Ética nas eleições de diretores
Ética nas eleições de diretores, exemplo de cidadania
A escolha do diretor escolar é acompanhada de perto pelos alunos. Veja o que fazer e o que evitar para não dar mau exemplo
Aurélio Amaral (novaescola@fvc.org.br)
"A escolha de diretores da rede coincidiu com as eleições municipais. Diante da associação imediata feita pelos alunos, fizemos questão de mostrar a eles que as práticas de campanha que vemos lá fora não servem para a nossa escola. Somos educadores e temos de ser um exemplo de cidadania" Sirley Ribeiro(à direita), diretora da EM Rubens Lopes, de Cascavel (ao lado da auxiliar de coordenação Loide Nascimento e da professora Adriana Sarda
Em época de eleição, é comum que políticos prometam favores em troca de votos, façam acusações contra os adversários e garantam que vão cumprir o que não podem. Nós, eleitores, já conhecemos essa realidade. Mas e quando os candidatos são educadores, e parte dos eleitores, um público que está em formação? Desvios de conduta em eleições para diretores de escolas públicas são mais comuns do que se imagina. Além do péssimo exemplo para os alunos, o fato de reproduzir práticas antiéticas pode provocar um grande mal-estar entre colegas de trabalho. E - diferentemente do que acontece na política - na escola os vitoriosos e os derrotados se encontram diariamente e devem constituir uma equipe de trabalho cooperativa.
Segundo a pesquisa Práticas de Seleção e Capacitação de Diretores Escolares, encomendada pela Fundação Victor Civita (FVC) e coordenada por Heloísa Lück, do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap), em Curitiba, a eleição é a forma mais usada pelas Secretarias de Educação para preencher as vagas de diretores. Das 24 redes estaduais pesquisadas, 16 adotam essa modalidade, sendo que dez delas o fazem de forma combinada com prova, certificação ou entrevista. Entre as capitais, nove das 11 que participaram do estudo usam as eleições, e em quatro cidades há outras formas de seleção agregadas. Os diretores que responderam à pesquisa quantitativa acreditam que a eleição legitima a escolha da comunidade e contribui para construir um ambiente mais participativo na escola. Na fase qualitativa, no entanto a pesquisa deu sinais de que o processo eleitoral requer ainda grandes aperfeiçoamentos. Os entrevistados contaram casos de clientelismo, corporativismo, partidarização e fragmentação de grupos - práticas antidemocráticas que põem em risco os benefícios da eleição e comprometem a imagem do processo (leia na página Código de conduta eleitoral). "Às vezes, a disputa entre os candidatos é tão desleal que um deles se vê obrigado a pedir transferência porque a convivência se torna impossível", conta Heloísa Lück.
Não foi esse o caso da EM Rubens Lopes, em Cascavel, a 495 quilômetros de Curitiba. As três candidatas reuniram-se antes mesmo da data do pleito para discutir o que seria melhor para a escola e perceberam que as propostas de cada uma tinham muitos pontos em comum. "Vimos que, independentemente de quem ganhasse, existia um consenso sobre o que era melhor para o futuro da escola", diz Sirley Ribeiro, a atual diretora. O processo eleitoral, que teve foco somente nos debates com pais e alunos, correu tão bem que, assim que assumiu o cargo, Sirley incorporou parte dos projetos das outras candidatas, as professoras Adriana Sarda e Loide Nascimento. Loide, inclusive, foi convidada a participar da equipe como auxiliar de coordenação pedagógica.
Promessas e troca de favores empobrecem a experiência
O respeito mútuo entre os candidatos, no entanto, não é suficiente para que as eleições na escola sejam consideradas perfeitas. Fazer promessas de brindes e viagens para os alunos, negociar folgas e horas de trabalho com os professores e funcionários, trocar favores com lideranças da comunidade e abusar de propaganda eleitoral são atitudes que aproximam a eleição escolar das que ocorrem no plano políticopartidário, o que não é bom.
