Melhora do ensino dita crescimento

Melhora do ensino dita crescimento

Para especialistas reunidos no primeiro dos Fóruns Estadão Brasil 2018, Educação tem de começar no pré-natal da mãe do futuro aluno e usar melhor os recursos públicos

Fonte: O Estado de S. Paulo (SP) 25 de abril de 2014

Em debates da série Fóruns Estadão Brasil 2018 focados em Educação, realizados na quarta-feira passada, profissionais e estudiosos sugeriram uma agenda para as autoridades que passa pela adoção de um currículo único para português e matemática, formação contínua de Professores e, principalmente, foco nos Alunos da Pré-Escola e do Ensino fundamental da rede pública.

Um dos debatedores, o economista Gustavo Ioschpe, por exemplo, acredita que a maneira mais efetiva de elevar a qualidade da Escola pública brasileira seja por meio do engajamento dos pais no cotidiano da aprendizagem dos filhos. “Não há segredo sobre as melhores práticas na Escola eficiente”, afirma Ioschpe. “A questão tem caráter político. Na Educação, ou se é eficiente ou popular.” 

O consenso entre os especialistas: o Ensino é a principal ferramenta para o crescimento econômico sustentável de longo prazo. E a formação de um adulto educado começa ainda na gravidez da mãe. Na opinião de Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e um dos convidados dos Fóruns, cabe ao governo federal tratar de macropolíticas, como oferecer as bases para o crescimento econômico, além da distribuição de renda e o acesso à saúde para que a Educação possa florescer. Garantir a Alfabetização plena dos Alunos, a qualidade das Creches e Escolas também foram temas que surgiram nos debates, realizados na sede do Insper, em São Paulo.

Opinião: Escolarizar não é aprender

Com este título provocador, Escolarizar não é Aprender (Schooling Ain't Learning) LantPritchett , professor de Harvard, lançou um livro analisando um fenômeno recente nos países em desenvolvimento: as crianças pobres estão finalmente na escola, mas não estão aprendendo.

Com a triste marca de 57º lugar no Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), exame internacional de Educação aplicado a jovens de 15 anos de 65 países, a sétima economia do mundo não tem do que se orgulhar.

Avançamos muito em matemática, mas ainda amargamos as últimas posições. O que fazer neste contexto? Pagar melhor os professores faz parte da resposta, mas não é a única coisa a fazer. Melhorar a infraestrutura das escolas é importante, mas tampouco resolve o problema.

Há que se estabelecer, com clareza, um currículo nacional, como fizeram os países com melhor desempenho. Com base nele, promover um esforço sério de formação de professores, assegurando-lhes não só o domínio de áreas temáticas, mas sobretudo a proficiência em sua prática de ensino.

Urge resgatar algo que a antiga escola normal fazia bem, ensinar a ensinar.

O currículo também pode ser a base para a produção de livros didáticos, de materiais de apoio e de capacitação para os docentes.

Sem saber quais as expectativas de aprendizagem, dificilmente se pode apoiar o professor, ter sequenciamento no ensino e promover interdisciplinaridade.

Um sistema de reforço escolar é fundamental. As crianças aprendem em ritmos diferentes. Apoiá-las demanda a construção de trajetórias educacionais distintas.

Até para experimentar caminhos inovadores em Educação, o currículo é essencial. Assim como a mensuração dos avanços. Caso contrário, continuaremos a disputar os últimos lugares em Educação e na construção do futuro.

Professor coreano ganha 4 vezes mais que os colegas brasileiros

"Há um ditado no meu país que diz que um estudante não pisa nem na sombra de seu mestre", diz Sok Jin Oh, professor de língua inglesa, por 32 anos na Coreia do Sul. Ele se refere ao respeito que os alunos têm pelos mestres. No país de Jin Oh, ser um professor da rede pública significa ter bom salário, e status na sociedade.

A Coreia do Sul tem hoje um dos melhores modelos de ensino do mundo. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos aparece em sétimo lugar em leitura e matemática. O país foi um dos primeiros do mundo a equipar escolas com internet de banda larga.

Um professor como Jin Oh ganha em média US$ 65 mil por ano. Tem casa própria, carro do ano e pode patrocinar o estudo dos filhos em boas faculdades particulares.

No Brasil, a vida de um professor é bem diferente. A paulistana Ana Carolina Cuofano Gomes da Silva, de 30 anos, dá aulas desde os 19. Na época tinha apenas o Magistério. Depois foi obrigada a concluir o ensino superior. Há oito anos, formou-se pela Faculdade de Letras da Universidade São Judas Tadeu. Preferiu a rede pública, porque sentia mais afinidade com os alunos. Outro fator: a escola fica perto da casa dela, Hoje, ela leciona Português para turmas de 7º e 8º anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Júlio Marcondes Salgado, no Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo.

"Sinto um respeito muito grande", diz Ana Carolina, que tem sorte. Segundo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), 44% dos professores da rede pública já sofreram algum tipo de violência na escola.

Casa alugada. Ana Carolina ganha R$ 2,8 mil, em troca de uma jornada de 40 horas semanais. Para complementar a renda, dá aula em outra escola. "A prefeitura oferece uma estabilidade que as escolas particulares não têm", explica. A professora mora de aluguel.

Jin Ho trabalha hoje no Brasil como adido cultural da Coreia. No ano que vem, volta para casa, e retoma a vida acadêmica, mas agora como vice-diretor. Na Coreia os professores, só depois de uma determinada qualificação, podem se candidatar ao cargo de vice-diretor e diretor de uma escola. Jin Ho é doutor em língua inglesa.

