Um erro devastador
04 de abril de 20141
A falha do Ipea, na pesquisa que denunciou o machismo, compromete o próprio estudo e as imagens do instituto e do Brasil.
É arrasadora a notícia de que falhas graves comprometeram uma pesquisa séria realizada por um órgão do governo. Constrange saber que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que realizou o estudo denunciador do machismo e de outros preconceitos, tenha embaralhado números decisivos para a compreensão do fenômeno. Informava a amostragem que 65% das pessoas consultadas concordavam que mulheres com roupas consideradas provocativas mereciam ser atacadas. Na verdade, pela correção feita ontem, esse índice é de 26% _ um percentual ainda preocupante e inaceitável. Números tão distantes num tema tão delicado comprovam um descuido imperdoável, com efeitos devastadores.
A primeira vítima da incorreção é a própria pesquisa, que provocou reações internas e em outros países, ao denunciar, num número inflado, um brasileiro quase caricatural, em que mais da metade dos entrevistados se mostrava absolutamente insensível aos avanços mais elementares da civilização. Sabe-se _ mesmo que não se concorde e não se admita _ que parcela importante da população ainda vê a mulher como submissa às vontades dos homens, por mais primitivo que isso seja. Mas só agora, diante da admissão do erro pelo Ipea, é que se vê quanto o percentual continha um exagero. Para quem busca consolos, este é o que pode existir nesse caso: explicitaram-se posições críticas estimuladas pela pesquisa. O brasileiro aprendeu muito com as manifestações, em especial as das redes sociais, em favor de avanços no respeito às mulheres.
A segunda vítima é o próprio Ipea, que construiu com muito esforço a reputação como uma das instituições habilitadas a interpretar aspectos complexos da nossa realidade, e não só na área econômica. Cabe ao Ipea, desde o final dos anos 60, a realização de estudos de conjuntura e de questões estruturais, como foi o caso da pesquisa com o erro, também com foco em temas sociais. Fica abalada a imagem do organismo e de seus profissionais, que naturalmente passarão a ser vistos com desconfiança a partir de agora. Também foi atingida a própria imagem do Brasil, que tem propagado pelo mundo a qualificação de suas instituições de pesquisa e de seus quadros.
Falhas semelhantes, provocadas pela manipulação errática de números, já ocorreram nas mais variadas áreas e, infelizmente, continuarão ocorrendo. Isso não significa que devam ser aceitas com naturalidade. Ao contrário, o governo, que mantém o Ipea, precisa localizar e corrigir as deficiências que levaram ao lamentável equívoco. O próprio instituto já admitiu como ocorreu o erro e pediu desculpas. O que fica do episódio é que o estudo, revisado, deve ser preservado como subsídio para o entendimento e a correção de nossos preconceitos. O Ipea manteve na pesquisa um dado tão alarmante quanto a questão que provocou reações em decorrência do erro: 58,5% dos entrevistados concordam com a ideia de que, se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. Aqui, quem continua errando é, vergonhosamente, mais da metade da sociedade.
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