Sentença Idade de corte

Sentença Idade de corte

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5000600-25.2013.404.7115/RS

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : ESTADO DE SANTA CATARINA
  : ESTADO DO PARANÁ
  : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
  : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

 

SENTENÇA

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL  originariamente em face da UNIÃO, na qual se objetiva, em apertada síntese, a condenação dos réus em obrigação de fazer, consistente na reavaliação dos critérios de admissão dos alunos ao primeiro ano do ensino fundamental, para que seja garantido, em especial, o acesso de crianças com seis anos incompletos (aniversariantes até dezembro do respectivo ano), que comprovem capacidade intelectual mediante avaliação psicopedagógica. Narra que, ao interpretar disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Conselho Nacional de Educação editou a Resolução CNE/CEB n° 1, de 14.1.2010, estabelecendo que somente crianças com seis anos de idade completados até 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula podem ter acesso ao primeiro ano do ensino fundamental - regra apenas excepcionada nos anos de 2010 e 2011, em que se admitiu a matrícula no ensino fundamental de crianças que completassem seis anos de idade após o início do ano letivo ou de crianças de cinco anos de idade com mais de dois anos de pré-escola cursados. Sustenta que o regramento restritivo em questão, além de não possuir amparo legal, viola garantias constitucionais de acesso ao ensino e, em especial, o preceito delineado pelo artigo 208, inciso V, da Constituição Federal. Considera que a capacidade de aprendizagem de tais crianças deva ser avaliada individualmente e não genericamente, bem como que não se mostra suficiente, para tal efeito, a adoção de simples critério cronológico. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, bem como a atribuição de eficácia nacional ao provimento jurisdicional proferido, em virtude da natureza do direito pleiteado.

Em decisão lançada ao evento 12, o juízo indeferiu parcialmente a inicial, restringindo os efeitos da demanda aos limites delineados pela competência territorial da Subseção Judiciária de Santa Rosa. Por outro lado, diferiu a análise do pedido de antecipação de tutela.

 A decisão de juízo foi parcialmente reformada pela Corte Regional, para que a abrangência da Ação Civil Pública abarcasse os três Estados que compõe a 4ª Região.

Houve emenda à inicial e foram citados o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, o ESTADO DO PARANÁ e o ESTADO DE SANTA CATARINA para integrarem o pólo passivo do feito.

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofertou contestação (evento 51), arguindo, preliminarmente: (a) sua ilegitimidade passiva, tendo em vista que a pretensão coletiva declinada na inicial se dirige unicamente em desfavor da União; (b) na hipótese de desacolhimento da preliminar anterior, a integração do feito também pelos Municípios e escolas particulares que prestam ensino fundamental no âmbito da 4ª Região; (c) inadequação da via processual eleita para invocação da tutela jurisdicional, porquanto a ação civil pública não pode servir de supedâneo à ação declaratória de inconstitucionalidade; (d) necessidade de restrição do alcance das decisões proferidas na presente demanda aos limites jurisdicionais da Subseção Judiciária de Santa Rosa. No mérito, sustentou a legalidade dos atos impugnados na inicial, uma vez que é função constitucional privativa do legislador dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional, acrescentando que a restrição cronológica de acesso ao ensino fundamental combatida pelo Ministério Público Federal encontra expressa previsão legal e também amparo pedagógico. Defendeu, por outro lado, que no exercício de seu poder regulamentar, o Conselho Nacional de Educação possui atribuições normativas. Lembrou que os Estados devem atentar para o cumprimento de diretrizes curriculares nacionais, bem como que a formação da criança envolve o resguardo de outros componentes, que não apenas o intelectivo; razão por que entende inadequado acelerar o processo de aprendizagem, como pretendido na inicial. Apontou para a possibilidade legalmente prevista de avanço escolar do aluno a qualquer série ou etapa que lhe for adequada, mediante verificação de aprendizado, exceto no primeiro ano do ensino fundamental. Aduziu que a adoção de critério objetivo garante a igualdade de condições para acesso e permanência na escola. Por fim, pontuou que, em matéria relativa a políticas públicas, o Poder Judiciário deve atuar em auto-contenção, evitando adentrar em espaço reservado aos demais Poderes; como também atentar para a limitação de recursos disponíveis para implementação das medidas postuladas na inicial (princípio da reserva do possível).

