Incluir não é abrir portas

Incluir não é abrir portas

"Incluir não é abrir portas"

Para Lorena Resende Carvalho, gerente de Ensino Especial na Sedu, os transtornos globais do desenvolvimento devem ser encarados apenas como necessidades educacionais especiais

Fonte: Tribuna do Planalto (GO)

Lorena Resende Carvalho, 41 anos, é a gerente de Ensino Especial da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Nesta entrevista exclusiva ao Escola, ela detalha o trabalho desenvolvido junto aos estudantes da rede pública estadual que necessitam de atendimento educacional especializado.

Na opinião de Lorena, existe a necessidade de homogeneização dos discentes, pessoas com deficiência ou não, de todos os níveis sociais, para que não haja desigualdade e para que a sociedade aprenda a lidar melhor com questões que muitos consideram um problema.

Para ela, os transtornos globais do desenvolvimento devem ser encarados apenas como necessidades educacionais especiais. Confira.

Qual o perfil dos estudantes que necessitam de atendimento educacional especializado na rede estadual hoje?

São educandos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e demais necessidades especiais transitórias e/ou permanentes, dentre as quais dificuldades de aprendizagens, dislexia, disgrafia e transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Que tipo de suporte é oferecido para complementar o processo de Ensino-aprendizagem desses estudantes?

O trabalho desenvolvido pela Gerência de Ensino Especial da Seduc, nas salas de aulas regulares, está relacionado à viabilização de um processo Ensino-aprendizagem que considera a diversidade de educandos e sua multiplicidade de níveis de desenvolvimento, ritmos e estilos de aprendizagem, concebendo o currículo como sendo caracteristicamente flexível. Além da ação em salas de aulas comuns, a gerência coordena o AEE (Atendimento Educacional Especializado), que é um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos estudantes no Ensino regular.

Estas atividades são oferecidas nas salas de recursos multifuncionais dotadas de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do AEE. Este atendimento é oferecido nos CAEEs (Centros de Atendimento Educacional Especializado) e nas unidades Escolares da rede estadual no turno de ampliação da aprendizagem.

Os estudantes que são público da Educação especial serão atendidos no AEE pelo Professor de AEE, que deverá realizar agrupamentos por especificidades, podendo atender individualmente e/ou em grupos de até seis Alunos.

Numa perspectiva inclusiva, essa modalidade de Educação atende bem estudantes com necessidades especiais?

Sim, mas podemos avançar especialmente quanto à formação dos profissionais da Educação. A Secretaria Estadual da Educação, desde o ano de implantação do programa de inclusão (Programa Estadual de Educação para a Diversidade Numa Perspectiva Inclusiva - 1999), vem realizando ações de formação, no entanto, como se trata de um novo paradigma, práticas educacionais mais inovadoras, democráticas e inclusivas não se dão “da noite para o dia”. Elas resultam de uma construção conjunta e diária à partir de muito estudo e reflexão.

Esses Alunos não teriam maior rendimento se estivessem em centros especializados adequados especificamente aos seus problemas?

Temos razões legais e filosóficas para acreditar que os educandos com deficiências sensoriais (deficiência auditiva e deficiência visual) e deficiência física devem ser incluídos nos mesmos espaços que os educandos sem deficiências. Isso porque a heterogeneidade de ritmos e estilos de aprendizado, de tipos de inteligência e níveis de desenvolvimento, favorece o aprendizado de todos.

Quer dizer, a idéia de que a sala de aula deve ser composta de “educandos iguais” está sendo superada, até porque, mesmo entre as pessoas sem deficiências, não há homogeneidade quanto aos ritmos e estilos de aprendizagem, interesses, cultura, saberes prévios, etc.

Em tese, nada justifica a separação. Isto é: educandos com deficiência em um espaço e aqueles sem deficiência em outro, uma vez que todos têm potencial de aprendizado e desenvolvimento. A questão é que, incluir não corresponde exclusivamente à abertura das portas de determinado espaço, mas também e principalmente, implica em viabilizar recursos e serviços específicos que contemplem as necessidades dos educandos com deficiência. Esses recursos é que tornarão o espaço acessível a todos e possibilitarão o aprendizado Escolar dos educandos com deficiências.

