Alongar, correr e educar

Alongar, correr e educar

 Professora de educação física recebe prêmio por projeto que usa ginásticas de lazer e competição para trabalhar a convivência entre alunos

Alongar, correr e educar

Divulgação/Fundação Victor Civita

Pricilla Honorato - http://www.todospelaeducacao.org.br

“Gordinho”, “baixinho” e ”magrelo” estão entre os apelidos ouvidos em qualquer turma de escola por aí. É comum ver e ouvir colegas apelidando uns aos outros ressaltando as características que estariam fora do padrão. Essa relação com o corpo, muitas vezes pautadas pelo preconceito, foi o tema central de um projeto desenvolvido pela professora de educação física Jacqueline Cristina Jesus Martins, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Tenente Alípio Andrada Serpa, na zona oeste de São Paulo (SP).

Mais do que movimentos automáticos sem significado, no projeto Ginástica: Saúde e lazer X competição, realizado no primeiro semestre de 2012, a educadora trabalhou a cultura corporal por meio da ginástica. E valeu-se da realização, naquele ano, dos Jogos Olímpicos de Londres, para ampliar a reflexão sobre a convivência escolar.

Além da satisfação de perceber que os alunos do 4º ano aprenderam os conteúdos propostos, Jacqueline também foi contemplada, em 2013, com o Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 (saiba mais do prêmio aqui). “O prêmio é legal por vários motivos. Valorizou meu trabalho, fez bem a minha autoestima e o dinheiro ajuda também”, comemora a professora.

O exercício da descoberta
Com o caderno de notas em mãos, Jacqueline guio os primeiros passos do projeto pelo diagnóstico da turma e pelas dúvidas dos alunos sobre o tema da ginástica. O objetivo era apresentar diversas atividades físicas para que a turma pudesse compreender quem as praticava, por que e com que elementos. As atividades forma organizadas em dois momentos: saúde-lazer e competição.

Entre polichinelos, flexões de braço e estrelas, professora e alunos pensaram quais modalidades poderiam ser realizadas no espaço escolar e definiram uma lista: alongamento, corrida, caminhada, ioga, academia (musculação e aeróbica), massagem e ginástica artística.

Imagens de modalidades da ginástica, vídeos, reflexões e atividades sobre o corpo humano, experimentos sobre mudanças corporais pós-atividade física e exercícios práticos também formaram o mosaico de tarefas que ajudou as crianças a pensar sobre mitos do corpo humano, mudanças corporais, padrões estéticos e saúde.

“Na atividade de corrida e caminhada, por exemplo, discutimos as dificuldades dos alunos e eles entenderam que sair correndo muito rápido atrapalhava completar o tempo de 15 minutos proposto para a atividade”, conta.

Já na aula de musculação, a professora aproveitou para mostrar imagens de fisiculturismo para proporcionar algumas discussões. “Com base nas fotos, promovemos um debate a respeito dos padrões de beleza impostos pela sociedade. Questionei se eles achavam aqueles corpos bonitos. Estava tentando contribuir com as questões de convivência, desconstruindo dos preconceitos sobre o corpo”, lembra.

Meu corpo e seu corpo
Nas aulas de alongamento e massagem, as agitadas crianças de 11 anos foram desafiadas a relaxar e a tocar com respeito o corpo do colega. “Colocando os alunos em atividades nas quais eles tivessem que ajudar os demais e que tivessem que tocar no corpo do outro, seria mais fácil abordar a questão da convivência. Fiquei surpresa: achei que eles iam se cansar rápido, mas eles pediram mais uma aula. Foi muito legal observar como tomavam cuidado com o colega pra não fazer cócegas ou causar dor”, comenta.

Em outro momento, os alunos foram apresentados à ioga. Observaram imagens com diversas posturas e chegaram a crias as suas. A professora finalizou o capítulo de saúde e lazer com uma reflexão sobre as principais características de cada postura, explicando quem poderia praticar determinado exercício e por quê.