 A UNIÃO também contestou o feito (evento 52), arguindo as seguintes preliminares: (a) reconhecimento da litispendência ou da continência em relação a ações coletivas anteriormente ajuizadas em seu desfavor; (b) inexistência de interesse difuso que justifique o ajuizamento de ação civil pública; (c) inadequação da via processual eleita; (c) necessidade de suspensão do feito até o julgamento da ADC n. 17. No mérito, defendeu a legalidade dos atos combatidos na inicial, os quais decorreram de intensos estudos realizados por órgãos técnicos do Ministério da Educação e retratam preocupação com o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Salientou que, ademais, na hipótese o Conselho Nacional de educação não extrapolou de suas atribuições normativas. Lembrou que o ordenamento jurídico estabelece outras hipóteses de limitação etária para constituição de determinados fatos jurídicos. Apontou que a inadaptação da criança demasiadamente nova, ao ingressar no ambiente do ensino fundamental, pode causar-lhe consequências nefastas. Aduziu que as normas atacadas na inicial trazem em seu bojo preceitos de ordem abstrata, aplicáveis indistintamente a todos; retratando política pública desenvolvida da área educacional - sendo que a intervenção judicial, em tais hipóteses, somente se revela admissível em caso de manifesta violação a preceito fundamental e, ainda, com resguardo ao princípio da reserva do possível. Sublinhou que sequer entre os operadores do Direito existe consenso no tocante ao tema em litígio, bem como que as Resoluções CNE mencionadas na inicial não causam prejuízos a crianças menores de seis anos, normalmente atendidas pela rede de educação infantil. Finalmente, pugnou pela restrição do alcance da presente demanda aos limites jurisdicionais da Subseção Judiciária de Santa Rosa, bem como pela concessão de prazo razoável para cumprimento de eventual medida judicial deferida pelo Juízo.

 Por seu turno, o ESTADO DE SANTA CATARINA ofereceu contestação lançada ao evento 53, arguindo, preliminarmente: (a) sua ilegitimidade para integrar o feito, tendo em vista que cumpre aos municípios atuarem prioritariamente no ensino fundamental; (b) inadequação da via processualmente eleita para controle de constitucionalidade; (c) necessidade de restrição dos efeitos da demanda aos limites jurisdicionais da Subseção Judiciária de Santa Rosa. No mérito, discorreu sobre a legalidade das normas impugnadas na inicial, acrescentando que o critério etário para ingresso no ensino fundamental decorreu de estudos e debates travados entre órgãos técnicos do Ministério da Educação com representantes dos sistemas de ensino estaduais e municipais. Lembrou que o ingresso precoce de infantes ao ensino fundamental suprime etapa importante de seu desenvolvimento.

 A contestação do ESTADO DO PARANÁ foi jungida ao evento 54. Sustentou que deve integrar a lide como assistente litisconsorcial da União e não como réu, na medida em que seu Conselho Estadual de Educação apenas reproduz a legislação emanada do Conselho Federal. Também pugnou pela suspensão do feito até o julgamento da ADC n. 17. No mérito, defendeu serem imprevisíveis as consequências de eventual deferimento da medida pleiteada na inicial, lembrando que as despesas daí decorrentes não possuem previsão orçamentária, lembrando ainda que é vedado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo ou mesmo invadir campo de reserva do Poder Executivo. Salientou que o critério combatido é objetivo e impessoal, sendo também adotado em outros países; bem como que a interpretação razoável da lei indica, justamente, que para ingresso no ensino fundamental a criança deve ter seis anos completos no ato da matrícula.

 Posteriormente, a União manifestou-se, requerendo a suspensão do feito até o julgamento da medida liminar pleiteada no bojo da ADPF 292.

 Houve réplica (evento 59) na qual o Ministério Público Federal reiterou seus argumentos iniciais e rebateu os argumentos esgrimidos nas contestações.

 Por se tratar de matéria eminentemente de direito, vieram os autos conclusos para julgamento antecipado.

 É o relatório. Decido.

 PRELIMINARES

 Algumas das preliminares invocadas pelos requeridos já foram apreciadas por este juízo, em decisão saneadora.

 Em primeiro lugar, tal como pontuei em decisão lançada ao evento 12, o interesse tutelado pela presente ação civil pública (acesso ao ensino fundamental) possui natureza difusa, porquanto transindividual e indivisível, uma vez que seus titulares são, efetivamente, pessoas indeterminadas, ligadas por meras circunstâncias de fato.

 Com efeito, não se está diante de 'situações pontuais e excepcionais, definidas exclusivamente pelas condições pessoais de cada criança específica', tal como sustentado pela União, mas de matéria afeta diretamente ao direito à educação, interessando a todo e qualquer indivíduo que hoje ou no futuro esteja prestes a ingressar no ensino fundamental - pois o objeto da demanda coletiva envolve, notadamente, direito da criança de ter sua capacidade intelectual avaliada antes do início do ano letivo em que completa seis anos de idade.

