Desafios da Educação Pública no Brasil
Antonio Gil da Costa Júnior[1] - Carlos Eduardo de Mira Costa[2]
- Revista Gestão Universitária - 14/02/2014 - Belo Horizonte, MG
A educação pública no Brasil tem um histórico recente se comparado aos países europeus, de onde recebemos a maior influência. Da posse das terras que hoje se denomina Brasil, até os dias atuais, o que temos de mais substancial em termos educacionais ocorreu nas últimas décadas do século XX e princípio do século XXI. Em países como o Brasil com altos níveis de estratificação, a educação não tem se revelado como instrumento de ruptura desse círculo vicioso. O sistema educacional passou por muitas reformas que beneficiaram de maneira marginal os pobres. A característica de dualidade do sistema educacional manteve-se no decorrer dos anos. A partir do final dos anos 80, verificaram-se esforços para a ampliação do número de matrículas no ensino fundamental e médio, juntamente com o combate ao analfabetismo como metas de política governamental. No entanto, o aumento no número de matrículas não veio acompanhado de manutenção ou crescimento na qualidade educacional.
Até os anos de 1930, o Brasil não contava com um sistema público de ensino organizado. A escolarização, ligada à ideia de “instrução”, se dava em escolas isoladas mantidas pelo governo ou então, na sua grande maioria, em instituições particulares de ensino, pertencentes à igreja ou aos que faziam da educação um negócio lucrativo. Era uma educação elitista, tanto na esfera pública quanto privada (SOUZA; MACHADO, 2010, p.131).
No tocante a educação escolarizada brasileira, nossos precursores foram os jesuítas, padres que vieram nas primeiras embarcações portuguesas com a finalidade de catequizar os índios que aqui viviam. Fizeram escolas e história. Há estudos que apontam como sendo eles, os padres jesuítas, os primeiros a fazer distinção entre quem deveria receber um tipo de catequese e quem deveria ser escolarizado com a finalidade de prosseguir no estigma social vigente que consistia na servidão dos pobres, da ordem dos ricos e bem-nascidos e da proteção da igreja. “A Companhia de Jesus contribuiu, e muito, para que a educação se tornasse aristocrática. A educação na colônia só era permitida aos filhos primeiros ou aos filhos homens que seriam os sucessores administradores dos pais” (PRADA, 2011, p.01).
Esse sistema permaneceu praticamente inalterado até o ano de 1808, marcado pela situação política que afetou Portugal, França e Inglaterra (CERVO; MELLO, 2010, p.28). O resultado do conflito que se passava na Europa afetou sobremaneira a vida dos brasileiros e mudou completamente o rumo até então traçado para o Brasil.
Uma educação voltada para o serviço da nação, para o povo, ainda estaria longe de se vislumbrar. Em 1930 o Brasil passou por transformações econômicas e sociais profundas que foram responsáveis pela radical mudança do perfil do país a partir de então. “As mais significativas foram a industrialização em larga escala e a substituição da mão de obra imigrante nas regiões economicamente mais ativas” (CAMPOS; DOLHNIKOFF, 2001, p.233). Esse foi também o período no qual o país atravessou um de seus piores momentos em termos de desenvolvimento social e educacional, pois todas as políticas estavam voltadas para o regime ditatorial que permaneceu até 1985. “Durante a ditadura os governos militarizaram a educação e desprezaram as massas, suas lutas, seus ideais” (CAMPOS; DOLHNIKOFF, 2001, p.293). Nas décadas de 1960 e 1970 os conflitos entre estudantes e militares fez desaparecer a possibilidade da construção de uma sociedade cidadã.
Somente em meados de 1970 e início da década de 1980, surgiram novos rumos para a redemocratização do país. A luta dos operários do ABC, com o apoio da Igreja Católica, políticos do PMDB, estudantes, intelectuais e jornalistas organizaram uma ampla rede de solidariedade [...] cuja atuação desafiava o regime militar com seus movimentos reivindicatórios (CAMPOS; DOLHNIKOFF, 2001, p.300).
Nesse contexto de exclusão das massas pelo qual a sociedade brasileira passou mostra a importância que a educação deve assumir diante de um estímulo para que possamos refletir sobre a desigualdade social que tem suas raízes nos primórdios do colonialismo. É preciso atentar ainda para o fato de que configuramos atualmente como uma das nações mais ricas do planeta e a escolarização que anda de braços dados com o analfabetismo configuram-se como índices de desenvolvimento humano, bem como a atuação em escolas públicas, seu impacto no sistema educacional e sobre alguns desafios inerentes à prática pedagógica com vistas à superação da atual situação educacional de nossa sociedade.
