Abismo literário
A pesquisadora Gabriela de Oliveira: a Literatura como agente social
Escassez de leitura, sobrecarga e licenciaturas falhas afligem docentes da rede pública de São Paulo e ilustram obstáculos do País no ensino de Literatura
Por Rafael Gregorio
Os professores do Ensino Médio da rede pública da cidade de São Paulo têm dificuldades para ensinar Literatura sem usar ferramentas ultrapassadas. Inseguros e com leitura que não ultrapassa best sellers e livros de vestibular, eles não conseguem transmitir entendimentos profundos sobre obras e autores.
Essas conclusões estão em O Professor de Português e a Literatura (Alameda Editorial, R$ 42, 296 págs., 2013), dissertação de mestrado de Gabriela Rodella de Oliveira, 45 anos, doutora em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da USP.
Orientado por Neide Luzia de Rezende, também da FEUSP, o estudo, feito entre 2006 e 2007, mostra que subsiste no Brasil um vício em escolas e períodos literários. Os efeitos nos alunos são conhecidos: superficialidade e desinteresse pela leitura.
Da pesquisa advém um revelador perfil: a maioria dos docentes vem de famílias com baixa escolarização, teve pouco contato com a leitura na infância, fez Ensino Básico na rede pública e superior na particular e recebe salários baixos por jornadas excessivas que dificultam a formação.
O estudo deu-se em duas etapas. Na primeira, 87 professores em quatro Diretorias Regionais de Ensino paulistanas responderam a questões sobre leitura, literatura, ensino e relação com os alunos. Na segunda, entrevistas com quatro profissionais revelaram nuances mais detalhadas.
As respostas apontam tevê e internet como fatores desestimulantes e delas emergem docentes que culpam o aluno pelo fracasso e leem clássicos como Eça de Queirós, mas também Dan Brown, Augusto Cury, Içami Tiba e Khaled Hosseini, de O Caçador de Pipas, sucesso à época.
Para a pesquisadora, a maioria dos professores foge de debates para evitar questões a que não saibam responder. “Fica mais fácil riscar uma linha cronológica e encaixar o autor em algum ismo da vida”, diz. Ela também defende uma maior conexão com os alunos: “Claro que nenhum professor vai pedir para lerem Harry Potter, mas, se eles já leem, por que não trazer à sala?”.
Relatos, porém, revelam realidade oposta. “Na sala de aula, M.E. levou dez minutos passando na lousa uma proposta copiada de um livro didático, que os estudantes, por sua vez, copiaram em seus cadernos. A professora levou, então, outros dez minutos fazendo a chamada (...) e, nos 15 minutos finais, deu vistos nas cópias”, diz o trabalho.
Com base em pesquisas afins desde 1975, de autores como Marisa Lajolo e Maria Thereza Fraga Rocco, Gabriela conclui que o remédio aos problemas no ensino de Literatura no País, que já duram quatro décadas, começa no Ensino Superior. “Tem de haver uma revisão nos cursos particulares de Letras e uma avaliação da formação docente, como se faz com Direito ou Medicina. As faculdades precisam ensinar a ler”, afirma. Ela também defende um sentido social da disciplina. “A Literatura permite a visão do outro, do diferente. Sua ambiguidade abre margem à inclusão e à tolerância. Acredito que integre a construção do cidadão.”