Socioemocionais no currículo

Socioemocionais no currículo

Educador que é educador quer o bem-estar de seus alunos, que eles desenvolvam habilidades e competências durante a trajetória escolar e que, ao se formar, sejam indivíduos mais completos e preparados para a vida. Mas, na prática, esse é um grande desafio. Levando isso em conta, o Ministério da Educação de Ontário, no Canadá (no país os ministérios da Educação são regionais), inseriu o desenvolvimento de habilidades socioemocionais no currículo acadêmico.

Jennifer Adams, diretora de Educação da rede escolar de Ottawa, uma das cidades da província, conta que o processo passou por várias etapas desde que começou a ser implementado, há 10 anos, e que ainda não chegou ao final, mas já está bem disseminado nas 150 escolas e entre os 70 mil alunos da rede. Hoje, as salas de aula são ambientes mais flexíveis, que fogem do padrão de carteiras enfileiradas e os trabalhos em grupo são valorizados em todas as disciplinas para estimular a colaboração. “Esperamos que os professores planejem como vão cumprir o currículo de maneira que as atividades estimulem as habilidades”, relata a diretora, que esteve no Brasil semana passada para discutir com líderes de todo o mundo como inserir habilidades socioemocionais no currículo.

Mas para chegar ao ponto em que a rede está hoje, o trabalho começou muito antes. Em um primeiro momento, diretores e gestores fizeram uma reflexão sobre quais habilidades gostariam que os estudantes tivessem desenvolvidas quando deixassem a escola. Já com esse pensamento aguçado, fizeram uma grande consulta pública, envolvendo professores, estudantes, funcionários das escolas, membros da comunidade e empresários locais no debate.

Para viabilizar essas mudanças, os professores da rede tiveram que passar por capacitações e atividades de formação. “Mostramos para os professores que eles iam ter suporte para se adaptar, que eles mereciam ter diferentes frentes de apoio para ajudá-los a lidar com as necessidades dos alunos”, afirma Jennifer. “Colocar isso como parte dos princípios da escola é, de certo modo, reconhecer a complexidade do trabalho dos professores”, completa.

Ter em casa mais de uma estante de livros aumenta 40% a chance de uma criança ser mais aberta a novas experiências, e alunos com essa característica altamente desenvolvida tendem a conseguir um desempenho melhor em português. Esse foi um dos resultados encontrados na aplicação piloto do instrumento SENNA, um teste de avaliação de traços de personalidade desenvolvido por pesquisadores ligados ao Instituto Ayrton Senna e apresentado nesta terça-feira (25) durante o Fórum Internacional de Políticas Públicas “Educar para as Competências do Século 21”. O evento foi organizado pelo instituto, em parceria com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o MEC (Ministério da Educação do Brasil) e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e reuniu durante dois dias especialistas e gestores públicos para debater a importância das competências socioemocionais para melhorar a qualidade da educação.

“O que leva o aluno de rede pública a assumir compromisso de estudar todo dia, das 7h às 17h? É aí que entram as competências socioemocionais. Ele não faz esse esforço se não tiver determinação e abertura a novas experiências”, afirmou o secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro, Wilson Risolia. A rede de ensino do Estado participou da elaboração e aplicação piloto do SENNA em cerca de 25 mil alunos, gerando uma base de dados de proporções inéditas no Brasil.

SENNA (sigla em inglês para avaliação nacional de competências socioemocionais ou não cognitivas) inclui um questionário com até 92 perguntas respondidas pelo estudante sobre si mesmo (seu comportamento em determinadas situações) cujas respostas a cada questão representam um indicador sobre os cinco grandes domínios de personalidade (extroversão, conscienciosidade, abertura a novas experiências, amabilidade e estabilidade emocional) e sobre um sexto aspecto chamado Lócus de Controle (que reflete em que medida o indivíduo atribui situações vividas a atitudes tomadas por ele, ou ao acaso e decisões tomadas por terceiros).

Os resultados preliminares da aplicação do questionário atestam que jovens com competências socioemocionais mais desenvolvidas tendem a ter melhor desempenho escolar, e que é possível estimular essas competências com ações intencionais, por meio de políticas públicas.

“É um teste padronizado, que pode ser parte integrante de alguma prova em larga escala já feita para avaliar conhecimentos de matemática e português, como a Prova Brasil, por exemplo”, afirmou Tatiana Filgueiras, Coordenadora de Avaliação do Instituto Ayrton Senna. “Agora, o instrumento está disponível para uso de políticas públicas, com orientações para a aplicação e análise dos dados. Esse é um caminho para integrar de forma intencional nos currículos das escolas as ações para estimular competências socioemocionais”, disse.

