Situação precária na educação
Levantamento revela falta de professores em 48,1% das escolas públicas pesquisadas
Pesquisa realizada por ZH ouviu 54 instituições nas 10 maiores cidades do Estado
Na disputa entre o governo estadual e o Cpers/Sindicato, fica a dúvida sobre se faltam – e quantos – professores nas escolas gaúchas.
Conforme levantamento feito por Zero Hora, mais de um mês após o início das aulas, a carência de profissionais ainda faz com que alunos sejam dispensados e voltem para casa sem preencher uma linha sequer de seus cadernos.
As informações colhidas por ZH mostram que há estabelecimentos de ensino precisando de docentes. Das cem escolas contatadas nas 10 maiores cidades do Estado, 54 responderam ao levantamento. Destas, 26 (48,1%) precisam de professores. A carência de profissionais atinge 20 disciplinas, principalmente de geografia, história, matemática e química.
Burocracia estatal, má gestão de algumas direções e uma pitada do tradicional “jeitinho brasileiro” são as principais causas que levam o Rio Grande do Sul a ter salas de aula vazias em pleno ano letivo. Enquanto isso, mais de 12 mil aprovados no concurso do magistério esperam para assumir suas vagas.
– Iniciamos o ano faltando vários professores na escola – relatou Sônia Beretta, vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Heitor Villa Lobos, de Gravataí, na Região Metropolitana.
Nos 28 estabelecimentos com o quadro de professores completo, o clima é de comemoração.
– Parece mentira, mas no momento está completo. Olha que é difícil – exaltou Cristina Feijó Ribeiro, vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Setembrina, de Viamão, ao responder a pesquisa por telefone.
A Secretaria da Educação, no entanto, rebate o número repassado pelas direções das escolas com os dados do sistema informatizado de controle de recursos humanos. Chamado de Informativo da Secretaria de Educação (ISE), ele ainda está sendo implantado, mas já mostra se houve ou não solicitação por parte da instituição.
Segundo o governo, “não há pedido no ISE” em seis das 26 escolas que informaram a ZH precisar de docentes. Nas demais, a secretaria informa que o professor está em fase de contratação ou que, para solucionar a questão, a escola fará ajustes internos na carga horária dos profissionais.
Ainda conforme o Estado, ao precisar de docentes, a direção da escola deve formalizar pedido por via eletrônica (pendrive ou CD) ou pessoalmente, na Coordenaria Regional de Educação (CRE) à qual pertence.
As direções das instituições, por outro lado, respondem que é neste momento que muitas escolas são convencidas a dar um jeito para não deixar os alunos sem aulas. Assim, em algumas situações, estende-se a carga horária dos professores em atividade ou retira-se um docente de um turma para solucionar o problema de outra.
Carência de profissionais compromete aprendizado
Neste paliativo “tapa-buraco”, as direções garantem que, enquanto não vierem mais professores, sempre haverá lacunas, atrapalhando o andamento das aulas. E aí, independentemente de faltar 7 mil docentes, como alega o Cpers, ou de se tratarem apenas de casos pontuais, como argumenta o governo, quem sofre é o aluno.
– O governo se apega ao sistema que diz que tem professor na vaga, mas se ele (professor) não vai, é porque falta professor, não adianta. Não há uma previsão, um planejamento de que, quando o professor se afastar, vai imediatamente entrar alguém na vaga – argumenta Berenice Cabreira da Costa, presidente da Federação das Associações e Círculos de Pais e Mestres do Rio Grande do Sul.
Para Fernando Becker, professor titular de Psicologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o processo de recuperação de aulas a toque de caixa não recupera o tempo em que o conteúdo deixou de ser ensinado.
– O conhecimento é complexo. Por isso, se vai do mais simples ao mais complexo, para que o aluno dê conta aos poucos de cada passo. Não tem como queimar etapas e recuperar aquilo que se perdeu – avalia Fernando Becker.
Segundo o Censo Escolar da Educação Básica 2013 e a Secretaria da Educação, o Estado tem, ao todo, 79 mil professores trabalhando na rede estadual. Em 2.570 estabelecimentos de ensino, estão matriculados 1.050.692 alunos.
QUAIS AS CAUSAS DO PROBLEMA?
Burocracia
Quando um professor sai de licença de saúde, a escola tem de dar conta de suprir a ausência dele por até 20 dias. Só depois deste prazo, ganha o direito de solicitar um novo docente à Secretaria da Educação. Para ter um novo professor, a escola precisa manter atualizadas as informações de banco de alunos e efetividade do quadro docente. Quando chamado a assumir o contrato temporário, o profissional tem 72 horas para apresentar a documentação e, só depois de publicada a aprovação, poderá assumir o cargo. Além disso, há lentidão na nomeação de mais de 12 mil professores aprovados no concurso do magistério de 2013, que ainda não foram chamados.