A origem do sistema educacional brasileiro
A história do sistema educacional brasileiro pode ser contada a partir da história política e econômica do país. Observa-se o quanto a história nos oferece informações de cunho econômico e do quanto essas informações estão intrinsecamente relacionadas com o desenvolvimento intelectual de uma nação. Percebe-se que há uma preocupação maior em ficar ou permanecer rico e não necessariamente uma preocupação em ser escolarizado, conscientizado e perceptivo dos problemas sociais que atingem todas as sociedades desde a mais antiga civilização.
A Lei 9.394/96 possibilitou mudanças somente alcançadas por meio da expressão da própria Lei, como é o caso da Constituição de 1988, que permitiu a elaboração da LDB. O artigo 6º da Constituição de 1988 diz claramente que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho a moradia [...]” (BRASIL, 2009, p.20). “Foi a LDB que estabeleceu dois níveis de ensino: a educação básica e a educação superior, sendo a primeira constituída pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2008, p.39). Tal situação caminha para o aprimoramento da educação, pois ainda que os empecilhos no setor econômico, político e social, tenham se mostrado superior.
Historicamente, a escola vem relatando e defendendo que seu papel é o de formar os indivíduos para a sociedade. Essa mesma sociedade da forma como está estruturada não comporta os homens e mulheres com saberes e entendimento da vida que na escola aprendem. O problema esta fundamentado num sistema econômico ideológico que, ironicamente, a própria escola contribui para se propagar. Seu projeto pedagógico não tem uma análise social do homem na sociedade em que vive. Mas sim, a ação humana sobre ou sob a sociedade produtiva (PRADA, 2011, p.01).
A escola ideal começava a se definir, as propostas, desde então, é que se constitue o embrião de uma sociedade educativa, cuja excelência possa ser medida pela capacidade de instalar uma convivência democrática, e, por isso mesmo, de formar homens críticos, livres e criativos até mesmo a partir de condições sociais, políticas e econômicas adversas. Entretanto, observa-se que existem nos dias de hoje, muitas atribuições e poucos incentivos financeiros e recursos humanos para realizar as atividades pedagógicas de forma que satisfaça aos anseios da sociedade.
A luta pela qualidade de uma educação pública no Brasil no século XX
A história da educação fornece aos educadores um conhecimento do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura profissional. Possuir um “conhecimento histórico não implica ter uma ação mais eficaz, mas estimula uma atitude crítica e reflexiva”. (FRANCO, 1999, p.13). É preciso que fiquemos atentos ao fato de que os conhecimentos a serem compreendidos e as habilidades a serem desenvolvidas dobram em quantidade, enquanto que o tempo disponível para o preparo destes jovens continua o mesmo ou se reduz a cada aula perdida, a cada ano letivo que passa, deixando apenas os números nas estatísticas governamentais.
No curso da “segunda metade do século XX as políticas educacionais se impôs em âmbito mundial numa radical transformação da pedagogia, que redefiniu sua identidade, renovou seus limites e deslocou o seu eixo epistemológico” (FRANCO, 1999, p.595). Da pedagogia passou-se à ciência da educação, de um saber unitário passou-se a um saber plural e aberto; do primado da filosofia passou-se ao das ciências. Configurou-se como “uma revolução no saber educativo que se afirmou rapidamente e que se colocou como um “ponto de não retorno” da evolução da pedagogia: como um alvo já alcançado e que não pode ser reposto em discussão” (FRANCO, 1999, p.595). Ocorreram ainda, outras mudanças:
No contexto da sociedade contemporânea, a educação pública tem tríplice responsabilidade: ser agente de mudanças, capaz de gerar conhecimentos e desenvolver a ciência e a tecnologia; trabalhar a tradição e os valores nacionais ante a pressão mundial de descaracterização da soberania das nações periféricas; preparar cidadãos capazes de entender o mundo, seu país, sua realidade e de transformá-la positivamente (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2008, p.118).
O nosso atual sistema de ensino ainda não corresponde a essas expectativas nem a dos nossos alunos, e os resultados obtidos pelas entidades governamentais como, por exemplo, o Prova Brasil, ou os índices de desenvolvimento obtidos pelo IBGE, mostram que a educação dos nossos jovens e das nossas crianças carece de reforço e preparo humano. Os pais buscam na escola pública, de forma voluntária ou imposta pela jurisdição, caminhos, possibilidades, alternativas de escapar da vida degradante que levam.