Isso também se aplica aos educandos com deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvimento. Aqui, vale uma ressalva, entretanto: temos educandos com déficits intelectuais que são mais autônomos, mas temos aqueles que exigem apoio constante para execução de todas as atividades. De modo geral, tais educandos (com um comprometimento cognitivo mais acentuado) não foram encaminhados para as unidades educacionais da rede regular de Ensino. Eles permaneceram nas instituições especializadas (hoje denominadas CAEEs). Nestas instituições, orientamos que seja realizado um trabalho educacional muito específico, atendendo ao perfil peculiar desses educandos.

A senhora acredita que exista melhora de uma criança especial inserida em uma sala de aula com outros Alunos que não apresentam qualquer tipo de deficiência ou transtorno?

Na verdade, uma criança com deficiência, será sempre uma criança com deficiência... Quer dizer, por causa do déficit, a criança apresenta um jeito de ser diferente: segue vias de aprendizado e desenvolvimento diferenciados... Ela não é inferior. Não precisa melhorar. Precisa, assim como todas as demais pessoas, interagir para aprender e desenvolver, considerando suas especificidades.

Acreditamos que nas Escolas comuns, haja vista a complexidade dos objetos de estudo, essas crianças são mais desafiadas. Lidam com “estímulos abstratos” e, em consequência, suas funções cognitivas são mobilizadas o tempo todo. Por isso mesmo, têm mais chances de se desenvolverem psiquicamente (desde que os recursos de acessibilidade sejam garantidos).

Todo tipo de problema apresentado pelo estudante é aceito pela rede de Ensino especial?

Não encaramos a deficiência como um problema em si. O problema resulta de sua interação com o meio social. Se o meio não for acessível (no sentido mais abrangente do termo), então o limite apresentado pela pessoa com deficiência acaba sendo intransponível ou muito difícil de ser superado.

Todas as pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (e outras necessidades educacionais especiais) podem ser matriculadas nas unidades educacionais da rede estadual.

Como funciona a rede de apoio à inclusão? Cada Escola tem uma equipe multiprofissional?

A Rede de Apoio à Inclusão tem por objetivo desenvolver ações que subsidiem os profissionais da Educação no desenvolvimento do processo Ensino-aprendizagem dos estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, considerando suas potencialidades e suas limitações. É composta por uma equipe multiprofissional formada por assistentes sociais, fonoaudiólogos, pedagogos e psicólogos, além de Professores de atendimento educacional especializado, profissional de apoio à inclusão, intérprete e instrutor de Libras, instrutor de Braille e profissional de apoio administrativo de higienização.

Os profissionais dessa equipe (especialmente psicólogos e fonoaudiólogos) não realizam trabalho clínico/terapêutico. Sua atuação é fundamentalmente educacional, realizando triagens dos educandos, orientações aos profissionais das unidades educacionais e às famílias. Por esse motivo não contamos com uma equipe em cada unidade educacional, mas a equipe, sendo itinerante, acompanha cada uma dessas unidades.

O que é um Centro de Atendimento Educacional Especializado? Onde funciona?

Os Centros de Atendimento Educacional Especializado (CAEEs) referem-se às instituições especializadas que atualmente oferecem o Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno da Escolarização e também projetos específicos, tais como: Autonomia, Socialização e Interação (ASI), Formação Inicial do Trabalhador (FIT) e projeto Refazer para pessoas com deficiências, transtornos e/ou necessidades específicas, independentes de estar ou não matriculados na rede regular de Ensino. Atualmente temos 32 CAEEs, distribuídos nas Subsecretarias Regionais de Educação.

O que é um Núcleo de Atendimento? Onde funciona?

Os núcleos são espaços de formação, atendimento e recursos. Contamos com quatro núcleos representados pelos seguintes centros: Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS); Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAP); Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) e Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar.