 O pedido, ademais, reveste-se de efeitos concretos, não se confundindo com o objeto da ADC nº 17 - tanto que naquela ação de controle abstrato de constitucionalidade o Exmo. Ministro Relator, ao apreciar o pedido liminar, não considerou conveniente determinar a suspensão das ações que envolvessem a aplicação dos artigos 24, II, 31 e 32, caput, da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), com redação dada pela Lei 11.274/2006. Pelos mesmos motivos, o posterior ajuizamento da ADPF 292, pela Procuradoria-Geral da República, não justifica a suspensão do presente feito.

 Na citada decisão saneadora, por outro lado, acolhi parcialmente os argumentos da União para reconhecer que, diante da natureza cominatória dos pedidos veiculados na inicial, o feito não deva ser integrado apenas pela União, mas também pelos Estados envolvidos na presente celeuma, em litisconsórcio necessário.

Isso porque, diversamente do que se poderia extrair do relato inaugural, os requisitos de acesso ao ensino fundamental são também disciplinados complementarmente pelos últimos, tanto que no Estado do Rio Grande do Sul a matéria foi tratada pela Resolução nº 311/2010, emitida pelo Conselho Estadual de Educação, a qual estabelece:

 3.2. Destaca-se que deverá ser salvaguardado o direito da criança ao Ensino Fundamental, em idade própria, respeitada a idade de ingresso estabelecida nos respectivos sistemas de ensino, sendo para as redes públicas, estadual e municipal, 6 anos completos ou a completar até 31.3.2012.

 Parece-me óbvio - especialmente a partir da leitura do parágrafo segundo do artigo oitavo da LDB - que não cabe aos conselhos estaduais de educação simplesmente ratificar determinações exaradas pelo Conselho Federal (especialmente quando as últimas padecerem de ilegalidade ou de inconstitucionalidade), do contrário sequer haveria razão para a existência dos primeiros.

 De outra parte, o Estado do Rio Grande do Sul inova ao defender alternativamente em sua contestação que também os municípios e as escolas particulares atuantes na educação fundamental deveriam integrar o feito em litisconsórcio passivo necessário.

 Razão não lhe assiste. A uma, porque as escolas particulares que oferecem ensino fundamental integram o Sistema Estadual de Ensino (artigo 17, III, da Lei 9.394/96), sujeitando-se, por conseguinte, ao regramento advindo dos Conselhos Estaduais de Educação (artigo 7º, inciso I, da Lei 9.394/96); em segundo lugar, porque não se trouxe aos autos normatização semelhante àquela combatida na inicial exarada por algum Ente Municipal, sendo certo que as políticas públicas educacionais promovidas pelos municípios normalmente se alinham à disciplina estabelecida pelos Conselhos Estaduais e pelo Conselho Nacional de Educação (até porque, conforme preceitua o artigo 24, inciso IX, e §§, da CRFB, os municípios não detêm competência para legislar sobre educação, uma vez que 'compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a educação e a ciência'), sendo certo que a hipótese improvável de insurgência de algum Ente Municipal em relação a diretrizes estaduais ou federais pode ser objeto de futura demanda específica.

 Ademais, consoante observou o Ministério Público Federal em réplica às contestações apresentadas, 'a extensão da eficácia da sentença em relação a terceiros não exige a presença destes na relação processual. Com efeito, na sentença está contido um comando que vale 'erga omnes', que afetará todos, sejam eles ou não partes na ação - apenas a imutabilidade da sentença está sujeita a limites, i.e., a coisa julgada é que opera efeitos inter partes.

 Nessa linha, a retirada das Resoluções CNE/CBE - ou de disposições destas - do mundo jurídico, em razão da reavaliação dos critérios ali contidos pela UNIÃO e segundo ficou determinado, pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, implicará apenas a 'desvinculação' dos municípios e escolas particulares que prestam ensino fundamental - diga-se, das instituições de ensino municipais e particulares - aos termos daquelas, doravante não mais vigentes. Pouco importa não tenham estes integrado a relação processual, pois decorrerá da eficácia natural da sentença, caso se condene a UNIÃO e os demais entes federativos demandados à obrigação de fazer ora almejada.'

 Não é também o caso de reconhecimento de litispendência ou continência em relação a outras demandas coletivas já ajuizadas, que tratam de matéria semelhante.

