Custos aumentam mas Fundeb congela
Os custos da educação aumentaram, mas o Fundeb congelou
Tania Moreira Pescarini
Especialistas disseram que os recursos do fundo são insuficientes para investir em planos de carreira e cursos de capacitação para os professores
No último dia da Educar Educador e Bett Brasil 2014, foi realizado um debate sobre um dos temas que mais preocupa os gestores públicos educacionais: a falta de recursos. O tema foi tratado por dois especialistas: Carlos Eduardo Sanches, que presidiu o conselho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) de 2010 a 2012, e Casemiro Campos, professor da Universidade Federal do Ceará e pesquisador na área de formação de professores.
Eles disseram que hoje, os municípios brasileiros concentram a maior parte das matrículas públicas da educação básica no país: 58,7%. A maioria das cidades têm porte pequeno e médio e suas secretarias de educação dependem largamente dos recursos advindos do governo federal.
No entanto, o Fundeb não tem o fôlego necessário para financiar as melhorias que a educação precisa para financiar os planos de carreira e os cursos de capacitação que as administrações municipais demandam. “Os custos da educação aumentaram, com os avanços observados nas últimas décadas, mas o Fundeb congelou. Não atende mais nossas necessidades”, afirma o professor.
Dados apresentados por Sanches confirmam: entre 1993 e 2012, o número de professores municipais aumentou 117%, enquanto o dinheiro destinado à educação subiu somente 85%. O resultado é que muitos municípios tem problemas com a folha de pagamento.
Discrepância de salários
Os planos de carreira para professores são definidos a nível municipal e estadual e todos devem observar a Lei do Piso salarial. O problema com essa lei, segundo Sanches, é que ela gera uma discrepância enorme entre os salários de professores com o mesmo cargo e atribuições. A diferença pode ultrapassar os 500%, segundo ele. Isso porque boa parte dos salários é composta por gratificações, que podem ser retiradas a qualquer momento e desaparecem na aposentadoria e na licença-médica. “Precisamos de uma base salarial maior”, defende. E para isso acontecer, o ensino precisa de mais verba.
Esse dinheiro provavelmente não virá inteiramente do petróleo, segundo Sanches. Já se prevê que os recursos do pré-sal serão 48% menores que o projetado em 2013. Portanto, é preciso definir novas fontes. O gestor público alerta ainda que de nada adianta dizer que 10% do PIB irá para a educação se não se definir quem contribuirá, e com quanto.
As expectativas em relação ao Plano Nacional da Educação (PNE) são altas e Casemiro espera que seja aprovada ainda esse ano. “Será um grande avanço podermos planejar a educação a longo prazo. A continuidade das políticas públicas é fundamental para o avanço do ensino”, comenta Campos. Ele alerta, entretanto, que é preciso equalizar investimento e qualidade. “Muitos países aumentaram seus investimentos em educação sem que isso surtisse efeitos nas provas. As notas continuaram baixas”, diz ele.
http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9316/os-custos-da-educacao-aumentaram-mas-o-fundeb-congelou
Desvalorização histórica
A história da constituição da profissão docente no Brasil ajuda a entender como chegamos ao quadro de desprestígio atual
Cristina Charão
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Percorrer a história da profissão docente no Brasil é uma maneira de descobrir detalhes do processo que leva ao atual quadro de desprestígio social do magistério. Essa história é indissociável da evolução da escolarização no Brasil e é marcada, principalmente, pela constituição paulatina de diferentes estratos para o trabalho do professor.
O magistério, como outras profissões, obedece a uma regra mais ou menos universal: quanto mais especialização um trabalho requer, mais o profissional será valorizado. O que ocorreu com a docência foi que, ao mesmo tempo que se foi reconhecendo a necessidade de formação específica para que alguém aprendesse a ensinar, a consolidação dos diferentes níveis de ensino também criou diferentes níveis de exigência para os professores. "É uma profissão muito heterogênea e os critérios de entrada e permanência na carreira são muito distintos, o que vai implicar diferenças de formação, diferenças salariais, de condições de trabalho, de carreira", comenta o professor de história da educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, José Gondra. "Esta é a principal marca da profissão docente no país, que está muitíssimo vinculada à história da escola."