Não falta dinheiro, mas política pública

O Plano Nacional de Educação (PNE) chegou à sua reta final no Congresso e já definiu que o Brasil deve investir pelo menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação em dez anos. Exemplos internacionais mostram que educação de qualidade pede investimento, mas especialistas apontam que não basta ampliar o volume de recursos sem que haja políticas públicas consistentes para melhorar os indicadores.

O Brasil foi um dos países que mais aumentou a verba da educação nos últimos anos - em 2000 o porcentual em relação ao PIB era de 3,9% e em 2012 foi de 5,5%. Mas os resultados em avaliações internacionais ainda decepcionam. O País segue entre os últimos do ranking no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), exame que mede habilidades de leitura, matemática e ciências, feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Se considerado o investimento total em educação, que soma gastos indiretos na área como os do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Financiamento Estudantil (Fies), o gasto do Brasil aumenta, chegando a 6,4% do PIB em 2012. Apesar de a deliberação final sobre o PNE ter ficado para maio, a Câmara já definiu que nos 10% podem ser computados gastos como esses - e não só o investimento na educação pública, como pediam movimentos sociais.

De acordo com o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o porcentual de 10% para educação pública foi calculado para garantir o padrão mínimo de qualidade. Leva em conta desde a ampliação de infraestrutura, com bibliotecas e laboratórios em todas as escolas, até valorização docente - que concentra a maior atenção no plano. "O professor é o elemento central da melhora da educação, por isso 80% do custo seria para o pagamento do piso salarial da classe, política de carreira, formação continuada e adequação do número de alunos por sala."

Gestão. O professor Naercio Menezes Filho, do Insper, afirma que buscar o aumento do porcentual do PIB não é a melhor forma de pensar o caminho para o incremento da educação. A questão não é quanto, mas como gastar. "Acho que 10% é muito, o foco tem de ser nos resultados das redes", diz.

No Brasil, a proporção do PIB para a área não fica distante dos países ricos, mas é no gasto médio por aluno que está a maior distância. O Brasil investe menos de um terço da média dos países da OCDE por estudante. Os Estados Unidos, por exemplo, aplicam cerca de US$ 8,8 mil por aluno, acima da média anual dos países mais ricos, e mesmo assim estão em 39.º lugar no Pisa - segundo especialistas, a falta de currículo único seria uma das razões.

Menezes Filho ressalta a transição demográfica pela qual o País passa, fazendo com que o número de crianças em idade escolar esteja caindo. "Expandindo os investimentos na mesma proporção (dos últimos anos), aumentaríamos o gasto por aluno", diz. "Tem de melhorar a gestão."

Segundo o professor, a transferência de recursos federais deveria ser atrelada a resultados. "Se tiver que gastar, tem de ser em hora aula, no ensino integral", diz Menezes Filho. O número de alunos em tempo integral aumentou nos últimos anos, mas apenas 10,9% dos estudantes estão nessa modalidade - a meta do PNE é atender 25%. Não por acaso, tempo integral faz parte do receituário de uma das escolas apontadas como modelo no País, o Gente, na Rocinha, no Rio - o projeto também aposta na tecnologia.

Esforço. A recente aprovação do vínculo dos royalties do pré-sal para a área é uma fonte para a ampliação dos recursos, mas não será suficiente para chegar aos 10% do PIB em dez anos. Para atender o plano, o País terá de imprimir grande esforço, sobretudo da União, na complementação dos orçamentos de cidades e Estados. Levando em conta o investimento total em educação em 2012, o investimento da União no setor corresponde a 1,3% do PIB. Os Estados arcaram com 2,5% e os municípios, com 2,6%.

Educação e produtividade

Se queremos melhorar a produtividade no País, temos de melhorar o ensino", afirmou o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho. O objetivo da segunda rodada de debates, que começou às 11h, era discutir caminhos para melhorar a qualidade da educação.

Os palestrantes identificaram algumas questões específicas, como o papel da família na garantia do aprendizado, o estabelecimento de parâmetros de formação, a contratação, a valorização de bons professores e a necessidade de um currículo nacional unificado.

As iniciativas de órgãos públicos e privados e os casos de sucesso, no país e no exterior, serviram de costura para a discussão, que teve como participantes o economista Gustavo Ioschpe, da empresa de análise de dados Big Data, o presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, Simon Schwartzman, e a pedagoga Paula Louzano, da Faculdade de Educação da USP.

Um dos pontos abordados foi o de como aproveitar melhor os recursos para uma gestão eficaz. "Não existe relação clara, direta, entre gastos e aprendizado", afirmou Menezes Filho. De acordo com o coordenador, os jovens atualmente possuem mais anos de estudo e, no entanto, o desempenho deles é pior, criando profissionais menos preparados para o mercado de trabalho. Segundo dados apresentados por ele, 40% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível 1, o pior, no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2009.

A noção de que é possível melhorar esses indicadores sem fazer investimentos foi recebida com ceticismo pela pedagoga da USP. "Apenas 15% das unidades de ensino da rede pública podem ser chamadas de escolas em termos de infraestrutura", apontou. De acordo com Paula Louzano, quase metade das escolas não possuem sala dos professores, o que interfere, por exemplo, na coordenação de trabalhos em grupo. Em termos de financiamento, Paula crê que o País está atrasado e precisa investir mais: o Brasil gasta em torno de US$ 2 mil por aluno enquanto o padrão da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de US$ 8 mil.

Para o economista Gustavo Ioschpe, a maior interferência no processo educacional é o interesse político colocado acima dos resultados. "Educação de qualidade não dá voto, tira", afirmou. De acordo com Ioschpe, há interesses de diversos grupos organizados em manter a qualidade do ensino baixa, pois isso evita cobranças. A dificuldade não é técnica, mas política. Existem estudos empíricos que apontam quais ações funcionam. "A pergunta que deveria ser feita é por que essas mudanças não estão sendo implementadas", disse. O economista aponta uma falta de cobrança e até mesmo de interesse dos pais como cerne do problema. "Precisamos trazer os pais da rede pública para a causa da educação e mostrar que a escola é ruim; e o impacto que isso vai ter na vida futura dos filhos deles."

