Como educar as crianças
Como educar as crianças segundo Montaigne
A autora deste texto no sítio do avô aos cinco anos
E então lá vamos nós a mais um capítulo em nossa série “Conversas com Escritores Mortos”. Montaigne, em seus Ensaios, escreveu sobre como educar crianças, a pedido de uma amiga sua que estava grávida e queria saber como ser uma boa mãe. Boa leitura.
Um de seus ensaios mais interessantes, Monsieur Montaigne, faz referência à educação de crianças. O que pode nos dizer sobre isso?
Posso resumir para você em algumas palavras: devemos fazer com que, onde as crianças encontram seu proveito, encontrem também seu prazer. Devemos adoçar os alimentos saudáveis para as crianças e pôr fel nos que lhes são nocivos.
E como fazemos isso? Fortalecendo-lhes a alma?
Naturalmente, mas não só isso. Não basta fortalecer-lhes a alma, também é preciso endurecer-lhes os músculos. A alma é pressionada demais se não for amparada; e já tem muito a fazer para acudir, sozinha, a duas tarefas.
Endurecer-lhes os músculos? De qual forma?
É preciso acostumar as crianças ao sofrimento e à dureza dos exercícios, a fim de treiná-las para o sofrimento e a dureza da luxação, da cólica, do cautério e da prisão.
O senhor foi criado de tal maneira, então?
De modo algum; fui criado na indolência! E é exatamente por isso que sei o quanto labuta a minha alma em companhia de um corpo tão tenro, tão sensível, que se deixa abandonar sobre ela. Vi homens, mulheres e até crianças para quem uma paulada é menos que um piparote em mim.
E quanto às habilidades sociais?
Que as crianças sejam instruídas sobretudo para render-se e depor as armas diante da verdade, sem demora, assim que a percebeemr, quer ela surja das mãos de seu adversário, quer surja nelas mesmas por alguma reconsideração. O silêncio e a modéstia são qualidades muito úteis na conversação. A criança deve ser educada para poupar e moderar seu saber, quando o adquirir, para não se melindrar com as tolices e fábulas que serão ditas em sua presença; pois é descortês e inoportuno criticar tudo o que não é de nosso gosto. Como dizia Sêneca, pode-se ser sábo sem pompa nem arrogância.
E em relação às lições?
Que proveito uma criança não tirará da leitura das Vidas Paralelas de nosso Plutarco? Mas que o guia se lembre do que visa sua tarefa; e que inculque em seu discípulo menos a data da ruína de Cartago do que os costumes de Aníbal e de Cipião; nem tanto onde morreu Marcelo como por que foi indigno de seu dever e lá morreu.
E os prazeres?
O essencial é a moderação. Ela é a mãe nutriz dos prazeres humanos. Tornando-os justos, torna-os seguros e puros. Moderando-os, mantém-lhes o alento e o apetite. Suprimindo-nos aqueles que recusa, aguça-nos para aqueles que nos deixa, pois detém o beberrão antes da bebebeira, o guloso antes da indigestão, o libertino antes do sífilis.
E devemos versar nossos filhos na filosofia?
É claro. Devemos empregar o tempo, que é tão curto, nos ensinamentos necessários. Livrar-nos de todas essas minudências da dialética: são abusos com que nossa vida não pode melhorar; pegue os simples discursos da filosofia, saiba escolhê-los e tratá-los como se deve, são mais fáceis de compreender do que um conto de Boccaccio.