Dentro d’água
À lista inicial de atividades, uma foi acrescida, mesmo não podendo ser praticada nas dependências da escola. E tornou-se o ponto alto do projeto: a aula de hidroginástica. “Como em outras vezes, eu poderia ter dito que não havia piscina na nossa escola e pronto. Mas eu me comprometi a achar um lugar onde eles pudessem praticar a modalidade e consegui esse espaço em um Centro de Educação Unificado (CEU)”, relembra Jacqueline.

Sob céu azul e sol forte, a turma desfilou seus trajes de banho coloridos em uma das piscinas do CEU Uirapuru, no bairro do Butantã, São Paulo. Para muitos, aquela seria a primeira experiência em uma piscina. Se por um lado o entusiasmo das crianças transbordava, a cautela e a preocupação de Jacqueline não ficavam para trás – afinal, eram 60 crianças.

Com salva-vidas, microfone e boias, todos estavam a postos. “Olhei para eles e disse: “Podem entrar!” E os sorrisos rolaram soltos e, devido ao medo, alguns choros também”, lembra Jacqueline. Foram 60 minutos de aula de hidroginástica tradicional e mais uma hora e meia de liberdade, água, riso e diversão. O resultado? Alegria. “Estava um dia muito lindo e deu tudo certo. Os alunos chegavam e agradeciam por ter sido o melhor dia da vida deles”, diz a professora.

Parece que Jacqueline acertou na iniciativa: tanto deu certo que o CEU Uirapuru passou a adotar um dia no mês em que os alunos da região podem utilizar as piscinas da instituição. A experiência da turma de Jacqueline foi finalizada longe das piscinas, de volta à escola, onde eles discutiram o cansaço e as alterações corporais sofridas.

Competir
Aproveitando a realização das Olimpíadas de Londres, Jacqueline ensinou à turma as regras, elementos e espaços da ginástica artística. Após exibir vídeos sobre o esporte, Jacqueline identificou as características da prática, propôs questionamentos sobre os corpos dos esportistas, padrões de beleza, gênero (práticas de mulher ou de homem), competição e atividade esportiva. “Eles não sabiam que um atleta pode viver disso, achavam que era algo que eles faziam em paralelo a outro trabalho”, explica.

Na aula prática, as crianças experimentaram diversos movimentos da ginástica artística. “Dinâmicas foram criadas para o estudo das séries do solo. Essa possibilidade de variações no meu entender ajudou colocá-los na posição de produtores da prática estudada, o que foi um ponto positivo na aprendizagem das modalidades ginásticas para a saúde e o lazer”, explica.

Ler o mundo
Nascida em São Paulo, Jacqueline, 31, licenciou-se em Educação Física pela Unesp de Presidente Prudente (SP). A professora conta que a escolha pela carreira docente foi pela via do antagonismo. “Eu queria fazer justamente o oposto às aulas que eu tive quando era aluna de escola pública no Ensino Básico. Eram aulas em que cada um fazia o que queria”, relembra.

Engana-se quem julga que Jacqueline apenas aproveitou-se da facilidade para as práticas esportivas para seguir carreira na Educação Física. Desde o início da graduação, ela tinha algo em mente: educação física numa perspectiva de educação física cultural.

“Já no primeiro ano da graduação fiz projetos de extensão sobre o assunto. A gente tem que entender as manifestações da cultura corporal como elas são e como elas acontecem no mundo e quem são as pessoas que as praticam”, afirma.

Para Jacqueline, o que falta no ensino de educação física é essa perspectiva cultural. “Vejo muitas aulas que parecem adestramento, coisas que não existem no mundo fora da escola. Falta essa ligação das práticas que existem no mundo com a sala de aula”. A educadora sustenta que suas aulas são direcionadas para a aprendizagem daquilo que os alunos possam ler no mundo: o futebol, o basquete, os esportes, a dança, as ginásticas, aquilo que se vê por aí. “Uma prática corporal tem vários códigos, se você não tem conhecimento daquilo, você não sabe o que está acontecendo”, critica.

Aluna do ensino público durante toda sua trajetória escolar, Jacqueline diz que tem um dever. “Um compromisso com a escola pública. É de onde eu vim. Fiz universidade pública então é meu dever devolver aos alunos de escola pública tudo o que foi investido em mim”, declara.

 

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