Outra questão tratou da ausência de um currículo melhor estruturado, com parâmetros menos amplos. Segundo Paula, ele não é suficientemente desafiador. De acordo com a pedagoga, o currículo do aluno brasileiro possui uma defasagem enorme quando comparado com o de outros países. Uma criança no Ensino Fundamental no exterior aprende coisas que são requeridas apenas no Ensino Médio no Brasil. Além de tentar atingir a expectativa básica, seria necessário pensar em algo mais desafiador.

Habilidade emocional é a chave para o futuro

Rodrigo Pinto, economista e pesquisador da Universidade de Chicago. Brasileiro radicado em Chicago, nos Estados Unidos, o economista Rodrigo Pinto, de 35 anos, pesquisa como a educação na primeira infância tem influência no poder econômico na fase adulta. As habilidades adquiridas até os cinco anos de idade, segundo ele, podem fomentar, sim, ganhos mais altos no futuro. Nos últimos dez anos, Pinto desenvolveu trabalhos com James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, de 2000.

Por que um economista pesquisa a educação na primeira infância?

Habilidades adquiridas na infância são usadas para desenvolver outras mais complexas em períodos posteriores. Investimentos precoces podem gerar uma reação em cadeia que fomenta ganhos de capital humano durante o ciclo de vida. Se o economista quer entender a forma mais eficiente de gerar maior renda, saúde e qualidade de vida, é importante pesquisar o impacto de investimentos da infância na vida adulta.

O senhor se refere às habilidades socioemocionais? Como elas afetam o indivíduo se não desenvolvidas?

Escassez de habilidades socioemocionais tem significativo impacto no mercado de trabalho. Em casos mais críticos, a falta dessas habilidades é responsável por diversos problemas sociais – podem afetar a saúde e ainda produzir desvios de conduta, como a criminalidade. Um exemplo ilustrativo consiste nos graduados pelo sistema americano de ensino médio acelerado chamado GED (a versão americana do supletivo). Na média, os alunos GED são mais inteligentes do que os estudantes que abandonaram o ensino secundário e pelo menos tão inteligentes como os graduados do ensino médio que não ingressaram no ensino superior. Mas o desempenho socioeconômico dos alunos graduados pelo GED quando adultos é comparável aos alunos que não completaram o ensino médio. Este fato é explicado por falhas em traços de personalidade associados com determinação pessoal, motivação e cumprimento de regras, consideradas habilidades socioemocionais ou não cognitivas. Outro exemplo é dado por Ron Haskins, do Instituto Brookings. Ele usa dados correlacionados para definir três regras simples de grande influência na determinação da pobreza: concluir o ensino médio; casar-se depois dos 21 e ter filhos apenas após o casamento; manter um emprego de tempo integral. A chance de ser considerado pobre nos Estados Unidos é de apenas 2% se todos estes requisitos forem cumpridos. Curiosamente, essas regras estão intimamente associadas com habilidades não cognitivas, como perseverança e consciência.

Então não basta investir apenas na educação formal, cognitiva, na pré-escola?

Maiores investimentos em educação são habitualmente defendidos como a solução universal. Muitas vezes, essa concepção é equivocada. Considere o gasto em educação dos Estados Unidos. Os EUA atualmente investem mais de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de US$ 1 trilhão, em educação. É o segundo pais que mais gasta com educação per capita no mundo e, em termos reais, o custo por aluno americano mais que dobrou desde 1970. Porém, os índices do Program for International Student Assessment (Pisa), que mede o aprendizado em matemática e leitura permanecem inalteráveis. Não só isso. Os índices de graduação no ensino médio têm apresentado declínio. O desafio não é investir no ensino secundário formal para remediar as defasagens geradas por uma educação de primeira infância inapropriada, mas investir com eficácia. Para melhoria da eficiência nos gastos educacionais, é importante examinar como e onde investir, em vez de quanto.

O senhor critica o modelo educacional atual, que enfatiza habilidades cognitivas e avaliações. O senhor o considera ineficaz?

O alvo da crítica não é o processo de avaliação em si, mas a cultura de grande ênfase no desempenho de testes escolares. Testes são ferramentas de incentivo ao estudo e são usados em todos os sistemas educacionais modernos. Alguns sistemas educacionais usam parâmetros restritos no ingresso à universidade. Os Estados Unidos, por exemplo, usam muito a pontuação do teste SAT, que mede principalmente o pensamento abstrato em detrimento ao conhecimento adquirido. O método americano negligencia habilidades úteis ao mercado de trabalho, como competências associadas ao compromisso e esforço pessoal. O Brasil tem um sistema melhor de ensino no sentido de que exige do aluno um grande volume de conhecimento. Consequentemente, o vestibular não só mede capacidade cognitiva, mas também autodisciplina e ética de trabalho. Testes de conhecimento podem ser ferramentas de mobilidade social caso alunos de distintas classes sociais tenham acesso ao ensino de qualidade. Se assim for, testes constituem ferramentas meritocráticas de incentivo ao esforço e valorização da inteligência em todas as classes sociais.

Em sua pesquisa o senhor argumenta que a educação na primeira infância pode ser usada como estratégia de desenvolvimento econômico. Como isso acontece?

O investimento na primeira infância é uma das raras políticas públicas que é eficiente e ainda reduz a desigualdade. Intervenções na primeira infância podem ser usadas como uma ferramenta poderosa para reduzir uma gama de problemas sociais como crime, desemprego, baixa renda e comportamentos de risco. Em um artigo recente na revista Science, também demonstramos que o investimento na primeira infância promove saúde na fase adulta.