No Brasil, não existem regras válidas em todo o território nacional que regulamentem o processo eleitoral. Segundo resolução de 2009 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que fixa diretrizes nacionais para os planos de carreira e remuneração dos profissionais do magistério da Educação Básica pública, a normatização da gestão democrática do sistema de ensino está a cargo da União e de cada rede estadual ou municipal. Certas práticas, no entanto, devem ser evitadas, mesmo que não sejam proibidas: "Distribuir camisetas e usar um carro de som para fazer propaganda são estratégias normais em eleição para prefeito, mas desproporcionais para um universo tão pequeno como o de uma escola", explica Alice Botler, professora de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em ética na gestão escolar.
Por ser um espaço de aprendizado, a instituição deve justamente buscar um novo modelo de eleição. "Senão, em vez de contribuir para a formação, vamos só reforçar, entre as crianças, o pensamento de que não é possível resolver os problemas com o diálogo, em equipe", avalia Heloísa Lück. A tendência, no entanto, é que a ética no processo eleitoral nas escolas amadureça com a prática. Rozângela Casagrande, presidente da Comissão Central de Eleição da Secretaria de Educação de Cascavel, conta que, nas últimas eleições, foram registradas atitudes indesejadas por parte dos concorrentes em apenas duas das 50 escolas urbanas do município. "A cada ciclo, há menos problemas e desentendimentos. Com o tempo, vai-se criando uma cultura democrática", aposta.
Debates são o melhor caminho para atrair a comunidade
"Usar recursos de campanhas político-partidárias é ainda mais absurdo no caso de quem já está no cargo. Se o diretor acha que precisa disso, aconselha-se que não seja reconduzido ao cargo. Não é em algumas semanas que se convence a comunidade de que o trabalho merece continuar, mas durante a gestão." Maria das Graças Brandão Santos, diretora da EM Pescador, de Salvador
Os excessos de campanha surgem principalmente do receio dos candidatos de não serem lembrados pelos eleitores - grupo formado, basicamente, por professores, funcionários, pais e alunos. Quando um dos pretendentes ao cargo espalha fotos, banners e quadros, os outros acham que não terão visibilidade se não agirem da mesma forma. Candidata à reeleição na EM Pescador, em Salvador, Maria das Graças Brandão Santos preferiu não investir em estratégias de campanha. O único recurso visual ao qual recorreu foi um cartaz com sua foto e o número da candidatura, para que as pessoas não confundissem as chapas: "Se a comunidade não gostasse das minhas propostas, não acredito que mudaria de ideia por causa de propaganda", afirma Maria das Graças, que foi reconduzida à função.
Mesmo nos processos de escolha em que apenas uma chapa concorre, os eleitores não estão livres de práticas antiéticas. Nesses casos, a campanha exagerada tem o objetivo de atingir um quórum mínimo de votos para que o processo não seja anulado. Em Goiás, por exemplo, ninguém assume o cargo se a eleição não contar com a participação de pelo menos 50% dos professores, funcionários e alunos e 20% dos pais ou responsáveis por estudantes de até 16 anos. "É muito difícil atrair gente para votar quando só existe um candidato", lamenta Aires Francisco de Oliveira, diretor do CE Waldemar Mundim, de Goiânia. A maneira mais adequada de mobilizar o eleitorado é por meio de conversas e debates. Não se pode esperar que a comunidade compareça em peso na época das eleições se no resto do ano ela não tem uma presença ativa. A gestão participativa pressupõe o funcionamento de outros mecanismos, como o fortalecimento dos colegiados e conselhos de escola, a realização de reuniões regulares e a articulação com a comunidade. E durante esses encontros o educador pode colocar em discussão o valor do voto como uma importante forma de exercer a cidadania.
