Em vez de aula, revisão de conteúdo
Levantamento realizado em 11 estados e no Distrito Federal mostra que 80 escolas transformaram o 3º ano do ensino médio em uma etapa de preparação para o Enem
Marina Kuzuyabu
Criado para ser um instrumento de avaliação da qualidade do ensino médio, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se converteu hoje em um sistema de ranqueamento de escolas públicas e privadas, segundo o especialista em legislação de ensino Moaci Alves Carneiro. “O Ministério da Educação (MEC) não sabe o que fazer com os dados, que deveriam ser usados para reverter as fragilidades e deformações expostas. Desse ponto de vista, é uma avaliação inútil, que não serve para orientar”, acrescenta o ex-diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE) e consultor de órgãos como o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub).
Em vez de ser corrigida, essa distorção está provocando outra deformação, que é a decisão de algumas escolas de focar seus esforços na preparação dos alunos para o exame. Levantamento feito pelo Laboratório de Estudos Interdisciplinares (LEI), grupo independente criado há quase cinco anos para produzir pesquisas na área da educação, identificou 80 escolas que transformaram o 3º ano do ensino médio em uma etapa de revisão para o Enem.
Carneiro, que é um dos integrantes do grupo sediado em Brasília (DF), informa que a maioria das instituições está localizada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O nome das escolas não foi e nem será divulgado sob o argumento de que o objetivo não é expor as escolas, mas sim apontar o problema.
A pesquisa foi feita pelos próprios pesquisadores do laboratório – quase todos professores doutores aposentados –, em 11 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Em cada local, foram analisadas 12 escolas, sendo seis particulares, quatro estaduais públicas e duas estaduais federais.
Entre as particulares, verificou-se que 92% delas estão usando o último ano para preparar os estudantes para o Enem. Entre as públicas estaduais, esse percentual é de 12% e, nas federais, de 78%. “Essas escolas estão organizando o ensino médio à margem da legislação. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) diz que a duração dessa etapa deve ser de no mínimo três anos, mas o que está acontecendo é a concentração do currículo em dois anos. Estamos encurtando o tempo de formação”, alerta.
O mapeamento também verificou que o conteúdo do Enem se tornou o elemento de referência para as escolas, que desde o 1º ano, no caso das instituições privadas, se planejam para ensinar ao aluno o que vai na cair na prova. “Contrariamente às orientações do MEC, as escolas estão esquartejando o currículo do ensino médio”, enfatiza.
Como avaliar sistemas desiguais
Como instrumento de avaliação, o Enem também é criticado por não considerar as diferenças existentes entre as redes de escolas. “Não temos no Brasil um sistema de ensino, mas redes de escolas que vivem em realidades discrepantes. Cada vez que sai o resultado do Enem se vê uma profunda penalização das escolas públicas e seus professores”, fala Carneiro. O especialista acredita que deveriam ser criadas formas de avaliação que contemplassem essas diferenças, pois a adoção de um único parâmetro produz e continuará produzindo injustiças.
Outro desafio é aproximar os professores da avaliação, o que poderia ser feito via Consed e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). “O professor, que muitas vezes é informado dos resultados de sua escola pela imprensa, não se vê implicado no processo, uma vez que ele não participou da elaboração do sistema de avaliação, nem de maneira indireta”, relata.
No ano passado, mais de 7 milhões de estudantes prestaram a prova, 23% a mais que em 2012. Além de medir o conhecimento dos alunos e, consequentemente, a qualidade das escolas, a prova também é usada pelos estudantes para obter o diploma do ensino médio e para o acesso a universidades.
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