Dá para mensurar o retorno desse investimento?

O presidente Barack Obama fez um apelo para a adoção da pré-escola universal. Ele citou nossa análise de custo-benefício do Programa Perry (High Scope), na qual demostramos que cada dólar que investimos na educação de alta qualidade na primeira infância pode economizar $7 mais adiante por aumentar os índices de graduação, reduzir a gravidez na adolescência e até mesmo crimes violentos. O Programa Perry foi um experimento social da década de 1960, baseado em uma intervenção de alta qualidade na primeira infância a crianças economicamente desprivilegiadas.

A desigualdade educacional gera desigualdade de renda? Sim. Historicamente, o Brasil apresenta uma das altas taxas de desigualdade de renda do mundo. Parte dela é explicada pela desigualdade educacional. Em 2011, apenas 12% da força de trabalho têm diploma universitário. Este índice é de 31%, nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Além disso, entre todos os países industrializados da OCDE, o Brasil tem a maior diferença de renda entre o trabalhador universitário e o de ensino médio. A maioria dos países tenta solucionar esse problema dando maior estimulo à empréstimos estudantis. O sistema de empréstimo estudantil gera mobilidade ascendente e aumento de receitas – pela renda futura dos alunos. Em muitos países o Estado tem papel de fiador de última instância, reduzindo as restrições para a liberação de crédito educacional pelo setor financeiro.

O adulto que não teve essas habilidades desenvolvidas na primeira infância tem como correr atrás do prejuízo?

Plasticidade cerebral é a capacidade do cérebro de redesenhar suas conexões sinápticas em resposta a estímulos ambientais. Quanto maior for a plasticidade do cérebro, mais rapidamente uma habilidade pode ser adquirida. Essa capacidade está presente em toda vida. Entre 0 a 5 anos de idade, porém, o cérebro passa por mudanças mais velozes. Com o passar dos anos, essa plasticidade diminui. O cérebro adquire e armazena informações durante toda a vida, mas, com a idade, esse processo torna-se mais custoso em termos de atividade mental. A literatura científica mostra a existência intervalos específicos quando a aquisição de determinadas habilidades é máxima. Alguns acontecem mais tarde, como o conhecimento matemático, e outros, mais cedo, caso do aprendizado da linguagem. Um bom currículo de primeira infância é aquele que adequa estas janelas de investimento ao conteúdo administrado.

O que seriam exatamente as intervenções precoces que o senhor cita em seus estudos? Intervenções precoces baseiam-se em dois componentes: um centrado na pré-escola, época em que a criança aprende o conteúdo curricular elaborado para a primeira infância, e outro centrado na família, que é ensinada a interagir com as crianças e a melhorar a competência de mentor. Algumas intervenções, como a Nurse Family Partnership, nos Estados Unidos, também têm um forte componente na área de saúde, na qual as crianças e os pais tem acesso a serviços médicos e nutricionais. Uma intervenção precoce bem sucedida é baseada em três pilares: o momento da intervenção, a população alvo e um currículo eficaz. A intervenção Perry, por exemplo, foi baseada no currículo do High Scope e visou crianças, de 3 a 5 anos, em situação de alto risco socioeconômico. O currículo High Scope tem um forte componente chamado de função executiva (crianças planejam, desenvolvem e reavaliam atividades em classe) entre outras habilidades socioemocionais.

Como as intervenções geram maior retorno econômico? Em um artigo recente na American Economic Review, mostramos que a intervenção Perry não teve efeito substancial em habilidades cognitivas. Aos 10 anos de idade, o grupo de controle e tratamento não apresentavam diferenças de QI. Aumentos significativos em capacidade cognitiva são raros nesta literatura. Entretanto, entre crianças de 6 a 10 anos, a intervenção Perry gerou aumento substancial em diversas habilidades não cognitivas, que desencadearam impactos positivos durante o ciclo de vida dos participantes. Quando alcançaram idade entre 20 e 40 anos, foram registrados efeitos como rendas maiores, menor incidência criminal, maior empregabilidade, melhor estrutura familiar, maior escolaridade.

No ano passado, o governo do Rio trabalhou com a OECD para desenvolver a Avaliação Nacional de Habilidades Sociais e Emocionais ou Não Cognitivas. O senhor acha que esse tipo de avaliação é uma boa alternativa? A iniciativa de avaliar habilidades não cognitivas é uma abordagem importante e bem intencionada. No entanto, não é uma ferramenta eficaz para promovê-las. Os alunos podem simplesmente dar respostas falsas. Abordagens mais eficazes combinam o ensino destas habilidades e a possibilidade de exercê-las. Acho eficiente, por exemplo, a dobradinha de estágios assistidos e cursos profissionalizantes, onde adolescentes são inseridos em um ambiente de trabalho que promova o desenvolvimento de ética profissional. Vários países como Áustria, Alemanha e Suíça promovem programas como esse.

A intervenção precoce é suficiente para superar a lacuna educacional gerada entre crianças pobres e ricas?

Intervenções na primeira infância são especialmente úteis para retirar famílias desfavorecidas da pobreza. Intervenções bem projetadas, visando grupos particularmente desfavorecidos da sociedade brasileira, são suscetíveis a gerar efeitos substanciais nas vidas das crianças durante a fase adulta. Além disso, a eficácia econômica pode ser superior aos índices observados nos EUA, dado que o Brasil enfrenta os níveis de pobreza e de desigualdade mais altos.

O investimento na pré-escola é válido mesmo que não exista um sistema educacional sólido e bem estabelecido no ensino médio e fundamental?

