Jovens não querem ser professores
Jovens estudantes brasileiros não querem ser professores
Levantamento mostra que 59,77% acham profissão desvalorizada e com más condições
A professora Fernanda Dusse consegue se comunicar com sua turma adolescente
PUBLICADO EM 09/02/14 - 04h00
Ser professor do ensino básico não é uma alternativa para a maior parte dos estudantes brasileiros. É o que mostra pesquisa recente realizada pelo núcleo de estagiários e aprendizes Nube. A enquete online perguntou aos estudantes “você tem vontade de ser professor do ensino fundamental e médio?” e contou com a participação de 6.910 jovens. Desses, 40,08% responderam “não, é uma profissão cada vez mais desvalorizada”, e 19,69% marcaram a opção “Já tive vontade, mas desisti pelas más condições”.
“O que a pesquisa frisa é a imagem que o jovem tem do sistema de ensino no Brasil, que ele vê com descrédito. Esse jovem vê os colegas desacatando os professores e escolhe não ser professor”, analisa o psicólogo Henrique Ohl, que atua como analista de treinamento no Nube.
As salas de aula refletem bem o resultado da pesquisa. Em uma das turmas de 1º ano do ensino médio do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto, somente três dos 25 alunos presentes no dia da visita da reportagem de O TEMPO afirmaram ter vontade de ser professor. “Eu não seria porque minha mãe é professora e eu vejo o esforço que ela faz. Todos os dias, ela prepara as aulas e, muitas vezes, chega em casa chateada porque não consegue dar as aulas do jeito que ela havia planejado. Todo mundo desrespeita, é uma vergonha. E ela não recebe bem”, conta a estudante Clara Tossige, 16.
“Eu não tenho paciência para ser professora de adolescentes. Por ser desvalorizada também não seria professora. Acho que os professores deveriam receber mais pelo estresse que passam”, dispara a também estudante Iasmin de Paula, 17.
Dados sobre a educação no Brasil
Desencontro.
Outro fator que contribui para esse desinteresse é a distância que a escola tomou da realidade de crianças e adolescentes. “Há uma tendência (por parte dos estudantes) à negação da escola, pois ela tende a não reconhecer as especificidades do jovem”, comenta o integrante do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Juarez Dayrell. Ele afirma que as escolas ignorarem o novo estilo de vida promovido pelos avanços tecnológicos também não contribui para uma melhor visão da instituição. “Hoje, o menino entra no Google e fica sabendo de qualquer assunto. A escola continua insistindo na transmissão – e não na produção – de conhecimento e se tornou muito chata”, condena.
A solução para esse conflito é apresentada pelos próprios estudantes. “Alguns professores conseguem fazer com que seus alunos tenham vontade de aprender. Diversificar o modo de ensino e sair um pouco do padrão algumas vezes já torna a aula interessante”, revela a estudante Letícia Anjos, 16. E essa quebra de protocolo pode ser feita mesmo sem o uso de tecnologias. “Muitas vezes, o professor insere as tecnologias na aula, mas de forma totalmente despreparada”, opina Lucas de Castro, 15.
Apagão.
Com tamanho desinteresse por uma carreira de licenciatura, já é possível prever um “apagão” de professores. “Já demos um primeiro passo nessa direção. Segundo o Ministério de Educação e Cultura, temos um déficit de 180 mil profissionais para vagas de matemática, física e química”, afirma Ohl. Mas isso não significa que o Brasil ficará sem professores. “Essas vagas serão ocupadas por outros profissionais. Engenheiros para as aulas de física, por exemplo”.
Se, por um lado, os jovens não mostram vontade de ser professor, por outro, sabem que suas opiniões ainda têm muito a mudar. “Vocação não é alguma coisa que você tem, é algo que você vai adquirindo com a idade”, reflete o estudante Daniel Alves, 16, com a sabedoria de um professor.
19,5% dos estudantes fazem cursos de licenciatura, que lhes habilitam a dar aulas para o ensino básico.
Depoimento
“Eles são por vezes imediatistas, mas são também sensíveis”
PUBLICADO EM 11/02/14 - 16h22
Aos 17 anos, afirmei que queria cursar letras para ser roteirista. Acho que a rebeldia de quem está saindo da escola nos impede de assumir que o sonho é voltar logo para lá. Hoje em dia, morro de orgulho de ser professora de uma escola pública que funciona bem, com alunos dedicados e possibilidades de construir minhas aulas com autonomia, sem ter que sempre me curvar ao desejo dos pais, dos coordenadores ou dos demais professores. Sem dúvida, a melhor parte do meu trabalho é o dinamismo que o convívio com adolescentes possibilita.
Minhas aulas (e, portanto, meu convívio com eles) se baseiam na troca de opiniões e perspectivas, sem o medo do certo e do errado, mas com liberdade e respeito. Sem dúvida, é sempre um desafio competir com computadores, celulares e fones de ouvido (e acho importante dizer que muitas vezes a aula perde para as máquinas, e esse é um dos temas mais recorrentes nas conversas de professores). A verdade é que muitas vezes não lemos as mesmas coisas nem fazemos os mesmos programas nas horas de lazer. Fascinante é percebê-los, ainda assim, tão dispostos a ler o que eu sugiro e se apaixonar, pouco a pouco, pelo o que me apaixona também.
Vejo que meus alunos se interessam muito mais por uma boa discussão ou um bom texto que pela tentativa forçada de inserir a tecnologia na sala de aula. Outro problema é tratá-los como cidadãos do futuro, que estão aprendendo para depois poder agir. Os jovens são agitados e por vezes imediatistas, mas são também sensíveis, abertos ao novo e muito curiosos.
Percebo que as aulas que mais os entusiasmam são aquelas que eu planejei com muito estudo e dedicação, gastando, às vezes, muito mais horas para preparar uma aula do que o tempo efetivo em sala. O que busco é não enganá-los, fingindo que também entendo de games e ficção científica, e acho que eles percebem essa verdade em mim.
Finalmente, acredito que sou vista como referência por eles, que me procuram constantemente para dizer das brigas com os pais ou dos problemas com namorados. Delícia foi no amigo-oculto da sala, quando me descreveram assim: “Todo mundo segue o Facebook dela, mas ninguém assume”.
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Opinião formada
“Visão unificada não te leva a lugar nenhum”
Uma mudança no perfil dos jovens faz com que eles não se interessem muito pelo universo da escola. “O jovem não aceita as coisas como são, como nas gerações mais antigas. Hoje, eles estão sempre perguntando ‘por quê’?”, afirma Juarez Dayrell, do Observatório da Juventude da UFMG. É a velha questão dos limites, que costuma ser vista como problema por gerações anteriores. Mas os próprios adolescentes veem como uma qualidade. “Não é que a nossa geração está sem limite, é que formamos a nossa opinião”, defende a estudante Ana Luiza Pimenta, 16. “O limite é necessário, até porque a vida em sociedade precisa de regras. Mas ter uma forma de pensar unificada não vai te levar a lugar nenhum”, completa Fernanda Moreira, 16. (RS)