversas oficinas pedagógicas com o objetivo de estimular e ensinar os professores a usarem as lousas digitais.
Aulas podem passar a incluir recursos como vídeos e mapas
Na escola Aurélio Reis, no bairro Jardim Floresta, além do dispositivo encaminhado pelo Ministério da Educação, há outras cinco lousas digitais à disposição para as aulas dos 210 alunos de Ensino Fundamental compradas com a verba que a própria direção pode decidir como gastar. Para a diretora Nássara Brum Pires, a tecnologia ajuda a organizar também a vida do professor, que pode preparar a aula e levá-la pronta, de casa, no pendrive.
De acordo com Maria Cristina Villanova Biasuz, coordenadora do curso de pós-graduação em Informática na Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), qualquer tecnologia inserida na sala de aula é interessante no momento em que o professor estiver preparado para usá-la e para tirar o melhor proveito. Por isso, a formação docente não deve ser pontual.
— Há necessidade de maior preparo para o professor, com formação continuada, mas não só para um equipamento específico. Não é simplesmente transpor a página do livro didático para um site sem conhecimento das possibilidades que a tecnologia agrega. Além de saber usar, tem que compreender que pode dar acesso a vídeos, mapas e imagens que agreguem informação em sala de aula.
Benefícios na prática
O que é
- Equipamento que transforma a parede onde a imagem é projetada em uma grande tela sensível ao toque, permitindo a interação com o conteúdo projetado.
- A lousa complementa o computador interativo, um dispositivo de projeção portátil.
- Além de ser um projetor, o equipamento tem teclado, mouse, portas USB, porta para rede wireless e unidade leitora de DVD.
- Permite acesso a internet, apresentação de materiais digitais armazenados no servidor da escola, compartilhamento de arquivos, gravação das aulas e apresentação de conteúdos gravados pelos professores em pendrive e exibição de vídeos em DVD.
Como pode ser usada
- A projeção interativa ajuda a tornar os desenhos mais atraentes e os conteúdos interessantes.
- Em uma aula de história do Rio Grande do Sul sobre a Revolução Farroupilha, por exemplo, é possível fazer a conexão com a internet a partir do computador. No meio da aula, surge uma dúvida: quem foi Anita Garibaldi? Uma pesquisa pode ajudar a contar a história da heroína farroupilha e fazer a ligação com o que está sendo estudado na sala de aula.
- A lousa deve ser aproveitada para conteúdos interativos, apresentando mapas, vídeos e imagens que agreguem à aula.
- Permite o acesso ao acervo de museus internacionais via internet.
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