Habilidades na idade adulta são geradas por investimentos escolares e familiares desde a infância até a adolescência. A pergunta que devemos responder é se o padrão de gastos com educação durante o ciclo educacional é eficiente ou não. Nossa pesquisa mostra que a intervenção de alta qualidade na primeira infância funciona para as crianças em desvantagem econômica. Investimentos em infância primária podem gerar retornos significativos mesmo no caso do sistema de ensino não ser ideal nas fases posteriores do ciclo escolar.

Análise: Brasil precisa de política educacional mais eficiente

Naercio Menezes Filho
Nas últimas duas décadas, os alunos brasileiros passaram a permanecer mais tempo na escola. Isso se deve a uma série de políticas acertadas, entre elas, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), o programa Bolsa Família, as políticas de progressão continuada e a valorização da educação pela sociedade brasileira.

Esses avanços na escolaridade média dos jovens brasileiros já têm reflexos no mercado de trabalho, com a queda na desigualdade de renda. Entretanto, o aprendizado obtido por esses jovens no fim do ensino médio ainda é muito baixo e não aumentou nos últimos anos. Por isso o desempenho do Brasil em testes internacionais padronizados é tão decepcionante.

Mas há exceções localizadas. Cidades como Sobral, no Ceará, apresentam uma evolução excepcional no aprendizado dos alunos. Como podemos fazer para que isso aconteça também no resto do Brasil?

As políticas públicas devem começar nos primeiros anos de vida dos alunos. Pesquisas recentes mostram como as crianças já chegam à escola com diferenças enormes na capacidade de aprendizado, dependendo do nível socioeconômico dos pais. As crianças que crescem em famílias com sérios problemas emocionais, financeiros e sociais têm o aprendizado comprometido para toda a vida.

Políticas públicas para acelerar o desenvolvimento das habilidades cognitivas dessas crianças têm apresentado retorno muito elevado.Na escola o foco tem que ser na alfabetização. Também é necessário adotar o mesmo currículo em todas as escolas da rede; medir o progresso dos alunos várias vezes ao ano; trocar os professores que não estão obtendo sucesso; e premiar os melhores diretores e professores. Além disso, no Ceará, parte dos recursos do ICMS que são transferidos para os municípios depende de índices educacionais. Assim, os prefeitos têm incentivos para melhorar a educação a fim de obter mais recursos.

Em âmbito nacional, o governo federal deveria transferir parte dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para os estados e municípios com base em critérios de efetividade na aplicação da verba. Os critérios devem levar em conta a adoção do currículo nacional único; o uso de avaliações externas anuais para acompanhar o aprendizado; a eficiência na aplicação dos recursos (medida pela relação entre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e gastos); a porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia; a valorização do bom professor; o uso do regime probatório para seleção apenas dos melhores professores; a permissão para o funcionamento de escolas charter (administradas privadamente) nos municípios e a intervenção direta nas piores escolas.

Somente com uma postura firme do governo federal em adotar políticas educacionais eficazes para aumentar o aprendizado melhorar é que haverá melhora na qualidade das escolas e do aprendizado. Situação essencial para aumentar a competitividade e a produtividade da economia brasileira.

Capacitar escola e professores são metas possíveis


No Brasil ideal, todas as crianças em idade escolar estariam na escola. Aos 8 anos, já saberiam ler e escrever, de verdade. E, na adolescência, concluiriam o Ensino Médio. No Brasil de hoje, 3 milhões de crianças estão fora da escola, e 27% dos brasileiros de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais. O Estado ouviu 20 especialistas, entre economistas brasileiros e do exterior, secretários de educação e professores para saber os caminhos que o Brasil poderia tomar para conseguir dar esse salto qualitativo.

Os entrevistados foram unânimes ao apontar que a ação depende, antes de mais nada, de algumas "lições de casa" a ser entregues até 2018. Só depois o País terá infraestrutura para sair do fim do ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Para lembrar: entre os 64 países que participam do teste, o Brasil ocupa a 55ª posição em leitura e a 58ª em matemática

Para começar, seria necessário discutir e aprovar um currículo nacional. "O País é muito grande, com muitas diferenças sociais. É importante que o estado diga o que espera dos colégios, o mínimo que devem ensinar, para depois avaliá-los", diz Priscila Cruz, diretora do movimento Todos Pela Educação.

Outro ponto fundamental é melhorar as escolas. Hoje, 75% dos prédios possuem computador em laboratórios de informática, mas somente 58% estão conectados à internet. "Apesar de possuírem wi-fi, o sinal é fraco e os alunos não conseguem se conectar", explica Angela Dannemann, diretora da Fundação Victor Civita.

Ainda existem escolas sem energia elétrica e sem água - poucas, 4,3%, e 4,6%, respectivamente. Mas não deveria existir nenhuma escola assim.

Valorização. Outra tarefa muito importante: transformar a profissão do professor em uma atividade atraente. Aumentar os salários está entre as medidas mais rápidas e fáceis. Aplicar políticas de bônus e de incentivos são algumas cartas que o governo tem nas mãos. "Mudar a formação desses profissionais requer alteração no currículo das faculdades", diz Angela. "Hoje a carga é muito teórica e pouco prática. Os futuros professores aprendem pouco de pedagogia e ensino não cognitivo. Não saem sabendo que precisam moldar a forma de educar ao aluno que vão encontrar pela frente."

A escola precisa ser mais dinâmica e atraente ao aluno de hoje, que vive num mundo interativo. Precisa mais do que professor falando e escrevendo na lousa. O Brasil poderia, por exemplo, olhar para outros modelos, como o da Alemanha, onde os jovens que concluem a escola secundária têm a possibilidade de se candidatar a uma vaga no ensino profissionalizante. A vantagem é que esses alunos combinam aulas teóricas na escola com estágios em empresas - e saem da vida escolar com um caminho mais orientado para o futuro, mesmo que escolham não cursar uma faculdade.