Jeitinho brasileiro
Na tentativa de reduzir as contratações temporárias, que já estão quase no limite do permitido para a Secretaria da Educação, o governo e as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) incentivam as escolas a tentarem suprir a ausência de professores com o quadro atual. Em diversas situações, professores ministram aulas em disciplinas para a qual não têm formação ou estendem a carga horária dentro de sala de aula. Da parte das direções, a própria burocracia incentiva que a questão tente ser resolvida internamente, sem depender do Estado. O problema é, quando realmente falta professor, a lacuna só é transferida, mas não resolvida.
Má gestão
O secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo, alega que parte da falta de professores tem a ver com os problemas de gestão das escolas. Segundo ele, há casos em que professores têm sobra de carga horária e, assim, poderiam assumir outras turmas.
Carência de funcionários é comum nas instituições
A falta de funcionários para realizar outras funções, como merendeiras e serventes, é um problema constante nos estabelecimentos de ensino da rede estadual. Relatado por diretores e por funcionários durante o levantamento, o déficit de profissionais que mantêm a escola limpa e organizada impacta profundamente na rotina escolar.
– Fazem falta como o professor, e há muito tempo que o governo não abre concurso para este profissional. O Estado entende que, tendo professor, está tudo bem. Mas não é somente isso. Precisamos também do outro profissional. Acabamos nos desdobrando e não fazendo o trabalho que deveríamos fazer – comenta a vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde, de Gravataí, Graciela Machado Bopp da Silva.
Sem monitor e orientador, a instituição, que neste ano não sofre com a falta de professores, não tem quem abra e feche o portão ou receba os pais dos alunos.
De acordo com a Secretaria Estadual da Educação, o último concurso para os demais profissionais que atuam nas instituições de ensino foi realizado no governo Olívio Dutra, há mais de 10 anos.
Atualmente, a rede estadual tem 20.524 funcionários, sendo 14.043 efetivos e 6.481 contratados.
O secretário estadual de Educação, Jose Clovis de Azevedo, promete que um novo concurso será lançado em breve.
– De fato, falta, é real, e admitimos. Tem regiões que chamamos funcionários por contrato, e não aparece o número suficiente de pessoas. Por outro lado, a contratação de funcionários é mais lenta que a de professores porque obedece a outra legislação – explica.
ENTREVISTA: Rejane de Oliveira, presidente do Cpers/Sindicato
“São 7 mil professores que faltam”
Presidente do Cpers/Sindicato, entidade que representa os professores estaduais, Rejane de Oliveira defende que as atuais declarações do secretário da Educação, Jose Clovis de Azevedo, só reforçam a luta do Cpers no lema “Fora José Clovis”. Visto como um representante que envergonha a categoria por suas atitudes como titular da pasta de Educação, Azevedo, que é ex-sindicalista, se tornou inimigo declarado do Cpers ao dizer em entrevista à Rádio Gaúcha que a falta de 7 mil professores no Estado é um mito. Além de garantir que faltam professores em sala de aula, Rejane também classifica como calúnia a afirmação de que há professores trabalhando menos do que determina a carga horária. Por telefone, a presidente do Cpers conversou com a reportagem de Zero Hora. Leia alguns trechos da entrevista:
Zero Hora – Qual é a base de dados do sindicato para afirmar que faltam 7 mil professores no Estado?
Rejane de Oliveira – Fazemos uma levantamento, todo início do ano, com visitações nas escolas e através da visitação dos 42 núcleos. Para nós, permanece 7 mil. Não podemos fazer um número preciso porque não temos o controle. Quem tem e sabe para aonde manda o professor e onde falta é a Secretaria Estadual de Educação, que infelizmente não tem tido transparência. O governo tenta dizer que a falta de professores é um mito e, por isso, não diz (os números). Para nós, são 7 mil professores que faltam na escola e fazem com que as crianças voltem para casa. São 7 mil em que a criança não tem o direito de aula naquela escola, por falta de professores. A nossa contabilidade é essa.
ZH – De que forma as escolas costumam avisar sobre a falta de professores à Secretaria?
