Educação apenas uma fase da vida?
‘Educação vista apenas como uma fase da vida acabou’
Por Raiana Ribeiro e Pedro Ribeiro Nogueira, do Portal Aprendiz - Revista Gestão Universitária - 10/03/2014 - Belo Horizonte, MG
Gerir o Conhecimento.
É como o economista e professor da pós-graduação na PUC-SP (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) Ladislau Dowbor encara o desafio de educar no século 21. Do escritório da sua casa, em São Paulo, o autor de mais de 40 obras sobre economia, gestão pública e educação falou ao Portal Aprendiz sobre como as inovações científicas e tecnológicas estão transformando os processos de ensino-aprendizagem e obrigando indivíduos, empresas e governos a adotarem novas medidas diante de um mundo regido pela informação.
“Quando falamos em educação, a gente pensa em professor, sala de aula e alunos. Eu passei a trabalhar com o conceito de gestão do conhecimento, algo muito mais amplo e que envolve deslocamentos profundos. A educação vista apenas como uma fase da vida acabou. Isso envolve cada vez mais gente, então temos que pensar o acesso e a interação com o conhecimento durante todas as fases da vida.”
Para compreender a gestão do conhecimento, segundo Dowbor, é preciso considerar três elementos. O primeiro é o fato de o conhecimento ter se tornado o principal fator de produção em todas as atividades econômicas. Já o segundo, encontra nas TICs (tecnologias de comunicação e informação) peças fundamentais para o acesso e troca de conhecimento produzido no planeta. E o terceiro vê na emergência do princípio da colaboração uma mudança de paradigma nas relações entre aqueles que produzem conhecimento.
“Se eu te dou meu relógio, eu fico sem ele. Se te passo conhecimento, ficamos ambos com ele. O uso não reduz o estoque, o que muda radicalmente todos processos econômicos, porque rende muito mais colaborar do que se esconder atrás de royalties, patentes, copyrights e coisas do gênero. Isso gera potencial para evoluirmos da guerra econômica, da desigualdade, da hierarquização para uma democratização geral”, afirma ele.
Essa nova lógica tende a mudar radicalmente o papel do professor. De acordo com Dowbor, não faz mais sentido pensar a transmissão de conhecimento da cabeça do educador ou da apostila, do livro, para a cabeça do estudante. “É preciso dar ao aluno ferramentas para que possa entender o que é relevante e o que não é, para que aprenda a organizar sua memória cientifica.” Nessa perspectiva, acrescenta o economista, o professor se converte em um articulador de potenciais.
A Escola
Ora, se o conhecimento está em todas as partes, qual será a função das escolas no futuro? A resposta parece simples, mas o número de experiências pelo mundo que já conseguiram ressignificar o espaço escolar denuncia o tamanho do desafio. Para Dowbor, a saída é cada vez mais a escola assumir o papel de articuladora do conhecimento e formuladora de perguntas.
“A grande questão é como formular a pergunta certa. Quais conhecimentos eu preciso ter para responder essa pergunta? Precisamos decorar menos fórmulas. Por isso acredito que no futuro vai aflorar com muita força tudo que for ligado a metodologias.”
Em instituições onde isso já acontece – ele cita a Escola da Ponte como exemplo – os problemas são escolhidos pelos alunos e em função do interesse deles. “Isso faz uma ponte essencial entre o conhecimento e a informação. Quando o aluno está interessado em algo e você dá instrumentos para que ele pesquise, quando se trabalha por problemas e não por matérias, em tempo corrido e não em fatias de cinquenta minutos, quando o professor ajuda nas metodologias e não ensina a resposta, temos então um outro conceito de sala de aula. É como Montaigne escreveu no século 16: “precisamos de cabeças bem-feitas, não bem cheias.”
Os professores e a escola, segundo ele, precisam rever suas funções. “Ainda estamos na pré-história, enfrentando a liquidação do lúdico e do artístico, da criatividade da criança e de sua vontade de conhecer. Quando você senta o menino por 40 horas semanais, você resolve o problema dos pais, não o dele. Alguém que não gosta de uma matéria pode decorar e passar na prova, mas não irá guardar. Os bancos se adaptaram rapidamente ao mundo moderno, porque dá lucro. Mas a educação está no pelotão de trás”, afirma.
Para ele, há uma grita social muito forte sempre que há contratações de professores, de inchamento da máquina pública, mas a educação seria o melhor investimento, considera. “O papel do professor mudou, mas ele ainda é extremamente necessário. Na Finlândia, são seis alunos para cada docente. E investir na educação pública é o melhor investimento que você pode fazer.”
Educação e Desenvolvimento
As conclusões de Dowbor vão ao encontro das resoluções da ONU, apresentadas no relatório “Ensinar e aprender: alcançar qualidade para todos”, divulgado no final de janeiro. O documento, que acompanha as metas para a educação mundial, a serem alcançadas até 2015, ressalta que “a educação reduz a pobreza, aumenta as oportunidades de trabalho e impulsiona a prosperidade econômica”. Além disso, completa o texto, “ela também melhora a probabilidade de as pessoas terem uma vida saudável, aprofunda as bases da democracia e transforma atitudes para proteger o meio ambiente e empoderar as mulheres”.
Nesse sentido, Dowbor reforça a importância de que a educação não seja vista pelos governantes apenas como um “trampolim” para conseguir um emprego ou elevar salários. “É preciso dar um norte para a educação que vá além da empregabilidade”, ressalta. Por isso, o professor propõe uma reflexão sobre o conceito de desenvolvimento, palavra tão alardeada como solução para os problemas do mundo.
Em sua opinião, é preciso deixar de lado o PIB (Produto Interno Bruto) e adotar indicadores que deem conta da qualidade de vida e do avanço de direitos e garantias sociais. “Estamos chegando ao limite. Temos sete bilhões de pessoas, com 80 milhões a mais por ano, a TV empurra produtos, um consumismo surrealista que liquida a conectividade das pessoas, que substitui a família por encontro com mercadorias, gerando uma crise social agravada pela desigualdade.”
Em lugar de alimentar essa realidade, Dowbor acredita que devemos nos perguntar: “Estamos vivendo melhor? Se sim, não precisa aumentar o PIB. Se você consegue viver de maneira melhor e honesta, acho que é o caminho”, finaliza.
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