A situação do Brasil está se deteriorando

A situação do Brasil está se deteriorando

Gérard Duménil: Dados mostram que a situação do Brasil está se deteriorando

Economista fala sobre o livro A Crise do Neoliberalismo, coescrito com Dominique Lévy e que acaba de chegar ao Brasil pela Boitempo

Luiz Antônio Araujo | luiz.araujo@zerohora.com.br

O economista francês Gérard Duménil vê a tempestade econômica iniciada em 2007 de um ponto de vista particular. Para ele, a economia mundial, à semelhança do que ocorreu na Grande Depressão, testemunha o esgotamento de um modelo de hegemonia financeira. Essa é a tese central de seu livro A Crise do Neoliberalismo, coescrito com Dominique Lévy e que acaba de chegar ao Brasil pela Boitempo.

Quinta e sexta-feira, Duménil estará em Porto Alegre numa maratona de conferências e autógrafos do livro. Às 14h30min, ele faz palestra na Fundação de Economia e Estatística (Duque de Caxias, 1.691), e às 18h30min, no Estúdio de Finanças da PUCRS (prédio 50, sétimo andar). Sexta-feira, participa de seminário às 17h na Faculdade de Economia da UFRGS (João Pessoa, 52). A seguir, leia entrevista concedida a Zero Hora, por telefone, de Foz do Iguaçu, na quinta-feira.

> Os desdobramentos da crise econômica iniciada em 2007 o surpreenderam? Por quê?

Houve quatro grandes crises, que chamamos de estruturais, desde o final do século 19: as das décadas de 1890, 1930 e 1970 e a atual. Percebemos que, a cada 30 ou 40 anos, o capitalismo entra numa crise grande e duradoura desse tipo. De fato, não é uma surpresa, mas não sabemos por que isso ocorre nesses intervalos. Quando começamos a analisar o neoliberalismo como nova fase do capitalismo, concluímos que uma nova crise estrutural deveria acontecer. Cada crise teve particularidades. A de 1890 foi uma crise de rentabilidade do capital, ou seja, caracterizada pela queda da taxa de lucro. A de 1930, por sua vez, foi completamente diferente: nela, o capitalismo explodiu em razão de mecanismos financeiros e associados à globalização. Nos anos 1970, também houve uma crise de rentabilidade do capital. Quanto à atual, se parece mais com a dos anos 1930. Não houve uma nova Grande Depressão, no sentido de uma queda enorme da produção, graças às políticas orçamentária e monetária dos países ricos. Mas, de fato, os mecanismos são muito semelhantes aos da Grande Depressão.

> Qual país foi mais bem-sucedido ao aplicar políticas anticíclicas?

A crise começou nos Estados Unidos, por duas causas fundamentais. Em primeiro lugar, era o país mais avançado na lógica neoliberal. Em segundo, os EUA tinham desequilíbrios enormes, tanto em termos de déficit da balança comercial como de dívida doméstica, ou seja, endividamento das famílias. Depois disso, seus efeitos se estenderam à Europa, à China e ao Brasil, mas, de fato, a crise atual não é da China e do Brasil, e sim dos velhos centros, como EUA e Europa. No caso americano, em razão da hegemonia internacional, há medidas orçamentárias, monetárias e industriais muito fortes para estimular a produção. Isso não ocorre na Europa, porque não existe lá uma lógica nacional. Os EUA estão perdendo a hegemonia global, e isso explica a diferença.

> No livro, o senhor afirma: “Sair da crise será muito difícil”. Por quê?

Em primeiro lugar, existem a financeirização e a globalização, base da hegemonia dos EUA e de suas classes capitalistas. Eles não vão mudar isso, trata-se de um problema político muito difícil. Em segundo, há o desequilíbrio da própria economia americana, como o do comércio exterior, que se relaciona diretamente com a globalização. Estamos no sétimo ano de crise nos Estados Unidos e na Europa, apesar de políticas fortes do governo americano. Como explicar isso? Por que não mudar as regras neoliberais? Para sair realmente da crise, seria necessário abandonar essas regras. Mas não estão preparados para fazer isso, porque significaria diminuir a riqueza dessas classes. Veja, por exemplo, o caso dos paraísos fiscais. Os EUA querem manter a hegemonia mundial, mas com classes superiores e grandes empresas que não querem pagar impostos, parece muito difícil. Os interesses dessas classes e empresas chocam-se com os interesses do país de manter sua posição global. Sair da crise exigiria, por exemplo, deter o circuito internacional dos paraísos fiscais (por meio de tributação), mas isso tem se mostrado politicamente impossível em razão da resistência dos capitalistas. Geralmente, cada crise estrutural dura mais ou menos 10 anos. Neste caso, pensamos que durará mais do que isso. Será um processo muito longo.

> Na Europa, há um duro debate sobre a centralização do sistema bancário. Esse tipo de medida poderia alterar esses ciclos?

O aspecto central da política europeia é tranquilizar os bancos. Esse é o discurso de Angela Merkel (chanceler alemã). Os bancos se preocupam com o fato de os governos não pagarem as dívidas. De fato, é muito difícil imaginar como poderão pagá-las. O primeiro instrumento é a disciplina fiscal. A França, por exemplo, deve diminuir seu déficit público. O segundo é estabelecer algum tipo de controle sobre os bancos, que o senhor menciona. Mas essa política é um fracasso total, porque, a cada vez que o déficit público cai, a produção também começa a cair. A razão fundamental é que se recusam a modificar as regras do neoliberalismo.

> Como o senhor vê a situação de países como China e Brasil?

A China constrói um capitalismo distinto do neoliberal. Lá, o governo desempenha um papel enorme sob a liderança do Partido Comunista. A base social do sistema é a mesma. Há bilionários na China, embora mais modestos do que os dos EUA e do Brasil. O desafio da China é desenvolver o capitalismo de forma eficaz, sob controle do Partido Comunista. A contradição aparecerá quando essa nova classe capitalista começar a pressionar para se inserir no sistema mundial. No Brasil, a lógica econômica é neoliberal, na qual o poder das finanças é enorme. Há também o aspecto social, simbolizado pelo salário mínimo e pelo Bolsa-Família. China e Brasil conseguiram se inserir na globalização neoliberal de forma muito exitosa, aproveitaram a divisão mundial do trabalho. A situação econômica global favorável ao Brasil provavelmente não vai durar. Somos pessimistas a esse respeito. Os dados mostram que a situação do Brasil está se deteriorando e vai continuar assim.

*Zero Hora

Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (França)




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