Eleição contribui para a gestão democrática, mas não é garantia
Existem registros de eleições para diretores no Brasil desde 1985. Contudo, foi só em 2008, com a inclusão do inciso V no artigo 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que surgiu a recomendação para que as vagas de diretores, nas instituições de Educação Básica da rede pública, sejam preenchidas preferencialmente por meio de eleições diretas.Comparado com a indicação política, o concurso público e as provas de conhecimento, a votação por professores, funcionários, pais e alunos geralmente é associada à modalidade mais coerente com a proposta de gestão participativa. Afinal, essa é uma oportunidade em que a comunidade pode ter voz nas decisões que afetam a escola. Sozinha, porém, ela não garante a construção da democracia.
Em muitas redes, o gestor é conduzido ao cargo sem que passe por um processo adequado de formação. Diante de questões pedagógicas e administrativas com as quais não está acostumado a lidar, o diretor pouco preparado acaba agindo por impulso e tomando decisões sozinho. É fundamental dar abertura para que todos possam opinar sobre os mais diversos assuntos - desde a condução de problemas acadêmicos até as prioridades de investimentos dos recursos financeiros. Para Alice Botler, é na formação que o gestor fortalece o espírito de liderança e aprende a delegar funções e consultar a equipe. "Quando bem preparado, ele sabe colocar o assunto na pauta do conselho escolar, conduzir a discussão e tomar uma decisão de fato democrática", diz a professora.
Fórum: tire suas sobre o processo de eleição do diretor escolarAlice Botler, especialista em ética na gestão escolar, responde às perguntas enviadas neste link. Participe!
Código de conduta eleitoral
As redes estaduais e municipais têm autonomia para decidir como será conduzido o processo de eleição. Porém algumas atitudes, ainda que permitidas por lei, reproduzem os vícios da política e não servem de exemplo para os alunos. Veja a seguir o que é recomendado e o que se deve evitar no pleito escolar:
Pode
PROMOVER DEBATES COM OS PAIS
Estabelecer um canal de comunicação com as famílias é uma boa maneira de incentiválas a participar do processo.
APROVEITAR IDEIAS DE OUTRO CANDIDATO NO PROJETO
Não há problema algum em incorporar as boas iniciativas dos concorrentes. A troca de ideias é, inclusive, recomendável.
Pode, mas com cautela
APRESENTAR O PROJETO DURANTE AS AULAS
O ideal, contudo, é pedir a participação dos estudantes no contraturno, quando há mais tempo para detalhar os projetos.
FIXAR CARTAZES E DISTRIBUIR AS PROPOSTAS IMPRESSAS
Mas sem exageros. Tome cuidado com os cartazes: eles não podem ofuscar as circulares de rotina e os avisos a alunos e professores.
CONTINUAR NA DIREÇÃO PARA CONCORRER À REELEIÇÃO
Basta não cair na tentação de usar a máquina em benefício próprio. Se a eleição for ética, não haverá suspeitas.
Não pode
ACEITAR PATROCÍNIO DE EMPRESAS E ASSOCIAÇÕES
Ao receber verbas, o candidato pode ficar obrigado a retribuir favores que não priorizam os interesses da escola.
PROMETER VANTAGENS PESSOAIS EM TROCA DE VOTOS
Negociar folgas e fazer vista grossa a atrasos de professores e funcionários prejudica a aprendizagem dos alunos
DISTRIBUIR BRINDES E USAR CARRO DE SOM
Isso favorece os candidatos com mais poder econômico, tira o foco das propostas e torna a campanha superficial.
BUSCAR OS ELEITORES EM CASA
A iniciativa de ir até a escola votar deve ser sempre espontânea. Oferecer caronas pode parecer coação.
REALIZAR EVENTOS NA ESCOLA NO DIA DA VOTAÇÃO
Não promova festas, almoços e reuniões. Atrair a comunidade por motivos escusos pode ser considerado ''pegadinha''.
Quer saber mais?
Contatos
Alice Botler,
CE Waldemar Mundim, tel. (62) 3093-2989
EM Rubens Lopes, tel. (45) 3902-1458
EM Pescador, tel. (71) 3285-2201
Heloísa Lück
http://gestaoescolar.abril.com.br/comunidade/etica-eleicoes-diretores-exemplo-cidadania-759369.shtml?page=0