 Consoante pontuei anteriormente, em decisão saneadora, o próprio alcance da medida antecipatória proferida no âmbito da Ação Civil pública nº 0013466-31.2011.4.05.8300, citada pela União, a qual tramita perante a 2ª Vara Federal de Recife (que possuía, originariamente, abrangência nacional), restou limitado pelo Tribunal Regional da 5ª Região. Da mesma forma, nos diversos outros feitos até agora citados pelas partes inexiste provimento de alcance nacional - ou regional, restringindo-se à área de abrangência da Justiça Federal da 4ª Região - suspendendo as Resoluções acima aludidas.

 No que toca, a propósito, à abrangência jurisdicional do presente feito, já houve manifestação expressa no Tribunal Regional Federal da 4ª Região no âmbito do AI n. 5010053-49.2013.404.0000, restando a este Juízo curvar-se à decisão de segunda instância, assim ementada:

 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR

1 - A sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga onmes, nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei nº. 7.437/85, alterado pela Lei nº. 9.494/97.

- A eficácia erga omnes da sentença em ação civil pública circunscreve-se aos limites da jurisdição do Tribunal competente para julgar o recurso ordinário. (interpretação do Ministro Ari Pargendler a respeito do art. 16 da LACP).

- O tribunal competente para julgar recurso, na esfera federal, é esta Corte, razão pela qual a eficácia da ACP abrange os três Estados que compõe a 4ª Região.'

 Em razão de tais fundamentos, rejeito as preliminares invocadas pelos litigantes e mantenho os requeridos no pólo passivo do feito, reafirmando, de outra parte, que a eficácia 'erga omnes' da presente sentença circunscreve-se aos limites da jurisdição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).

 MÉRITO

 A discussão de fundo travada na presente ação civil pública envolve, basicamente, a legalidade e constitucionalidade das disposições insertas na Resolução CNE/CEB n° 1, de 14.1.2010 e demais atos que a seguiram (inclusive emanados de Conselhos Estaduais), os quais definiram que somente crianças com seis anos de idade completados até 31 de março do ano letivo podem ter acesso ao primeiro ano do ensino fundamental.

 No entender dos requeridos, os atos infralegais impugnados pelo Ministério Público Federal apenas repetiram regra prevista na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), refletindo, ademais, verdadeira política pública nacional na área de educação, regularmente delineada pelo Poder Executivo, nos limites de suas funções constitucionais.

 Sob tal enfoque, convém desde logo assinalar que a citada Lei 9.394/96 (LDB), ainda que estabeleça o critério cronológico de seis anos para acesso ao ensino fundamental, jamais dispôs que tal acesso pudesse ser restringido por atos infralegais, nem delegou ao Poder Executivo a faculdade de estabelecer data de corte restritiva para tanto.

 Senão, vejamos a transcrição da norma legal em comento:

 Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)

 i - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

 Consoante se extrai da transcrição, em primeiro lugar é preciso reconhecer, objetivamente, que a citada Resolução CNE/CEB n° 1, de 14.1.2010 inovou na ordem jurídica, ao estabelecer critério de corte (aniversário de seis anos até 31 de março do ano respectivo) não previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

 Em um primeiro ponto, portanto, a discussão insere-se no âmbito da própria legalidade da medida combatida na inicial.

 Nesse passo, segundo os requeridos, a regulamentação emanada do Conselho Nacional de Educação apenas retrataria interpretação lógica e sistemática da LDB, pois se a mesma estabelece obrigatoriedade de acesso ao ensino fundamental aos seis anos de idade - logicamente - apenas crianças com seis anos completos na data do início do ano letivo poderiam ter acesso ao ensino fundamental.

 O argumento não se sustenta por várias razões.

 De início, convém reconhecer - a partir da prova material encartada ao feito - que a data de corte prevista na citada Resolução CNE/CEB n° 1 (dia 31 de março) não foi fixada a partir de critérios técnico-pedagógicos: a uma porque não guarda relação com o início do ano letivo (este, normalmente se inicia em fevereiro) ou mesmo com o período estabelecido para matrícula dos infantes (normalmente, realizada no ano anterior ao início das aulas); a duas, porque não se acostou aos autos qualquer estudo científico que embase o estabelecimento da data em questão; a três, porque nos §§ 1º e 2º do artigo 4º da mesma Resolução CNE/CEB n° 1/2010, bem como nos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Resolução CNE/CEB n° 6/2010, o próprio Conselho Nacional de Educação já flexionou a regra de corte em discussão para os anos de 2010 e 2011, então admitindo a matrícula no ensino fundamental de crianças com mais de dois anos de pré-escola cursados que completassem seis anos de idade após o início do ano letivo.