Rio aposta em modelo pioneiro de ensino

Os alunos do ensino médio do Colégio Estadual Chico Anysio, na zona norte do Rio de Janeiro, foram os primeiros a experimentar um novo tipo de escola. Além de matérias clássicas, como matemática e português, os alunos aprendem autogestão e desenvolvimento pessoal, entre outras habilidades que muitos adultos só descobrem na primeira entrevista de emprego.

Estimular o aluno a desenvolver perseverança e autonomia, habilidades não cognitivas, que antes ficavam por conta da família - ou do acaso - passaram a ser função do professor. O projeto pioneiro foi implantado pela secretaria de Educação do Estado em parceria com o Instituto Ayrton Senna (IAS) em 2013. Esse ano, cinco outras unidades de ensino aderiram ao modelo - que pretende melhorar notas, diminuir a evasão escolar e preparar os alunos para o mercado de trabalho e para a vida em sociedade.

"Esse projeto é fruto de uma necessidade identificada não só na rede estadual, mas em todo o Brasil", afirma o subsecretário de gestão da rede de ensino da Secretaria de Estado de Educação do Rio, Antonio Vieira Neto. Em 2009, o Rio foi o penúltimo colocado no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) realizado nos 27 Estados do País. "Em cada dez alunos, seis tinham três ou quatro anos de atraso escolar", afirma Vieira Neto, "O ensino médio não era atrativo, não era eficiente e não gerava projeção. A população encontrava um serviço muito ruim. Isso é um motor muito poderoso para a evasão."

Em 2010, a secretaria realizou um levantamento dos problemas e criou um currículo mínimo, baseado nas lacunas identificadas, e instituiu avaliações bimestrais. No ano seguinte, o Rio subiu 11 posições e ficou em 15º lugar, entre as 27 redes estaduais. A taxa de evasão caiu de 16,5% para 14,4%. A mudança não foi suficiente. "Precisávamos de outro modelo de ensino médio", diz o subsecretário. A rede fechou uma parceria com o Instituto Ayrton Senna (IAS) com o objetivo de trabalhar a educação em múltiplas dimensões, não apenas a cognitiva.

Futuro. "As habilidades não cognitivas influenciam no salário, estabilidade familiar, no envolvimento com drogas e violência, ingresso na faculdade, tempo de desemprego e outros fatores", diz o economista Daniel Santos, coautor do Senna, instrumento de avaliação de aprendizado não cognitivo, elaborado em parceria com o IAS. A nova ferramenta pretende orientar políticas públicas. "Dá para descobrir os bolsões de atraso socioemocional, o que ajudará a intervir e entender por que algumas escolas não conseguem atingir as metas de aprendizado", afirma Santos.

"Não é simples entrar num projeto dessa natureza", diz Vieira Neto. "Trata-se de um modelo mais caro, com investimento maior por aluno." A estratégia adotada pela secretaria é de longo prazo. No lugar de construir novas unidades, escolas tradicionais serão adaptadas - até 2015, 40 unidades devem passar pelo processo.

Não existe uma disciplina específica para o aprendizado não cognitivo como existe para matemática. "Esses atributos de personalidade podem ser estimulados no cotidiano escolar", diz Mozart Neves Ramos, diretor de articulação do IAS. Na Chico Anysio, a grade curricular compreende atividades como o "Projeto de Vida", no qual os alunos discutem objetivos futuros e como alcançá-los.

Sobral vira modelo nacional de gestão

Município do Ceará, Sobral enfrentava um problema na rede pública: 48% das crianças até os 7 anos não eram de fato alfabetizadas. Não sabiam nem mesmo formar palavras. Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estimam que o valor gasto anualmente por aluno foi de R$ 2.221,73 em 2013. Em um grande centro, como São Paulo, a verba é R$ 929,79 maior.

Para contornar o problema, a cidade cearense apostou em um plano de gestão diferenciado, focado na erradicação do analfabetismo, na diminuição da evasão escolar, na valorização do professor e na meritocracia. O modelo educacional proposto foi tão bem-sucedido que Sobral virou base para o projeto nacional de ensino, que começou a ser implementado em mais de 5.300 municípios no ano passado.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Sobral já superou a meta federal prevista para 2021, de 6,1 pontos. Sobral possui 51,76% de pessoas vulneráveis à pobreza, com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00 mensais.

A evolução do município inspirou, em 2007, a criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) do Estado, com o intuito de promover a alfabetização das crianças até o 2º ano do ensino fundamental em todos os municípios. Na época da implantação, o Estado contabilizava 184 municípios e apenas 15 com nível adequado de alfabetização, entre eles Sobral. Apenas 8% das redes de todo o Estado ensinavam leitura adequadamente. Já em 2011, apenas cinco municípios cearenses não alcançaram o nível "desejável" de alfabetização. Foram considerados "suficientes".

Capacitação de professores. "Em 2007, quando lançamos o Paic, 39% das crianças de 7 anos eram analfabetas ou alfabetizadas de forma incompleta. De 2008 até 2013 conquistamos um resultado de 6%. ", diz Maurício Holanda, secretário adjunto de Educação do Ceará . O governo federal e estadual disponibilizou uma verba de R$ 20 milhões para o programa que capacitou aproximadamente 15 mil professores.

Não foi apenas na leitura que os alunos progrediram: o Ceará foi o Estado que mais avançou no Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental, passando de 3,2 pontos para 4,9, segundo os dados avaliados desde 2005. A nota fica abaixo da média nacional de 5 pontos, mas é superior a meta esperada de 4.