Do que se trata os projetos Re-Fazer, ASI e FIT?

O projeto RE-fazer é um atendimento pedagógico especializado destinado a estudantes com autismo. Considerando suas dificuldades de interação, comunicação, previsibilidade, as alterações da atenção e comportamento apresentado, estes educandos requerem um planejamento individual que buscará desenvolver o máximo de potencialidades de cada estudante.

O projeto Autonomia, Socialização e Interação (ASI) é destinado aos educandos com comprometimento intelectual de nível de apoio generalizado ou difusivo ou com paralisia cerebral associada à deficiência intelectual também de caráter acentuado e FIT (Formação Inicial do Trabalhador) tem como objetivo preparar os educandos com deficiência para o trabalho.

As Escolas e toda a rede de atendimento estão equipadas e com pessoal capacitado para atender todos os que necessitam?

A Secadi/MEC disponibiliza, por meio do programa Escola Acessível, recursos às unidades educacionais inclusivas para a compra de materiais de acessibilidade e também para adequarem sua estrutura física, tornando-as arquitetonicamente acessíveis. Atualmente, 823 unidades educacionais foram beneficiadas por esse programa. Além desse programa, o MEC também encaminha às unidades educacionais, por meio do programa Sala de Recursos Multifuncionais, equipamentos específicos para a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Ao todo, hoje temos 893 Escolas da rede estadual contempladas por esse programa.

O que ainda é necessário para um atendimento especial que possa ser referência e servir de modelo?

Uma Educação de qualidade para todos implica em uma sociedade para todos. Quer dizer, incluir efetivamente as pessoas com deficiência não é um desafio apenas da Educação, mas de todos os setores sociais. Estamos caminhando nesse sentido. No caso específico da Escola, precisamos persistir com as ações de formação voltadas apara os profissionais direta ou indiretamente ligados aos educandos com algum tipo de deficiência.

Quem é e o que faz?

Lorena Resende Carvalho é mestra em Educação pela Universidade Católica de Goiás, graduada em Fonoaudiologia pela mesma instituição (1994) e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Atualmente é gerente de Ensino Especial da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) e também leciona em cursos de pós-graduação por diferentes instituições.

Tem experiência quanto ao atendimento clínico e didático/metodológico em Fonoaudiologia, com ênfase em Leitura e Escrita, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, práticas educacionais, inclusão, deficiência intelectual e letramento. Pesquisa, principalmente, questões ligadas à práticas educacionais no contexto da Educação inclusiva.

Aluno com deficiência vai melhor em escola comum, afirma estudo

Pesquisa avaliou desempenho de 62 crianças matriculadas em instituições de Ensino em SP. Resultado é mais um dado para um debate que divide tanto as famílias quanto os Educadores do setor

Fonte: Folha de S.Paulo (SP)

Estudo da Apae de São Paulo recém-concluído indica que crianças com deficiência intelectual em Escola comum se desenvolvem melhor do que em unidade especial.

O resultado é elemento novo em debate que divide as famílias e até mesmo as Apaes: Para o deficiente são melhores as Escolas regulares, com contato com outras crianças, mas atendimento menos individual? Ou as especiais, com atendimento especializado, mas sem convívio com colegas sem deficiência?

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Acesso à íntegra 

Escolas públicas e privadas do Rio terão que aceitar alunos autistas

Lei já sancionada pelo governador do estado prevê que, em cada turma, sejam oferecidas duas vagas

Fonte: O Globo Online

Todas os colégios particulares do Rio e as Escolas da rede pública de Ensino terão de oferecer, a partir de agora, duas vagas em cada turma para crianças e adolescentes com autismo. A lei, de autoria do deputado Xandrinho (PV), foi sancionada na quinta-feira pelo governador Sérgio Cabral e expõe as dificuldades da Educação inclusiva. Embora uma lei federal já determine, desde 2009, que toda Escola deve aceitar crianças com necessidades especiais, a realidade ainda é muito diferente.