 Conclui-se, destarte, que a data de corte em exame, ainda lastreada em parecer exarado pelo Conselho Nacional de Educação, a rigor, não se pauta em critérios pedagógicos. Pode-se ir adiante: a partir das defesas ofertadas na presente demanda, é possível concluir que se orienta por critérios essencialmente burocráticos, visando à facilitação organizacional dos sistemas de ensino.

 A União e os Estados requeridos argumentam que o Conselho Nacional de Educação possui, de qualquer sorte, atribuições normativas conferidas pelo artigo 9º, inciso I, da LDB; bem como pelo artigo 7º da Lei 4.24/61; além do que, a fixação da aludida data de corte se inseriria dentro do campo de discricionariedade conferido à Autoridade Administrativa.

 Não se pode deixar de ter presente, entretanto, que o amplo acesso à educação caracteriza-se, formal e materialmente, como Direito Fundamental previsto, em especial, nos artigos 6º, 205 e 208, § 1º, da Constituição Federal.

 E deveria ser uma obviedade afirmar que um ato administrativo, ainda que supostamente autorizado por lei, possa restringir um Direito Fundamental.

 Vale dizer, o poder regulamentar conferido ao Conselho Nacional de Educação encontra limites claros que não podem ser extrapolados, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

 Destarte, se a Lei 9.394/96 não estabeleceu data de corte para acesso ao ensino fundamental, não cabe ao Administrador fazê-lo, sob pena de usurpação da função legislativa.

 Cabe apontar aqui, ademais, que a própria LDB, corroborando a previsão constitucional, definiu expressamente em seu artigo quinto que 'o acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo'   (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).

 E, no mesmo sentido, dispõe a Lei no 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente):

 Art. 54. E dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

 I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

(...)

 § 1o O acesso ao ensino obrigatório e gratuito e direito publico subjetivo.

 O tema, diga-se de passagem, foi enfrentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça em julgado no qual se chegou a conclusão muito semelhante. Senão, vejamos a transcrição da respectiva ementa:

 8.069/90. DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL AOS MENORES DE SEIS ANOS 'INCOMPLETOS'. PRECEITO CONSTITUCIONAL REPRODUZIDO NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NAO PROGRAMATICA. EXIGIBILIDADE EM JUIZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE AS CRIANCAS SITUADAS NESSA FAIXA ETARIA.

 1. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é indisponível, em função do bem comum, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

 2. Menores de seis anos incompletos têm direito, com base em norma constitucional reproduzida no art. 54 do ECA (Lei 8.069/90), ao ensino fundamental.

 3. Consagrado, por um angulo, o dever do Estado; revela-se, por outro, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do principio da inafastabilidade da jurisdição, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei enquadram-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da Ação Civil Pública.

 4. Descabida a tese da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, sem importância se mostra essa categorização. Tendo em vista a explicitude do ECA, e inequívoca a normatividade suficiente a promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito à educação.

 5. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Publica implica dispêndio, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes porquanto, no regime democrático e no estado de direito, o Estado soberano submete-se a própria Justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o Judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa da legislação.

6. Recurso Especial provido.

 (REsp 1189082/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,

julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011)

 Além disso, adentrando na seara constitucional, é preciso sublinhar que o artigo 208, inciso V, da CRFB é também explícito ao garantir acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (preceito, a propósito, repetido pelo inciso V do artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

 Sob todo esse enfoque, imperioso ressaltar que a limitação cronológica inflexível estabelecida pela citada Resolução CNE/CEB n° 1 além de extrapolar função regulamentadora conferida ao Poder Executivo, restringe injustificadamente o acesso a níveis mais elevados de ensino.

 Neste ponto, a propósito, reside a principal insurgência do Ministério Público Federal.

 Em sua defesa, os requeridos discorreram sobre os possíveis efeitos danosos que o ingresso prematuro ao ensino fundamental pode causar ao infante - e este argumento possui, efetivamente, lastro pedagógico.

 O pleito declinado na inicial, todavia, não envolve garantia de ingresso prematuro ao ensino fundamental. Antes disso, neste feito a parte autora pugna apenas pelo resguardo da efetividade do preceito constitucional garantidor de acesso a níveis mais elevados de ensino de acordo com a capacidade de cada um; o qual, no caso específico, envolve, necessariamente, avaliação adequada da criança para ingresso no ensino fundamental.

 E é de se reconhecer, no ponto, que em relação ao tema, tanto a UNIÃO, quanto os ESTADOS requeridos estão se furtando de tornar efetiva a norma constitucional, poisao invés de ampliar o acesso ao ensino fundamental acabaram por restringi-lo.

