Não existe fórmula mágica
Para a pedagoga Anna Helena Altenfelder, as respostas para os problemas do ensino brasileiro estão em experiências bem sucedidas
Fonte: Tribuna do Planalto (GO)
O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, (Cenpec) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos criada que contribui com o desenvolvimento sustentável a diminuição da desigualdade social, principalmente nas áreas de educação.
Em dos cargos de direção da organização é ocupado Anna Helena Altenfelder, pedagoga, especialista em Psicologia da Educação, que atualmente assume a superintendência da instituição.
O Centro de Estudos desenvolve, principalmente, pesquisas sobre os diversos temas relacionados à educação, produzindo materiais didáticos e oferecendo cursos de formação de educadores. As ações do Cenpec são realizadas em parceria com o poder público, tanto o Ministério da Educação (MEC) quanto o Ministério da Cultura, quanto secretarias estaduais e municipais, e também parceria com a iniciativas privadas.
Nesta entrevista, Anna Helena Altenfelder opina sobre os rumos da educação no Brasil, fazendo uma análise das medidas que devem e estão sendo tomadas para a promoção de um avanço no ensino do país.
Quando se fala em educação, um dos mais importantes tópicos é o Plano Nacional de Educação (PNE), que ainda não conseguiu ser aprovado. Como é a atuação do Cenpec em relação a isso?
O Cenpec faz parte do Observatório, que é uma iniciativa com diferentes organizações como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e Fundo das Nações Unidas par a Infância (Unicef), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Todos pela Educação e também fundações e institutos empresariais.
A ideia é que todas essas organizações se juntem para fazer um monitoramento de todas as metas do Plano Nacional de Educação, elaborando materiais que expliquem, de maneira clara, cada uma das metas e acompanhar o andamento do cumprimento de tais metas, com dados e análises de opiniões, checando também os indicadores e melhores estratégias para que a meta seja alcançada.
Para isso, cada organização ficou responsável pelo monitoramento de duas metas. O Cenpec, ficou responsável por pela meta número 5, que prevê alfabetização para todas as crianças, no máximo até o final do 3º ano do Ensino Fundamental e a meta de número 19, que pretende assegurar condições para a efetivação da gestão democrática da educação em um prazo de dois anos.
A nossa função agora é elaborar um material que dê conta de explicar o conteúdo dessas metas e produzir pesquisas que acompanhem o seu andamento, com dados e análises de opiniões e indicadores, apontando também quais as estratégias que estão sendo utilizadas para que o proposto se concretize, sempre buscando informações relevantes, estudos e organizações de referência sobre o tema.
Mas o texto do PNE ainda está em tramitação, inclusive tendo sofrido algumas alterações. Qual a opinião da senhora sobre o texto atual?
Acho que qualquer documento pode ser aperfeiçoado, mas nós do Cenpec apoiamos a redação da Câmara. O documento elaborado traduz um amplo debate feito pela sociedade civil, chegando a um texto bastante interessante. O que me preocupa é o tempo de tramitação.
O Brasil está há quase quatro anos sem um plano nacional e não se consegue chegar a um consenso. É de extrema urgência que seja aprovado. Em termos de metas, foi possível contemplar os aspectos mais importantes da educação. Poderia se ter avançado mais ou menos em alguns pontos, mas de maneira geral, o documento reflete as necessidades mais importantes da educação brasileira no momento.
Outro trabalho importante desenvolvido pelo Cenpec é a formação continuada de professores. Qual a importância desse tipo de curso para os profissionais de educação?
Para qualquer tipo de educador, professores, gestores, agentes culturais e qualquer profissional que não esteja mais no processo de formação, é essencial promover processos de reflexão integrada com a prática do dia a dia. O subsídio teórico, quando articulado com a prática, resulta na construção de ferramentas que resolvem os impasses e atendem as necessidades dos profissionais.Faz parte da atividade do professor se manter atualizado, principalmente na complexa sociedade atual. Sabemos que a formação do professor no Brasil tem questões complicadas, pois não cumpre seu papel de formar o professor para a realidade da escola brasileira, tanto no ponto de vista da escola pública quanto para as novas tecnologias. Por esse motivo, a formação continuada se faz ainda mais necessária, para que haja essa intersecção de reflexão.
