Que ser humano queremos formar
Que ser humano queremos ter ao final do processo de ensino e aprendizagem?
Antropologia é a ciência que estuda o homem e seus trabalhos. De acordo com a origem grega da palavra, ou seja, sua etimologia, Antropos significa Homem e Logos representa Conhecimento, Saber, Estudo.
Associar a Antropologia a Educação, ação recente na história, remonta mais propriamente ao século XX. Não foi tarefa das mais fáceis, mas partindo do princípio de que a educação é também uma área de ação ou trabalho humano, torna-se evidente que há campo para estudo e relação entre tão dignas e aparentemente distintas áreas do saber.
E quando começamos a realizar tais conexões, devemos buscar explicações que nos permitam aproximar estas áreas e que, ao mesmo tempo, facilitem tal compreensão. Para começar, por exemplo, podemos fazer analogia com nossos sonhos…
Os sonhos são inerentes a todos os seres humanos quando dormem, duram de 10 a 30 minutos em média, e ocorrem entre 4 e 6 vezes ao longo de uma noite de sono bem dormida de um adulto, são considerados pelos especialistas como verdadeiramente necessários até mesmo para a saúde e o bem estar das pessoas.
Os sonhos fazem parte do sono e da natureza humana. Sonhamos não apenas quando dormimos, mas também de olhos bem abertos. Não me refiro aqui, é claro, as ilusões ou aos devaneios, também presentes em nosso dia a dia…
E qual a relação entre Sonhos, Educação e Antropologia?
Nos sonhos projetamos, muitas vezes, situações idílicas ou ideais. Queremos, por exemplo, voar e, nessa dimensão, isso se torna possível. Viajamos no tempo e no espaço, indo para qualquer canto do mundo e da história. Estamos com pessoas vivas, próximas ou distantes, assim como com indivíduos que já morreram. Há até repercussões físicas dos sonhos, como no caso das crianças, que ao sonhar que vão ao banheiro, acabam urinando em suas próprias camas…
A Antropologia projeta o estudo do ser humano. Aplicada a Educação, tem como objetivo perceber como esta interfere, ao longo do tempo e em diferentes contextos, na concepção de homem vigente. Como ação formativa, a educação promove e estimula o desenvolvimento das pessoas através dos elementos que utiliza para efetivar o ensino-aprendizagem.
Partindo-se das ideias de Comenius quanto a educação, relacionadas a religiosidade vigente em seu tempo de vida (séculos XVI-XVII), e traçando-se paralelos com conceitos bíblicos, o homem teria sido criado a partir do barro, o que nos leva a pensar na questão da fragilidade dos seres humanos. Ao mesmo tempo, as menções do livro sagrado dos Cristãos evoca a ideia de que os homens foram feitos a imagem e semelhança de Deus, o que significa que certamente podemos evoluir, crescer, melhorar, nos aperfeiçoar…
A Educação seria, nesse ínterim, a ação através da qual se efetiva essa transformação que leva o homem, ainda que feito a partir do barro, e portanto frágial, a aproximar-se um pouco de Deus. E o sonho da educação seria então aquele da efetivação de um ser humano ideal que se não pode ser Deus pode chegar muito próximo da perfeição. Nesse sentido cabe aos educadores formar pessoas altivas, críticas, éticas, cidadãs, participativas, capazes e estimuladas a aprender, que compartilham seus saberes, engajadas em causas nobres…
A Antropologia da Educação percebe a imagem idealizada do estudante que se vislumbra formando-se ao final de seus anos de estudo regulares, da educação infantil a graduação e até estudos posteriores. Agora, o homem que entra na escola ainda criança, em seus primeiros anos de vida e aquele que sai, já adulto, não necessariamente atinge os resultados sociais esperados…
Entre o homem idealizado pela educação como “produto final” de seu ciclo de escolarização e aquele que realmente se forma, há uma distância razoável na maioria dos casos. E não apenas no que se refere a comportamento, caráter, personalidade, politização, discernimento, capacidade crítica… Nem mesmo os pormenores mais imediatamente relacionados a formação, em específico, os saberes vinculados aos conteúdos trabalhados com eles em sala de aula, são plenamente efetivados… Nesse sentido, cabe questionamento não quanto a eficácia do sistema, mas a própria lógica e organização, propósitos e metas a serem atingidos pela educação. Torna-se fundamental que a educação inicie suas proposições com questionamento efetivo quanto a o que deseja, pretende, imagina e se compromete ao longo de suas ações em relação as crianças que entram por sua porta da frente e que depois de anos por lá, saem já adultas…
Precisamos, portanto, nos questionar: Que ser humano desejamos ter ao final do processo de ensino-aprendizagem?
Essa deveria ser uma pergunta norteadora da ação dos educadores em cada etapa do processo formativo educacional. Não há esta proposição quando se realizam os planos de ensino, as políticas públicas educacionais ou quando se estipulam quais os conteúdos e saberes irão ser trabalhados em cada ano da escolarização. Nem mesmo há, muitas vezes, uma clara concepção de que escola é essa na qual estamos trabalhando entre quem elabora estes planos e projetos, decisivos para a vida de todos aqueles que passam pelos bancos escolares… E, ainda que exista esta clareza quanto a que escola e formação se deseja, será que esta concepção corresponde aos anseios da sociedade, das comunidades atendidas?
O trabalho educacional não pode ser realizado sem que se tenha uma real ideia do que se pretende atingir quanto a formação integral do ser humano. Conteúdos colaboram com a formação, mas não podem ser entendidos como o objetivo maior e sim como parte importante da trajetória e das ações educacionais. Existem valores, posturas, atitudes a serem também levadas em consideração para esta formação e, tantas vezes isso tem sido deixado de lado. Há igualmente toda uma formação para as relações, a arte, o ouvir, o compartilhar, a leitura de mundo, que tanto fazem falta nas escolas…
Ao se questionar quanto ao ser humano que se pretende enquanto resultado das ações educacionais, a escola entra na seara da Antropologia da Educação, que pretende aproximar e auxiliar os educadores no sentido de tornar muito mais próxima o ideal do real, ou seja, o ser humano idealizado, aquele pretendido pelas ações educativas, do que ao final do processo de escolarização resulta…
Por João Luís de Almeida Machado
http://pensarecausar.wordpress.com/2013/08/01/que-ser-humano-queremos-ter-ao-final-do-processo-de-ensino-e-aprendizagem/