 É falaciosa, portanto, a afirmativa de que a interpretação lógico-sistemática da lei de regência albergaria as disposições exaradas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, ora em exame.

 Muito pelo contrário: consoante acima adiantado, as previsões constitucionais e legais que regem o tema traduzem obrigação do Poder Público de organizar seus Sistemas de Ensino de forma a garantir AMPLIAÇÃO de acesso - e não RESTRIÇÃO de acesso - à educação.

 Esquivar-se, pois, de tal obrigação sob argumento de um possível prejuízo à formação do infante é estratégia que não resiste à análise sistematizada do tema.

 Neste ponto, a norma constitucional não deixa dúvidas de que, no tocante a acesso ao ensino (e, notadamente, no tocante a acesso a níveis mais elevados de ensino) é obrigação do Estado garantir avaliação individual dos interessados (pois é assim que se avalia a capacidade de cada um).

 Os critérios de discricionariedade de que dispõe o administrador público, assim, não podem desconsiderar a obrigatoriedade que lhe é imposta pelo próprio Texto Constitucional, sob pena de verdadeiro aniquilamento do direito fundamental em exame.

 E é cediço que na atualidade inexiste espaço para ato discricionário totalmente desvinculado de princípios norteadores da atividade pública, bem como de direitos e garantias assegurados pela Carta Maior. Neste sentido, já asseverou com propriedade a lição de Juarez Freitas que 'mostra-se vital para que as escolhas do agente público sejam vistas segundo um padrão objetivo de racionalidade, ainda que somente se logre alcançá-la analogicamente. Na empiria, em vez disso, tem-se assistido a noção de discricionariedade servir de refúgio para o devastador arbítrio, nem sempre de fácil ataque pelas vias assecurntórias atuais. Direitos fundamentais continuam sendo sufocados em nome da discrição, embora a Constituição tenha sido generosa ao estabelecer o catálogo aberto de tais direitos (...) imperativo esclarecer que, dada a subordinação dos agentes públicos à lei e ao Direito, a discricionariedade resulta invariavelmente vinculada aos princípios constitutivos do sistema e aos direitos fundamentais (...) admite-se, com naturalidade, que só existe discricionariedade vinculada a principio (...)'.

 Portanto, se a LDP garante direito de acesso ao ensino fundamental aos seis anos de idade e por critérios organizacionais os sistemas de ensino fixam data estanque para início do ano letivo, é direito subjetivo da criança que completa o requisito etário no decorrer do ano (independentemente de data), ser avaliada de forma particularizada; garantindo-se, assim, a aferição individual da sua capacidade de ingresso.

 De fato, tão nefasto quanto o ingresso precoce da criança no ensino fundamental pode ser o ingresso tardio de infantes emocional e intelectualmente capacitados para tanto, os quais, em uma sociedade de informação, venham a ter negado direito de avaliação que a própria Constituição Federal lhes assegura.

 Nessa linha, diferentemente do que sustentam os requeridos em suas contestações, ao albergar a tese formulada pelo MPF não se está rechaçando a possibilidade de estabelecimento de critério cronológico para produção de efeitos jurídicos, tal como previsto em nosso ordenamento, nas mais diversas áreas.

 No ponto, convém ressaltar que a redação atual da Carta Maior não estabelece idade mínima para ingresso no ensino fundamental, embora garanta a prestação da educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade - com o que se entende conforme à Constituição o citado artigo 32 da LDB no ponto em que estabelece a idade de seis anos para ingresso ao ensino fundamental (segunda etapa compreendida pela educação básica).

 Ocorre que, no sistema educacional pátrio, em que se estabelece data única para início do ano letivo, é cediço que, ao completarem seis anos de idade, as crianças (que até então frequentam a educação infantil) não são transpostas de imediato ao ensino fundamental.

 Daí se extrai a necessidade de regramento específico que compreenda o exame particularizado da criança nesse delicado período de seu desenvolvimento emocional e cognitivo - exatamente como previsto pelo Constituinte.

 Tal regramento pode-se efetivar no plano normativo regulamentar reservado para atuação dos Conselhos de Educação, desde que - reitero - atente-se para o ditame constitucional de garantia de acesso a níveis mais elevados de ensino.

 Dito de outra maneira, na fase etária em exame (período compreendido entre os cinco e seis anos de idade da criança), quando se está capacitado para PROGREDIR, obviamente, não se deve REGREDIR, ainda que isso se revele mais cômodo ao Poder Público.