Toda essa mudança começou em 2000 quando o Estado resolveu fazer uma pesquisa e descobriu 48% de alunos analfabetos funcionais entre 7 e 8 anos. "Quando uma criança chega aos 8 anos de idade sem saber sequer ler um texto simples, de três frases, toda a aprendizagem posterior fica comprometida", diz Holanda. Em 2000, a taxa de abandono do 1º ao 9º ano da rede de ensino fundamental era de 9,94% e o indicador de distorção idade-série de 57,50%. "O aluno que não sabe ler acaba desistindo. Deixar uma criança nessa situação é um estelionato", diz.

Uma nova política de ensino fundamental foi elaborada com base na gestão levada à sala de aula, na realização de avaliações meritocráticas, qualificação profissional e um sistema baseado em incentivos para os professores.

Incentivos fiscais. Em 2011, foram distribuídos cerca de R$ 450 mil em prêmios para os docentes. De acordo com o secretário municipal de Educação, Júlio Cesar da Costa Alexandre, de 26,5% a 27% do orçamento da prefeitura é destinado para a educação - o mínimo constitucional é de 25%. Além disso, contam com uma lei estadual que garante o repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base em bons resultados na educação, saúde e meio ambiente.

Em outras palavras: as mudanças foram realizadas sem investimentos excepcionais.

Hoje, o número de crianças alfabetizadas aos 7 anos de idade chega a 95,8%."Nossa perspectiva é de que a gente melhore ainda mais para que a escola pública de Sobral possa resgatar algo que a escola pública brasileira perdeu: a boa imagem perante as famílias e a sociedade", diz Alexandre. Para Priscila Cruz, diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, não é possível, porém, apostar apenas no sucesso de uma boa administração. "Não dá para separar financiamento e gestão. Isso é uma falsa dicotomia. Na verdade, se tem financiamento, mas não tem a gestão, não adianta, vai para o ralo o recurso. E, se não tem verba, não tem como custear qualquer projeto."

De acordo com o secretário de Educação, o investimento adequado dos recursos também faz diferença. "Quando a reprovação diminui, surge uma economia: uma coisa é ter dez alunos em uma mesma série, outra coisa é ter 20. Os gastos aumentam com esse número", explica o secretário Alexandre.

Escola integral. A cidade está fazendo um investimento maciço na educação infantil. Entre os focos, a implantação de escolas em período integral com objetivo de universalizar a dupla jornada nas escolas sobralenses. O programa prevê a construção de 17 escolas de período integral nos próximos quatro anos. A primeira já está em funcionamento.

Priscila Cruz aponta a ausência da cultura de utilização de referências de gestão eficaz no Brasil. "A cada troca de secretário, as políticas educacionais tendem a mudar. Existem pesquisas de larga escala mostrando quais são as políticas que dão mais resultado. Isso deveria ser aproveitado", diz Priscila. "O caso de Sobral é um desses casos, repletos de boas referências."

Após aproximadamente 12 anos de desenvolvimento de uma ação sistêmica, as escolas do município não apresentam grandes diferenças de indicadores , mesmo nas unidades da periferia e em zonas rurais, onde a concentração de pobreza é maior. "Essa padronização demonstra que se trata de uma ferramenta social possível de ser replicada", diz o secretário Alexandre.

As políticas públicas devem ter foco claro e estimular o engajamento dos responsáveis para construir uma educação de qualidade, apesar da desigualdade. "As escolas devem fazer um esforço articulado para evitar desperdícios e manter o foco na aprendizagem", diz Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann .

Priscila ressalta que não é possível ter um modelo unificado. "O diagnóstico de cada cidade é diferente e o sucesso de um lugar não garante sucesso em outro. As pessoas esquecem que a parte mais importante é a implementação, não adianta só tentar aplicar", explica.

No Ceará, outros municípios conquistaram indicadores melhores que o de Sobral. "A chave", segundo Holanda, "foi oferecer apoio, mas deixar que cada município ajustasse sua política."

Se for olhar para Sobral, não tem nada de muito inesperado. "Fizeram o básico", diz Priscila. "Fazer bem-feito é o segredo, mas esse segredo não cabe numa receita."

25% dos alunos mais pobres do País atingiram o Idep. Adversidade socioeconômica não é barreira intransponível para educação de qualidade. Um levantamento realizado pela Fundação Lemann, que trabalha pela melhoria do ensino, identificou as escolas públicas que atendem os alunos de nível econômico mais baixo e alto desempenho escolar. Através das respostas sobre bens de consumo dos questionários da Prova Brasil, detectaram escolas que concentravam os estudantes que estavam entre os 25% mais pobres do Brasil e ainda assim atingiram no Ideb uma média igual ou superior a 6,0. Trinta escolas são de Sobral. "Dá para construir uma educação de qualidade em situações adversas", diz Denis Mizne, diretor da Fundação.

Escola vai buscar aluno em casa se ele não aparecer na aula

Fortalecimento da gestão escolar, da ação pedagógica e a valorização do magistério - que se traduziu em programas de capacitação e política de bônus salarial - são os principais eixos do programa educacional de Sobral, no Ceará. As escolas receberam maior autonomia administrativa, financeira e pedagógica. Podem até mesmo firmar contratos temporários, sem passar pela prefeitura. O importante é prestar contas e alcançar a principal meta: alfabetizar 100% das crianças até os 7 anos.

Para isso, uma das batalhas foi derrubar a taxa de evasão escolar. Hoje, quando um aluno não aparece em aula, não é raro ver um funcionário administrativo sair de moto para buscá-lo em casa, se necessário. Antes, porém, a escola liga para os pais a fim de averiguar o que aconteceu, e repassar o conteúdo ensinado no dia pelos professores. A taxa de abandono do ensino fundamental de Sobral era de 9,94% em 2000. Há dois anos, esse índice foi zerado.