À medida que o acesso à escola e aos diferentes níveis de ensino vai sendo incorporado como uma demanda social e sua oferta é expandida, diferentes exigências vão sendo feitas sobre a formação docente e diferentes perfis profissionais vão se estabelecendo. É no início do século 19, logo após a Independência, que o país começa a criar as primeiras Escolas de Primeiras Letras para formar professores para os anos iniciais. Elas darão origem às Escolas Normais, que surgem apenas com o advento da República.
Só nos anos 1930, quando o ensino secundário - o equivalente hoje ao segundo ciclo do fundamental - inicia sua expansão, surgem os primeiros cursos superiores de Educação. Antes disso, as diferentes disciplinas eram oferecidas por pessoas que demonstrassem algum conhecimento naquela área do saber - o que era auferido por testes de conhecimento. Ao longo das décadas seguintes, vão sendo estabelecidos os cursos de pedagogia e as diferentes licenciaturas.
Para o ensino superior, é apenas a partir da década de 1960, com o estabelecimento do sistema de pós-graduação, que exigências específicas passam a ser feitas. Constitui-se, então, a figura do professor-pesquisador, ultraespecializado e, portanto, mais valorizado que os demais.
Menos e mais
Esta estratificação do trabalho docente e as consequentes diferenças de exigências de especialização acabam significando a desvalorização do trabalho de quem está na base da escola. "O educador da criança pequena é visto como um trabalhador menos especializado", comenta Gondra.
É só no fim do século 20 que a exigência de formação superior passa a ser feita também para os anos iniciais de escolarização e que a educação infantil entra no escopo da formação de pedagogos. Uma mudança muito recente para transformar a cena geral.
Neste quadro, há uma questão puramente matemática a incidir sobre o magistério: como o nível de ensino efetivamente universalizado foi o fundamental, a base da profissão docente é formada por trabalhadores cujo nível de especialização e, portanto de valorização, é mais baixo. Porém, a forma como esta universalização foi realizada também contribuiu para rebaixar ainda mais o prestígio da profissão. "Não houve a manutenção da valorização desses professores", afirma Gondra.
Mulheres e desvalorização
Outra questão importante na história da profissão é a presença massiva de mulheres. De início, o sistema escolar previa a separação por sexo: nas escolas masculinas (geralmente, voltadas para uma gama de conhecimentos mais ampla), professores homens; nas escolas femininas, professoras mulheres. A reconfiguração das escolas mistas só ocorre no Brasil na virada do século 20 e, ainda assim, por muitos anos ainda persiste a divisão das escolas secundárias e dos internatos em masculinos e femininos.
Essa reconfiguração é marcada por uma preocupação que não desaparece de uma hora para outra: como meninas conviverão diariamente com um homem? Além disso, ensinar crianças pequenas passa a ser associado a uma tarefa semelhante a realizar cuidados maternos, ou seja, um trabalho tipicamente para mulheres. "O trabalho feminino entra, justamente, nos estratos menos valorizados da profissão como um trabalho associado à maternagem, ao cuidado e que exige menos formação e mais uma vocação", resume o professor da UERJ.
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/205/desvalorizacao-historica-311360-1.asp
Quanto vale a valorização docente
A discrepância do salário pago aos professores em todo o país mostra a complexidade e a urgência de enfrentar a questão da remuneração docente, apontada há décadas como um dos pilares para a melhoria da qualidade da educação no país
Amanda Cieglinski e Simone Harnik
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Elisabeth Barbi, professora do Colégio Santa Cruz: contratada por período de trabalho e não por hora-aula, ela afirma se sentir valorizada |
O futuro Plano Nacional de Educação (PNE), que há mais de um ano tramita no Congresso Nacional, é claro: um dos principais objetivos educacionais para a próxima década é a valorização do magistério. O tema, obviamente, não é novo. Foi mote da campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2010; base de mobilização do Todos pela Educação, em 2011, e há pelo menos duas décadas, sempre citado entre as receitas para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. Mas, para sonhar com a meta futura, pode-se afirmar que a demanda recente resultou em uma carreira docente efetivamente mais valorizada? E como medir se isso ocorreu na prática? Entre as possíveis variáveis a serem analisadas, ao menos um indicador pode dar pistas para quantificar esse fenômeno: a remuneração docente.