 Mas a regressão (ou mesmo a estagnação) evolutiva da formação educacional efetivamente poderá ocorrer quando se estabelece, por conveniência administrativa, regra inflexível de corte baseada em critério puramente objetivo.

 Não se discute, a essa altura, que na presente demanda coletiva se está litigando em torno de políticas públicas promovidas na área educacional; cumprindo concordar que seu planejamento, condução e execução não é atribuição precípua do Poder Judiciário.

 Este, todavia, não pode se furtar de prestar a tutela jurisdicional em casos nos quais a deficiência ou omissão na prestação do serviço público esteja causando claro comprometimento à efetividade de Direito Fundamental, como no caso vertente.

 Com efeito, muito já se discutiu a respeito da amplitude do controle jurisdicional da Administração Pública, como também acerca da possibilidade de implementação de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário, mormente porque se trata de prestações estatais positivas. O tema já restou enfrentado, todavia, pelo próprio Pretório Excelso, no âmbito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, ocasião em que, naquela Corte Constitucional, se afirmou:

 (...) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ''Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976', p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ''não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado'' (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO) em flagrante violação à eficácia e a integridade dos direitos individuais ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusula revestida de conteúdo programático.(sem grifos no original) [26]

 Sob todo esse enfoque, extraio dos autos que, no caso em exame, efetivamente se está diante de ofensa ao direito fundamental de amplo acesso à educação, a recomendar o acolhimento do pedido formulado pelo Ministério Público Federal.

 Não se diga, ao final, que o pleito cominatório tecido na inicial esbarraria na ausência de previsão orçamentária, nem que o Poder Judiciário, em atenção ao princípio dareserva do possível, deva priorizar a higidez financeira do Estado, em detrimento do direito fundamental maculado.

 Convém observar que tal alegação foi esgrimida em termos genéricos pelos requeridos; vale dizer, não se demonstrou objetivamente a impossibilidade de prestação material discutida no presente feito, com o que, na linha de jurisprudência dominante, o argumento não deve ser acolhido.

 Tal como sublinha abalizada doutrina a respeito do tema 'o que se verifica, em muitos casos, é uma inversão hierárquica tanto em termos jurídico-normativos quanto em termos axiológicos, quando se pretende bloquear qualquer possibilidade de intervenção neste plano, a ponto de se privilegiar a legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades constitucionais e, o que é mais grave, prioridades em matéria de efetividade de direitos fundamentais. Tudo está a demonstrar, portanto e como bem recorda Eros Grau, que a assim designada reserva do possível 'não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se fosse assim, um direito social sob 'reserva de cofres cheios' equivaleria, na prática - como diz José Joaquim Gomes Canotilho - a nenhuma vinculação jurídica'. Importa, portanto, que se tenha sempre em mente, que quem 'governa' - pelo menos num Estado Democrático (e sempre constitucional) de Direito - é a Constituição, de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-se o dever de fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com seus elementos essenciais, que sempre serão limites (entre excesso e insuficiência!) da liberdade de conformação do legislador e da discricionariedade (sempre vinculada) do administrador e dos órgãos jurisdicionais. Nesta seara, embora já se tenham verificado expressivos avanços, seja em termos doutrinários, seja no plano jurisprudencial, há que seguir investindo significativamente (...)' (In: SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximaçõesRevista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008).

 Não se ignora, no ponto, que o Poder Público poderá ter algum custo financeiro com a operacionalização de sistemática destinada à avaliação particularizada da criança, apta a atender aos ditames de amplo acesso à educação discutidos na presente ação civil pública.

 É certo que mudanças de paradigma reclamam diferentes posturas e, no mais das vezes, organização de novos procedimentos de índole material.

 Não se pode deixar de observar, todavia, que os requeridos já possuem seus sistemas de ensino plenamente organizados, de molde que - estabelecida a discussão em termos genéricos - o impacto da presente decisão não tende a ser expressivo.

 Impõe-se, portanto, a procedência do pedido formulado na inicial, para que sejam afastadas, no ponto, as Resoluções combatidas na inicial; determinando que a UNIÃO e os ESTADOS disciplinem novamente o tema, escoimando de futuras Resoluções os vícios de ilegalidade reconhecidos na presente ação civil pública (notadamente, restrição objetiva de acesso ao ensino fundamental de crianças com seis anos incompletos no início do ano letivo).

 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

 A procedência do pedido traduz juízo não apenas de verossimilhança, mas de certeza quanto aos fatos e ao direito declinados na inicial.