Essas competências, como perseverança e curiosidade, complementam o papel das competências cognitivas (como raciocínio) para o desempenho escolar e para superar desafios da vida. “O desenvolvimento das socioemocionais é uma questão de atitude, não de situação socioeconômica, ou seja, pobreza não é uma sentença: é possível ajudar escolas de regiões pobres a conseguir ótimos resultados”, Afirmou Tatiana.

Para o economista Daniel Santos, um dos responsáveis pela criação do instrumento, agora é preciso amadurecer a forma de usar essas informações em políticas públicas. “O principal é que a individualidade de cada aluno será respeitada, o intuito não é homogeneizar pessoas, e sim desenvolver estratégias para tornar a educação mais eficaz”, disse.

“Importante lembrar que nesse tema não podemos definir qual competência é bom ter em maior ou menor grau, é um conjunto de características que cada pessoa tem em uma combinação diferente”, completou o psicólogo Ricardo Primi, também autor do instrumento. “Mas o que vimos foi que as crianças têm conhecimento sobre si e conseguem dizer como possui cada um desses aspectos.”

Resultados da aplicação

O projeto foi iniciado em 2011, com objetivo de aprofundar a compreensão sobre as competências socioemocionais, do impacto que elas têm sobre o desempenho e dos mecanismos para desenvolvê-las. Para isso, era necessário construir com embasamento científico uma forma de avaliar o papel delas na vida dos alunos para subsidiar práticas pedagógicas eficazes.

Foi realizada uma revisão da literatura existente e uma análise de mais de cem questionários e testes psicométricos (área da psicologia que utiliza conceitos estatísticos) consagrados internacionalmente, com consulta a especialistas e gestores educacionais para seleção dos considerados relevantes para a atual aplicação. Ao final, a equipe tinha um instrumento totalmente novo e validado na prática.

De maneira geral, mantendo-se constantes as características familiares e da escola, foi possível estimar, por exemplo, que com mais Conscienciosidade, o aprendizado de um estudante em matemática teria ganho equivalente a um terço do ano letivo. Já para elevar o desempenho de português também em um terço do ano letivo, a variação no Lócus de Controle e na Abertura a novas experiências é que causaria mais impacto.

Dentre os aspectos estudados, o incentivo dos pais ao estudo dos filhos tem o maior impacto para estimular na criança Conscienciosidade, internalização do Lócus de Controle, Amabilidade e Abertura a novas experiências. Por exemplo, 23% da diferença entre alunos com alta e baixa Conscienciosidade seria eliminada caso os pais do aluno com baixa Conscienciosidade começassem a incentivá-lo a estudar e esse incentivo também poderia eliminar 17% da diferença entre alunos com alto e baixo Lócus de Controle.

Os dados indicaram que as crianças cujas mães têm maior grau de escolaridade e melhor nível socioeconômico parecem ser menos conscienciosas, ou seja, ter menor tendência a serem organizadas, esforçadas e responsáveis. Esse fato chama atenção para o potencial da abordagem socioemocional para alavancar o desempenho educacional dos alunos mais economicamente vulneráveis, uma vez que pais com menor escolaridade e recursos econômicos não parecem estar em desvantagem em relação aos pais mais economicamente favorecidos, pelo contrário.

Dentre as características da escola, a pesquisa identificou que o tamanho da classe tem forte impacto nas características de Extroversão, Amabilidade e Abertura a Novas Experiências. Já a proporção de meninos na turma é significativa na determinação da Conscienciosidade, Extroversão e Estabilidade Emocional.

Acordo

Na manhã desta segunda-feira (24), o MEC, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Instituto Ayrton Senna também assinaram protocolo de intenções para incentivar pesquisas sobre o desenvolvimento e papel de habilidades socioemocionais no ensino. O documento prevê a criação de um programa de formação de pesquisadores e professores no campo das competências não cognitivas. Além disso, a Capes lançará, em até 90 dias, edital para a concessão de bolsas de estudos na área. “O que queremos é criar uma massa crítica neste debate sobre as competências socioemocionais”, destacou o presidente da Capes, Jorge Guimarães.

Fonte: Instituto Ayrton Senna, com informações do MEC. Imagem meramente ilustrativa. Fonte: sxc.hu.

Fonte: Portal Porvir




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