O acesso à formação continuada é um problema dos professores brasileiros?
Atualmente, existem no Brasil programas de formação continuada mais ou menos eficientes. Isso depende muito do sistema de ensino de cada local. Algumas redes municipais têm um compromisso maior com a questão e são mais preocupadas com a formação de seu quadro de professores, fornecendo mais oportunidades.
É importante ressaltar que a oferta de oportunidades deve ser variada, pois é essencial que, além de vagas suficientes, também sejam oferecidas um leque de opções para que o professor tenha autonomia de escolha no próprio desenvolvimento profissional, o que muitas vezes não condiz com a realidade.
Em que problemas pontuais da educação, uma formação continuada de professores poderia ser uma possível solução?
Uma melhor formação dos professores possibilitaria, por exemplo, um maior entendimento da cultura adolescente e sua grande interação com a tecnologia, o que levaria a elaboração de currículos mais articulados com os interesses dos jovens. Esse conhecimento pode ser útil em todas as fases do ensino, mas poderia ser especialmente útil para o período hoje conhecido como ciclo esquecido, que é o Ensino fundamental II. Esta etapa que vai do 6º ao 9º ano, apesar de ser bastante peculiar, acabou sendo deixada um pouco de lado, tanto por pesquisas acadêmicas quanto por programas e projetos do Ministério da Educação e das secretarias municipais e estaduais. O foco geralmente fica com os primeiros anos do Ensino Fundamental ou com o Ensino Médio.
Que motivos levaram esse período a ser deixado de lado?
Esta situação pode ser explicada historicamente. Analisando as conquistas no campo da educação brasileira, nos últimos 50 anos, percebemos uma preocupação inicial com a alfabetização e com a frequência na escola, o que é explicável pelos altos índices de analfabetismo que registrávamos. Depois, a prioridade passou a ser o Ensino Médio, por todas as questões de mão de obra e metas a serem alcançadas.
Mas agora, chegamos a um ponto em que devemos nos lembrar que as políticas dedicadas aos anos iniciais não perduram até os últimos anos escolares. É necessário um trabalho contínuo para que os esforços não sejam perdidos. A grande evasão no Ensino Médio, por exemplo, é um problema que tem início ainda no Ensino Fundamental II.
Como esse problema prejudica o processo educacional?
Nesta faixa etária, os alunos enfrentam a transição do 5º para o 6º ano, o que representa uma grande mudança de rotina. Eles passam a ter vários professores, cada um especialista em uma disciplina específica e com seus próprios métodos de didática, o que ainda desencadeia uma menor integração entre as matérias.
Apesar de não existirem muitas ações voltadas para esse período da vida escolar, algumas experiências são bastante interessantes pois focaram em uma maior interação. Ao pensar um pouco na questão da passagem do Ensino Fundamental I para o II, alguns experimentos obtiveram bastante êxito mantendo um ou dois professores que já trabalhava com os alunos no Fundamental I para dar apoio e ajudar na transição para o Fundamental II. Outros procuraram o trabalho em equipe entre os professores das diferentes disciplinas, trazendo novos projetos pedagógicos que garantam essa integração.
Então, uma melhor formação para os professores é apenas umas das muitas melhorias necessárias?
Realmente, muita coisa precisa ser repensada. Para começar, uma melhor organização de tempos e espaços, revendo esse modelo de aulas de 50 minutos. É preciso criar mais possibilidades de circulação de ideias, mais oportunidades educativas e uma maior interação com as organizações sociais. Isso dialoga muito com o conceito de educação integral, que não significa apenas uma ampliação do tempo da criança na escola, mas implica em uma reorganização de tempo e espaço e organização do currículo. É uma tendência que está sendo seguida, mas não existe uma fórmula, um modelo único que sirva para todas as escolas. O que existem são experiências bem sucedidas que podem servir de exemplo e ser ampliadas em escala nacional.
Todos pela Educação