Contratos provisórios são 96%

Contratos provisórios são 96%

Levantamento de ZH mostra que 96% das escolas estaduais pesquisadas têm professores com contratos provisórios

Profissionais com objetivo de atender a necessidade temporária ficam anos na mesma vaga

Levantamento de ZH mostra que 96% das escolas estaduais pesquisadas têm professores com contratos provisórios Carlos Macedo/Agencia RBS

Apesar de aprovado em concurso, o professor de matemática Lucas Falcão ainda
aguarda nomeação Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Os professores com contratos temporários na rede estadual estão longe de serem exceção nas escolas gaúchas. Um levantamento de Zero Hora mostra que eles estão presentes em 96% dos 54 estabelecimentos de ensino que participaram da pesquisa. Com objetivo original de atender a uma necessidade provisória, acabaram sendo usados para manter docentes durante anos na mesma vaga e hoje chegam à casa dos 20 mil.

Educadores como Lucas Thadeu Santos Falcão, 32 anos, veem o ano mudar e o emprego, que era para ser temporário, permanecer estável. Isso seria positivo se o professor de matemática e outros quatro colegas que trabalham na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Alcides Cunha, na zona leste de Porto Alegre, não tivessem passado no concurso do magistério do ano passado. Eles fazem parte dos 40% de aprovados que já têm algum tipo de vínculo com o Estado, por contrato ou nomeação de 20 horas, que poderiam ser efetivados na vaga que já ocupam.

— Este ano eu não acredito que seja chamado — comenta Falcão.

Realizado em maio do ano passado, o concurso teve 13.108 professores aprovados, dos quais 885 já foram chamados. Em 15 de abril, pelo menos mais 900 devem ser nomeados e, até o final do ano, o secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo, promete a nomeação de 5 mil aprovados.

Mesmo assim, Falcão, que há dois anos trabalha com contrato temporário no Estado, já buscou outras alternativas. Aprovado em concurso do município, diminuiu a carga horária na rede estadual em busca da estabilidade.

— No Estado não se tem segurança. A qualquer momento você pode ser retirado da vaga. A situação é muito vulnerável — explica.

Sem diferença no salário inicial dos professores efetivados, os contratos temporários se tornam mais baratos para o Estado ao longo do tempo, pois não incluem o plano de carreira. Na escola Professor Alcides Cunha, onde Falcão cumpre 22 horas em sala de aula, a maioria dos professores não é efetivada. Todos os docentes têm convocação para aumentar a carga horária e, mesmo assim, a diretora Maguinória Beux ainda amarga a falta de professor de inglês desde o ano passado.

Mais aprovados do que vagas

Na edição de terça-feira, ZH mostrou que metade das escolas pesquisadas precisam de professores. Para a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, o governo segue o que ela chama de "política do faz de conta":

— Quando o governo prevê mais contratações em detrimento de chamar as pessoas que aguardam nomeação, ele está dizendo que não quer que os trabalhadores tenham direito a um plano de carreira.

Conforme o secretário da Educação, José Clovis de Azevedo, o montante de contratos temporários é uma herança de governos anteriores. Como a nomeação depende de outros departamentos estaduais, como o responsável pelo laudo médico, não é possível chamar os professores aprovados aos milhares. Ainda sobre o concurso, Azevedo ressalta que não há necessidade de todos assumirem e que há áreas, como a da Educação Básica, em que número de aprovados é maior que o de vagas existentes.

— De 2005 a 2013, a rede diminuiu quase 400 mil alunos. Como que uma rede diminui alunos e não diminui seu quadro? Tem um problema de gestão que ainda não está bem equacionado — salienta.

Resultados da pesquisa

O levantamento realizado entre a sexta-feira, 21 de março, e a quarta-feira, 26 de março, foi feito com os 10 maiores estabelecimentos de ensino (em número de alunos) das 10 cidades mais populosas do Estado. Das cem escolas contatadas, 54 responderam o questionário.

— Todas têm professores chamados nomeados, ou seja, que passaram em um concurso e já tomaram posse da vaga.


— 52 (96%) delas também tem docentes atuando por contratos temporários ou emergenciais (nomenclatura antiga). Estes contratos podem ser renovados anualmente, e os professores podem ser dispensados a qualquer momento.

— Em pelo menos 25 escolas, o número de professores contratados é superior ao de nomeados. Sem plano de carreira, eles se tornam mais baratos para o Estado ao longo dos anos. O Cpers defende que os contratos sejam substituídos pelos professores aprovados no concurso de 2013.

— Na maioria dos casos, as escolas também contam com os professores convocados. São docentes que tiveram o regime de trabalho de 20 horas semanais ampliado.

Números do magistério

— O Estado tem 21.640 mil vagas para contratos temporários.


— O número varia diariamente, mas atualmente gira em torno de 20 mil vagas preenchidas.

— Conforme o secretário da Educação, Jose Clovis de Azevedo, o ideal é que haja um cadastro de 7 mil vagas, onde apenas 2 mil estejam constantemente preenchidas para suprir as licenças gestante, de saúde e exonerações.

— Esta realidade ainda distante depende da organização interna das escolas e, principalmente, do governo realizar a substituição dos contratos temporários pela nomeação dos professores aprovados no concurso do ano passado.

Escola da Zona Sul inverte tendência

Na turma 302 da Escola Estadual de Ensino Médio Adolfo Fetter, em Pelotas, uma aluna de 17 anos explica para a outra:

— Estão fazendo matéria (referência à reportagem de ZH) porque é um milagre ter professor aqui.

Também é agradecendo à sorte que a diretora comemora finalmente começar um ano letivo sem falta de educadores.

— Estou há quatro anos na direção, e esse é o primeiro ano que iniciamos com o quadro completo — ressalta Mara Rosana Rosa Foltz.

A conquista veio depois de a Secretaria de Educação ter feito concurso e chamado novos educadores no fim do ano passado. Até então, as ausências, quando eram cobertas, vinham de contratos temporários. Hoje, há 40 nomeados e 22 em contrato temporário, mas o número já chegou a ser invertido. O índice de temporários é considerado baixo.

Mara afirma que não há como substituí-los por nomeados porque os reais detentores dessas vagas são lotados em outras escolas e possivelmente estejam de licença. Para chamar alguém da lista, é preciso que a vaga seja liberada. Então, para cobrir os furos, temporários eram arranjados, mas o processo também não é simples:

— Se um professor me pede licença de 30 dias, não posso pedir temporário porque a lei prevê que um temporário seja chamado somente se for 60 dias. E, se chamo o temporário, tem uma série de burocracias que fazem com que esse substituto chegue quase quando o professor está voltando.

Foi esbarrando nessa burocracia que a 302 ficou sem aula nos dois primeiros anos do Ensino Médio de português por quase seis meses ao total. Os estudantes reclamam da falta de preparo para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

— Dão a matéria apressada porque na hora que tinha de ter aula não tinha, e a gente jogava "stop" — conta uma das alunas.

*Colaborou Júlia Otero

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