Desde 2008, com a Lei do Piso, os professores ganharam, ao menos, a proteção de uma regulamentação nacional. Mas levantamento realizado pela revista Educação mostra que cinco estados ainda pagavam salários abaixo do piso nacional em 2012, reajustado no começo do ano para R$ 1.567. Além disso, outro ponto da lei é praticamente esquecido quando se trata de seu cumprimento: a obrigatoriedade da destinação de um terço da jornada para atividades extraclasse. Nesse quesito, 15 estados não cumprem a lei, cinco anos após a sua implantação.
Em contrapartida, outro levantamento exclusivo mostra que, na última década, a carreira docente teve avanços importantes do ponto de vista salarial. Se a remuneração ainda não atingiu o nível esperado pelos profissionais, ela saiu de níveis 'miseráveis' em alguns lugares do Brasil no início da década passada e apresentou uma recuperação melhor do que outras categorias. Para se ter uma ideia, um professor com nível superior da rede pública não federal ganha, hoje, 114% a mais do que ganhava há oito anos, em valores nominais. Entre 2003 e 2009, o crescimento médio dos salários dos professores com 12 anos de escolaridade ou mais foi de 14%, considerando o ganho real após a correção monetária, enquanto o salário de outros profissionais com a mesma escolaridade diminuiu 1,63%. Mas, se as conquistas foram tão importantes, por que é comum os professores não se sentirem valorizados?
'Formação, remuneração, melhoria das condições de trabalho e carreira são os quatro pilares que poderiam mudar essa situação. O problema é que o MEC [Ministério da Educação] ainda não botou energia nisso', diz o membro do conselho de governança do Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos. O quadro, entretanto, tem perspectivas de mudanças. Segundo Mozart, um plano de valorização docente está sendo estudado pelo Ministério da Educação.
'Hoje há uma valorização, mas muito longe de atingir o nível necessário. Como o professor recebia muito pouco, ainda que ele tenha sido valorizado, temos uma defasagem muito grande', defende Roberto Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Perdas e ganhos
É verdade que nos últimos anos, principalmente a partir da década de 90, houve significativos avanços na condição salarial do magistério no Brasil. Mudanças nos mecanismos de financiamento dos sistemas de ensino - como a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1997 - e mesmo a recente Lei do Piso, garantiram ganhos econômicos importantes para a categoria. Mas tantos anos de perdas econômicas e baixos vencimentos cobram seu preço. Mesmo com ganhos reais acima da média nacional nos últimos anos, o professor brasileiro ainda recebe menos em comparação a outras profissões de nível superior. Levantamento elaborado pelo Instituto Metas - Avaliação e Proposição de Políticas Sociais, a pedido da revista Educação, aponta que em 2011 o salário médio dos professores da Educação Básica com nível superior da rede pública não federal era de R$ 2.420. No mesmo ano, outros profissionais de nível superior recebiam, em média, R$ 3.652. A discrepância, entretanto, já foi maior: em 2003, a remuneração de um profissional de nível superior era 86% maior do que a de um docente da rede pública.
A aparente boa notícia, porém, é a de que a variação da remuneração paga nos estados também foi grande: um professor do Piauí, por exemplo, ganhava em média R$ 560 por uma jornada de 40 horas semanais em 2003 - menos do que o salário mínimo atual. Em 2011, a média salarial no estado passou para R$ 1.500, o que representa um crescimento de 167%. Goiás, Sergipe e Mato Grosso do Sul foram os estados onde a remuneração média do professor mais cresceu no período, com variações superiores a 200%.
Mas, para o professor Rubens de Camargo, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), os ganhos salariais que podem parecer expressivos à primeira vista devem ser analisados com parcimônia. 'A variação salarial foi maior no Norte e Nordeste também porque a remuneração nesses estados era irrisória. Com a implementação dos fundos [Fundef e Fundeb] e com o estabelecimento mais recente do piso, se começa a ter uma diferença, no geral, bem significativa, mas ela se deve mais ao fato de que os salários dos professores eram muito baixos', destaca.
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/191/quanto-vale-a-valorizacao-docentea-discrepancia-do-salario-pago-aos-278804-1.asp