"Hoje, é raro ver um aluno faltar exceto em casos de doença", diz a professora Lidiane Rodrigues dos Santos, que leciona na 5ª série da Escola José Ermírio de Moraes. "Foi necessário um esforço conjunto, de funcionários administrativos e professores, de envolver os alunos e as famílias nesse novo processo, o que gerou um elo mais forte." Lidiane está na escola desde 2009, e pôde acompanhar as mudanças de perto. "O desejo de ver o aluno entrar na sala e sair com o conteúdo aprendido entre os professores aumentou", afirma. "E acho que também existe um desejo maior do que antes de os alunos aprenderem."

Esse novo ânimo foi despertado com uma política apoio e valorização dos docentes. Os professores passaram a ser contratados por processos seletivos e concursos - e não mais por indicação política. Foi implantado programa de capacitação. Todos os professores se reúnem mensalmente na Escola de Formação da cidade para discutir o material e aprender como melhor desenvolver o plano de aula. Além de trocar experiências, o corpo docente conta com monitores que auxiliam no desenvolvimento de atividades lúdicas para a sala de aula.

Faz parte do pacote o incentivo salarial mensal com base no desempenho de sua turma nas avaliações. Já o Prêmio Escola Alfabetizadora recompensa os docentes das escolas com melhores índices de alfabetização com outro bônus.

Material personalizado. O projeto tem novo material didático de apoio para alunos e professores. Cada série teve o material elaborado com base nas idades dos alunos e nas dificuldades que encontravam.

Fora as avaliações estaduais e federais, os estudantes passam também por testes (em junho e novembro), realizados por equipe da secretaria de Educação da cidade. O objetivo é encontrar defasagens e, a partir dos dados coletados, montar um plano de ação com a escola. Funcionários da secretaria ainda aparecem quinzenalmente para cobrar as metas, discutir resultados com os gestores e averiguar se a escola está seguindo o plano.

Pais devem ser orientados a educar os filhos pequenos

Auxiliar os pais a educar os filhos, com o objetivo de oferecer ferramentas que ajudem na formação das crianças. Focar os investimentos públicos no ensino da primeira infância e até mesmo no pré-natal. Discussões como essas, que vão além dos limites do espaço físico da escola, deram o tom dos Fóruns Estadão Brasil 2018 sobre educação, organizado em parceria com o Insper, centro de referência de geração de conhecimento nas áreas do ensino, administração, direito e engenharia, na sede do instituto, na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.

Trata-se do primeiro de uma série de seis encontros que vão estimular a discussão analítica de temas importantes para a sociedade como segurança pública. mobilidade urbana e saúde. "Numa época em que as informações são tantas, estabelecemos parceria com o centro de excelência de formação e de pesquisa, para promover um debate mais profundo", disse Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado.

Foram duas mesas de debates, que contaram com uma plateia de 160 convidados. O primeiro encontro começou às 9h15 com a moderação de Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, que abriu o evento. Participaram os debatedores Daniel Santos, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (USP), o psicólogo João Batista Oliveira, fundador e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG geradora de políticas e práticas de educação que priorizam a alfabetização, e o psicólogo Ricardo Primi.

"O Brasil gastou menos, até os anos 1980, do que países como a Coreia, e usou esse dinheiro mal. Os indicadores de frequência na escola têm aumentado ao longo das últimas duas décadas, mas ainda há desafios", disse Lisboa, logo de início. "Com a descentralização das verbas na educação, surgem iniciativas regionalizadas interessantes, mas que são pouco divulgadas. Isso porque não há monitoramento do que é feito no País. Há experiências e pesquisas que falam da importância de desenvolver o ensino não cognitivo, método usado no desenvolvimento das habilidades socioemocionais na pré-escola."

Investimentos. O primeiro passo, proposto por João Batista Oliveira, é que a reflexão sobre o assunto não seja dominada só por interesses corporativos. "Estamos em ano de eleição", lembrou. "Mas precisamos resgatar o público, e o espaço público, para discutir a educação de fato." Entre as ideias propostas, a de transferir verba do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fundo especial ligado ao Ministério do Trabalho, para que os próprios pais cuidem melhor da educação dos filhos pequenos.

Criar uma espécie de "escola para pais" foi uma das sugestões que mais repercutiu entre os especialistas. De acordo com os debatedores, a criança precisa chegar preparada ao ensino público, com condições emocionais e habilidades, que sirvam de alavanca para o desempenho escolar. Até os 18 meses, os pequenos, em geral, têm um universo de 12 a 15 palavras, depois disso o desenvolvimento da linguagem é avassalador e as diferenças entre crianças com e sem suporte da família aparecem. "Depois não há como recuperar o gap na formação. As linhas dessas duas crianças não se encontrarão mais", afirmou o psicólogo Roberto Primi.

"O segredo da educação infantil está na capacidade do adulto de entender as necessidades da criança. A infância é um exercício de preparação para a maturidade - um período feito não apenas para assistir TV no sofá, comendo chocolate", disse Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, referindo-se às creches, obrigação legal no Brasil. Para os especialistas, é preferível manter a criança em casa a mandá-la a uma creche ruim.

Leitura. A escola tem o papel de formadora. Os pais respondem pela educação informal, fundamental para o futuro da criança. "A transmissão social da pobreza acontece pela linguagem", lembrou Oliveira. "Os livros são importantes para a conquista de um vocabulário rico. O hábito da leitura desde cedo é transformador."

Muito da educação da criança é determinada pelos pais. Consequentemente, a formação dos filhos vai depender da história pregressa de seus familiares. "Os pais são o resultado da escola do passado. Eles ensinam com base nisso", disse Primi. Daí a importância de passarem pela "segunda escola" para aprender como ajudar na educação dos filhos. Estabelecer vínculos afetivos sólidos continua a ser uma das lições de casa.

Assista ao primeiro painel do primeiro encontro dos Fóruns Estadão Brasil 2018 abaixo ou na íntegra aqui

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