 Por outro lado, o deferimento de medidas antecipatórias reclama caracterização de urgência na obtenção do provimento jurisdicional reclamado. Nesse passo, considero preenchido também este requisito, na medida em que a proteção ao direito fundamental de amplo acesso à educação é medida que, no caso específico, não pode aguardar o trânsito em julgado, frente aos prejuízos que da demora poderão advir aos infantes que estejam na faixa etária referida na fundamentação (os quais, atualmente, não estão tendo sua capacidade emocional e intelectual avaliada para efeito de ingresso no ensino fundamental).

 É o que já decidiu em caso semelhante nossa Corte Regional:

 ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLÍTICAS PÚBLICAS. SAÚDE E EDUCAÇÃO. COMUNIDADE INDÍGENA.TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA EM PARTE. FIXAÇÃO DE MULTA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. A urgência na concessão do ato antecipatório materializa-se na medida em que se está diante de direitos fundamentais e sobre os quais incumbe ao Poder Público proteger. A ação civil pública é instrumento capaz para tutelar a saúde e a educação, conforme precedentes do e. STJ (...) (TRF4, AG 5026067-11.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/01/2014)

 Por outro lado, atentando para o princípio da menor restrição possível, ponderando que a limitação cronológica em pauta se mantém desde ao ano de 2012 e considerando, finalmente, que se aproxima o início do ano letivo de 2014; considero justificável a concessão de prazo razoável, a fim de que os requeridos estruturem adequadamente seus sistemas de ensino, a fim de atender, em sua plenitude, o direito prestacional em tela a partir do ano letivo de 2015 (sem afastamento de outros critérios ampliativos de inclusão ao ensino fundamental).

 De qualquer sorte, convém desde logo sustar parcialmente os efeitos restritivos de acesso ao ensino fundamental previstos nas citadas Resoluções n° 1, de 14.1.2010 e n° 6, de 20.10.2010, editados pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, facultando aos Sistemas de Ensino da área de abrangência do TRF da 4ª Região possibilitarem o ingresso de infantes com seis anos incompletos no ensino fundamental independentemente de data de corte, disciplinando novos critérios que não envolvam a restrição objetiva discutida no presente feito (sem afastamento de outros critérios ampliativos de inclusão ao ensino fundamental).

 Ante o exposto, nos termos da fundamentação, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, a fim de: (a) reconhecer, nos termos dos artigos 6º, 205 e 208, inciso V e § 1º, da Constituição Federal e dos artigos 5º e 32 da Lei 9.394/96, o direito amplo de acesso ao ensino fundamental de todas as crianças com seis anos incompletos na data de início do ano letivo, desde que possuam capacidade para ingresso, a ser avaliada por critérios psicopedagógicos (sem afastamento de outros critérios ampliativos de inclusão ao ensino fundamental);afastando - e, em sede de antecipação de tutela, sustando parcialmente - disposições contrárias contidas nas Resoluções n° 1, de 14.1.2010 e n° 6, de 20.10.2010, editadas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, bem como de outros atos advindos de órgãos integrantes dos Estados requeridos que reproduziram regramento restritivo semelhante; (b) determinar aos requeridos - e, inclusive em sede antecipatória, já no ano letivo de 2015 - que promovam a reavaliação dos critérios de admissão dos alunos ao primeiro ano do ensino fundamental, garantido, em especial (e sem afastamento de outros critérios de inclusão), o acesso de crianças com seis anos incompletos no início do ano letivo que comprovem capacidade para tanto, mediante avaliação psicopedagógica.

 Nos termos acima delineados, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA para: (a) determinar que os requeridos estruturem adequadamente seus sistemas de ensino, a fim de atender, em sua plenitude, o direito prestacional especificado no dispositivo da presente sentença já a partir do ano letivo de 2015 (sem afastamento de outros critérios ampliativos de inclusão ao ensino fundamental); (b) facultar, desde logo, aos Sistemas de Ensino da área de abrangência do TRF da 4ª Região, possibilitarem o ingresso de infantes com seis anos incompletos no ensino fundamental independentemente de data de corte, disciplinando novos critérios que não envolvam a restrição objetiva discutida no presente feito (sem afastamento de outros critérios ampliativos de inclusão ao ensino fundamental).

 Demanda isenta de custas processuais.

 Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Santa Rosa, 07 de fevereiro de 2014.


Rafael Lago Salapata

Juiz Federal na Titularidade Plena

 

 


 

Documento eletrônico assinado por Rafael Lago Salapata, Juiz Federal na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 10663062v23 e, se solicitado, do código CRC 90B0C471.

 

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a):

Rafael Lago Salapata

Data e Hora:

10/02/2014 00:04

 




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