Protesto na Universidade

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O que motivou alunos a ocupar a Faculdade de Direito da UFRGS

Centro acadêmico pede a anulação de seleção para professor adjunto

por Eduardo Rosa

O que motivou alunos a ocupar a Faculdade de Direito da UFRGS Mauro Vieira/Agencia RBS

Ocupação começou na segunda-feira Foto: Mauro Vieira / Agencia RBS

Um concurso para professor adjunto de direito penal e criminologia do Departamento de Ciências Penais da UFRGS gera polêmica desde dezembro do ano passado, quando foi realizado. O Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR) sustenta a existência de indícios de irregularidades e pede a anulação do processo seletivo. A repercussão do caso aumentou nesta semana com a ocupação do prédio da Faculdade de Direito — estudantes reclamam que a sugestão da banca pela renovação do certame não foi atendida e que há disparidade nas notas de um dos avaliadores.

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Se fossem considerados apenas os resultados dos dois examinadores externos, o candidato Salo de Carvalho teria a maior pontuação. Com as notas dadas pelo único representante da instituição no processo, Odone Sanguiné, ele ficou em segundo lugar. A seleção é questionada por Carvalho e por estudantes, que receberam apoio de alunos de outros cursos e de nomes importantes da área, como o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior e a professora Judith Martins-Costa.

Um dos elementos que embasam as contestações é a posição dos integrantes da banca Fernando Galvão da Rocha (UFMG) e Mariângela Gama de Magalhães Gomes (USP). Os dois professores redigiram um documento relatando "desconforto pela forma como o concurso foi conduzido", principalmente pelas manifestações de Sanguiné "no sentido de que o candidato Salo de Carvalho não possuía o perfil adequado ao departamento e da conveniência em reprová-lo". Na declaração, também é dito que "embora os membros externos signatários tivessem aventado a possibilidade de não assinar a ata do concurso, foram fortemente pressionados pelo Sr. Diretor em sentido contrário".

— O que de fato aconteceu foi que nós entendemos que haveria necessidade de fazer outro concurso. Na ata, acabou constando uma expressão que dá uma dúvida de interpretação — conta Galvão, por telefone. — A minha expectativa era de que aquele concurso não fosse homologado, que fosse realizado outro.

Contrariando sugestão da banca, concurso é homologado

A homologação do concurso no Diário Oficial da União ocorreu em janeiro. A decisão foi contestada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). Na última reunião, nesta quarta-feira, um dos membros do Cepe pediu vistas ao processo, adiando a decisão para outro encontro.

— A comissão do Cepe fez um parecer para anulação por vícios formais (o áudio de uma das provas não teria sido gravado até o final). Achamos que tem de reconhecer a anulação por toda a causa que estamos relatando— defende a presidente do CAAR, Gabriela Armani.

Os recursos dos estudantes e do candidato tramitam juntos no Cepe e, enquanto não forem julgados, impedem que o primeiro colocado assuma a vaga. Carvalho diz ficar "perplexo" com o fato de a Reitoria e a direção da faculdade "não emitirem uma nota sequer" comentando as declarações dos professores da UFMG e da USP.

— Noto que a mobilização dos alunos é muito autônoma, pela lisura dos concursos na universidade. Desde o ano passado, o centro acadêmico vem se manifestando por isso. Vejo a luta deles por uma questão de transparência — afirma Carvalho, ressaltando a competência dos avaliadores externos, que já fizeram parte de outra banca na UFRGS, em 2012.

Eduardo Carrion, professor de direito constitucional da UFRGS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público, explica que não se questiona um concurso para docente no que se refere ao mérito das notas atribuídas nas diversas provas às quais os candidatos são submetidos, mas salienta:

— Há uma questão de cultura republicana. É surpreendente que, em um colegiado, a nota atribuída a um dos membros não tenha sintonia nenhuma com os demais examinadores. Ao levar o raciocínio aos limites, qualquer membro de banca pode decidir sozinho um concurso, penalizando candidatos e consagrando um deles. A lógica é de uma decisão coletiva, com um mínimo de proporcionalidade e razoabilidade.

Carrion fala em tese, prefere não comentar o caso específico. Relata apenas que "a Faculdade de Direito, uma instituição centenária, não pode estar sujeita a suspeitas" e que "a situação tem de ser sanada".

O que diz a Faculdade de Direito

Zero Hora tentou contato com o diretor da unidade, Danilo Knijnik, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Odone Sanguiné preferiu não se pronunciar. Em comunicado divulgado nesta terça-feira, a direção da Faculdade de Direito disse que "não tem qualquer poder decisório em relação à homologação ou à anulação do certame". No texto, consta que "o expediente foi encaminhado, com todas as impugnações apresentadas, aos órgãos competentes, sujeitando-se aos ritos de aprovação e aos recursos cabíveis, os quais serão julgados pelas instâncias legítimas".

Como são realizados os concursos na ufrgs

Para cada classe da carreira docente -- professores auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular -- há exigências e condições diferenciadas.

As bancas são compostas por três membros -- dependendo da seleção, pode ter dois avaliadores externos e um da própria instituição.

É possível contestar a banca e questionar a validade do concurso por descumprimento das formalidades ou ilegalidade.  

Os cuidados formais visam a evitar favorecimento ou corporativismo. No entanto, eles não garantem absolutamente isenção e imparcialidade.

Nos concursos, pode haver apelo ao Judiciário. O mais comum, porém, é esgotar as possibilidades na fase administrativa antes de passar ao plano judicial.

Existe uma legislação federal em relação ao assunto, mas cada universidade tem sua regulamentação interna.

Algumas universidades públicas formam bancas com cinco membros, que fazem indicações do candidato que julgam mais preparado, em vez da média de notas.

as reivindicações do caar

Elaboração de normativa da Faculdade de Direito para regulamentar os concursos públicos.

Anulação sumária do concurso para professor do Departamento de Ciências Penais ocorrido em dezembro do ano passado.

Instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar denúncias contra os professores Danilo Knijnik e Odone Sanguiné.

Afastamento dos professores Danilo Knijnik e Odone Sanguiné de seus cargos (diretor e chefe de departamento) enquanto responderem a PAD.

Fim de perseguição política institucional da direção da Faculdade de Direito contra o CAAR e seus membros.

Explicações dos professores Danilo Knijnik e Odone Sanguiné e da Reitoria a respeito do concurso.

Zero Hora

Nova polêmica após cinco anos

Salo de Carvalho, hoje professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Unilasalle, já havia participado de um concurso para a Faculdade de Direito da UFRGS em 2008, no qual acabou na segunda colocação. Naquele ano, houve discrepâncias entre as notas proferidas pelos professores convidados e pelo representante da instituição — o professor Odone Sanguiné. Carvalho não recorreu porque havia a expectativa de que o segundo classificado também fosse chamado.

Faltando três meses para o fim da validade do concurso, foi aberta uma nova seleção. Carvalho foi à Justiça para garantir a vaga. Conseguiu dar aulas durante dois anos, até que a liminar foi cassada — atualmente, o processo se encontra no Tribunal Regional Federal (TRF).

Nesta semana, Carvalho foi aprovado em primeiro lugar para o cargo de professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Zero Hora




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