— Muitas Escolas alegam não ter vaga na hora da matrícula de um autista. Com a lei, espero que o preconceito seja superado — diz o deputado.

Para Luciano Aragão, presidente da ONG Mundo Azul, que presta auxílio, inclusive jurídico, a pais de crianças autistas, a lei é mais uma tentativa para fazer as Escolas se adequarem.

— Elas já deviam estar adequadas para Alunos com necessidades especiais desde 2009. Precisavam ter intérpretes da linguagem de sinais, máquinas que traduzem para o braile, Professores capacitados para atender autistas. Ninguém fez nada.

Flexa Ribeiro: ‘equívoco’
Aragão diz que a situação é menos grave na rede estadual, que tem um núcleo voltado para os Alunos com necessidades especiais — 4.625 na rede em um universo de quase 900 mil Alunos. Segundo dados da Secretaria de Educação, 107 autistas estão matriculados.

— O estado tem treinamento de Professores, mas não oferece Educação inclusiva plena, com apoio Escolar após o turno normal e um mediador para acompanhar a criança em sala de aula. A rede particular de Ensino não está preparada — diz Aragão.

Segundo ele, a ONG costuma receber queixas de pais que não conseguem matricular seus filhos em Escolas particulares. E quando elas são aceitas, diz, falta preparo dos Professores.

— Enquanto a turma assiste à aula, tem Aluno autista que fica num canto, brincando de massinha. Já tivemos relato de Professora que responde a todas as perguntas da turma, menos às feitas pelo Aluno autista.

O presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Município do Rio, Edgar Flexa Ribeiro, diz considerar a lei um equívoco:

— As Escolas não estão preparadas. Algumas até estão, mas a maioria não se propõe a ter esse tipo de serviço. Não se pode pedir que todas as Escolas sejam iguais, cada uma tem uma vocação.

Avô de uma criança autista, Flexa Ribeiro conta que ela não estuda no colégio do qual ele é dono:
— Era preciso um colégio menor. Com essa lei, tenho pena das crianças autistas. Se é para pôr duas por turma, a Escola põe, mas isso vai ser bom para o autista? Se o que se vai fazer é enganar os pais, ok. Você não tem Professores preparados. São pouquíssimos.

O sorriso sumiu. A vaga, idem

Felipe tinha 5 aninhos e era hora de tirá-lo da creche onde ele estudava desde os 2. Liguei para uma escola que dizia ser, segundo seu site, “plural e coerente com uma sociedade mais justa e democrática”. Parecia perfeita. Liguei para saber se tinha vaga. Sim! Na visita, a sorridente diretora me apresentou o projeto pedagógico e as instalações. Ao fim do tour, contei que meu filho era autista. O sorriso dela desapareceu... junto com a vaga.

A história se repetiu em outras cinco escolas. A alegação para a persistente recusa? A falta de condições de receber alunos autistas, começando pela falta de capacitação dos professores. Concordo que sejam escassos os profissionais qualificados para trabalhar com crianças com o transtorno. Mas quando eles existirão? Só no dia em que essa for a realidade das salas de aula.

É claro que o educador, aquele que se comprometeu com a nobre missão de ensinar, não vai fazer discriminação (ou vai?). Ele só precisa conhecer a melhor forma de transmitir seus conhecimentos para essas crianças. Afinal, autistas ou não, cada um de nós aprende de forma diferente.

Alguns dirão: existem as escolas especiais. Acontece que no futuro não haverá bairros especiais, empregos especiais, shoppings especiais. A sistemática exclusão mostra que é preciso, sim, radicalizar a inclusão, primeiramente obrigando as escolas regulares a receber alunos autistas; depois, cobrando regulamentações para as transformações que forem necessárias.

A inclusão é um dos princípios fundamentais dos direitos humanos. Que se faça valer o direito do meu filho. E posso garantir, diretora: se você conhecesse o Felipe, se apaixonaria por ele.

*Luciana Calaza é jornalista e autora do blog “Nosso Príncipe Felipe”

Todos pela educação

 




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