Rejane – Pelo que sabemos, as escolas fazem o quadro das necessidades e apresentam na Secretaria de Educação ou na CRE. Existe um setor de recursos humanos que recebe essa solicitação, mas infelizmente este setor não repõe. A culpa não é nem do setor. A culpa é do governo, ou porque não faz concurso, ou porque não nomeia os concursados. As escolas trabalham com planilhas oficiais. O problema é que estão passando por um processo de muita repressão. Se tu pedir para uma escola, eles não vão te entregar, porque há um processo de sindicâncias que são abertas. É um governo muito repressor. As pessoas são procuradas para esconder a realidade da escola. As direções sofrem pressão e são ameaçadas.
ZH – O secretário alega que professores fazem acordos com as direções para não cumprir toda carga horária. Existe uma flexibilização neste sentido?
Rejane – Sabe, fico impressionada! Agora o secretário está tentando jogar em cima dos ombros dos trabalhadores, da direção das escolas, a responsabilidade pela falta de professores criando uma calúnia sobre eles. Os professores são obrigados a cumprir as 800 horas, os 200 dias letivos, não deixam de cumprir isso. O que o secretário está dizendo é uma falta de responsabilidade com os trabalhadores do Estado. É uma tentativa covarde de jogar nos ombros dos outros sua responsabilidade. Não existe isso de o trabalhador fazer menos carga horária, é bem ao contrário.
ENTREVISTA: Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual da Educação
“Isso não tem nem uma base real”
Acompanhado da assessoria de imprensa e de servidores da secretaria, o secretário estadual da Educação Jose Clovis de Azevedo, recebeu a reportagem de Zero Hora na semana passada. Com informações expostas em um telão, a cúpula da educação gaúcha exemplificou algumas distorções na alegação das escolas que apontam falta de professores. Aposta de Azevedo para eliminar problemas de comunicação entre diretores e secretaria, o Informativo da Secretaria de Educação mostra se houve a demanda de professores pela instituição. Azevedo defende que a falta de profissionais é um mito e diz que alguns trabalham menos do que o determinado em contrato. No entanto, admite que os alunos podem ser prejudicados por alguns dias, enquanto ocorre o processo de substituição de professores. Confira a entrevista:
Zero Hora – Para o governo, não há falta de professores?
Jose Clovis de Azevedo – Quando digo que não há falta de professores, não estou dizendo que não vai faltar professor na escola por um dia, dois dias ou até 10 dias, para substituir o que saiu. Estou dizendo que nós temos como substituir. Tem algo fora do nosso controle que são os contratados temporários que pedem demissão. Todo dia tem 100 ou 200 que pedem demissão. Isso é um problema muito sério para nós e reconhecemos que isso significa muitas vezes o aluno ficar sem professor durante até 10 dias. Agora, isso não está na nossa governabilidade, porque herdamos o quadro de 21 mil contratados. Se aplicarmos o conceito de falta de professor em cima desses problemas, vai ter falta de professor sempre, porque, enquanto não tivermos um quadro definitivo, vai ter sempre um movimento de professores entrando e saindo.
ZH – Como a secretaria fica sabendo da necessidade de professores nas escolas?
Azevedo – Estamos implantando um sistema, pois ainda trabalhamos parcialmente e não queremos mais trabalhar com papeizinhos, nem com pedido de professor por telefone, nem por cartinha. Quando as Coordenadorias Regionais de Educação constatam que realmente falta professor, eles colocam no sistema e, quando chega para nós, divulgamos a vaga e buscamos um professor no nosso banco, que tem cerca de 20 mil pessoas. Daí, o professor tem 72 horas para apresentar toda a documentação e, depois, pode assumir. Neste prazo que a pessoa tem, pode acontecer que ela vá na escola, não goste do local e não assuma. Aí, temos de chamar outro professor, e a substituição pode demorar de oito a 10 dias.
ZH – Há alguma tentativa do governo de omitir a falta de professores? O Cpers alega que foram abertas sindicâncias contra diretores que denunciaram o problema.
Azevedo – Ao contrário. Nunca abrimos sindicância em escola pela questão de ter denunciado falta de professores. Só abrimos sindicância quando há denúncia escrita sobre algum problema na escola. Não queremos perseguir ninguém, de jeito nenhum, mas vamos ser muito rígidos no cumprimento da legislação e da carga horária de cada professor. Não menti quando disse que é mito que faltam 7 mil professores, como o Cpers disse. Isso não tem nem uma base real. Se a vaga não está no sistema, significa que ela não comprovou as informações na CRE e, se a CRE não colocou no sistema, não falta professor para nós. Muitas vezes, há um acordo para que o professor trabalhe menos horas, acordo feito às vezes no processo de eleição dos diretores, ou há a tentativa de colocar em prática a ação do Cpers para que sejam considerados períodos em sala (e não horas) e nós não aceitamos.