Hoje se comenta ou questiona-se em diversos meios de comunicação a questão do tempo disponível para a aprendizagem do aluno. A questão tempo versus melhoria da qualidade da educação tem sido levantada como uma das melhores medidas de reverter situações onde o índice de aprendizagem é inferior ao esperado. No Brasil, cresce o número de projetos na educação básica pública que têm como característica marcante a criação da jornada integral. Consideramos, O aprender como resultado de uma série de fatores que se relacionam com o conhecimento prévio, as ações e coordenações do sujeito, aspectos afetivos e sociais. Contudo, esse processo acontece em um indivíduo específico, com características próprias, que o constituem enquanto sujeito psicológico e, portanto, carregado de subjetividade. Assim sendo, o tempo da aprendizagem é um tempo do aluno, um tempo determinado por uma série de acontecimentos em um sujeito específico (SILVA, 2009, p.230).
Conforme Marques (2010, p.01), “um levantamento da Unesco, divulgado no início do ano, colocava o Brasil entre os países onde as crianças passam menos tempo nas instituições de ensino – e, por tabela, recebem um aprendizado deficitário”. O problema nos faz lembrar a Lei de Diretrizes Básicas que já propunha em 1996, ano de sua publicação, as políticas de incentivo à educação em tempo integral nas escolas públicas. Do mesmo modo que o aluno enquanto sujeito psicológico precisa de um tempo subjetivo para assimilar os conteúdos e desenvolver a aprendizagem, o tempo cronológico também influencia sobremaneira a aprendizagem e melhora a qualidade de vida das crianças e dos jovens que não possuem alternativas lúdicas ou pedagógicas fora do espaço escolar. “Crianças e jovens que ficam mais tempo na escola não se expõem aos riscos das ruas (álcool, fumo, drogas, prostituição), recebem alimentação adequada e se preparam para um futuro com melhores perspectivas” (MARQUES, 2010, p.01).
Essa proposta de um ensino de qualidade e uma maior quantidade de tempo dentro das escolas se deu a partir da “abertura política, na década de 1980, algumas experiências ocorreram nessa direção, sendo a de mais longa duração e repercussão a dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)” (CAVALIERE, 2007, p.1016). “Com base no artigo 34 da LDB/96, intensifica-se o surgimento, nos sistemas públicos estaduais e municipais, de projetos que envolvem o aumento do tempo diário de permanência das crianças e adolescentes nas escolas” (CAVALIERE, 2007, p.1016).
Infelizmente essa realidade ainda não é a alcançada pela maioria dos municípios brasileiros. Deve-se destacar que o capital humano atual é limitado. São comuns os relatos de falta de professores devido a problemas de saúde, que vão desde uma gripe alérgica, passando pela perda de voz até chegarmos a situações extremas de enxaquecas crônicas e doenças de ordem reumática. A educação está doente. O professor que tem na voz e na postura suas principais ferramentas de trabalho vê-se impedido de continuar projetos e sonhos os quais deveriam ser compartilhados com a escola e com a sociedade.
Por outro lado, encontramos esforços governamentais de solucionar este problema. A EaD – Educação a Distância é uma realidade espalhada por diversos municípios do Brasil, voltados diretamente para a formação de professores. Há uma oferta de cursos de Licenciatura, acompanhados de pós-graduação e de outros cursos específicos. Com isso espera-se suprir a carência de profissionais de educação que se apresenta como um dos maiores problemas da atualidade dentro do sistema educacional brasileiro.
Considerações Finais
A história da educação fornece aos educadores um conhecimento do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura profissional. Possuir um “conhecimento histórico não implica ter uma ação mais eficaz, mas estimula uma atitude crítica e reflexiva” (FRANCO, 1999, p.13).
Quando falamos em políticas públicas para o aluno, para o professor e para a família, não estamos falando diretamente para que haja um aumento substancial das políticas públicas, estamos falando de efetividade de viabilidade e do combate a corrupção, o maior inimigo das políticas públicas e do gerenciamento econômico de qualquer país.
Assim, dentre as propostas de inovação das políticas públicas da atualidade, a ampliação do tempo de escola pode resultar em mais eficiência nos resultados escolares ou em uma melhor compreensão dos conteúdos ministrados pelos professores na vida do educando. Entretanto, segundo Cavalieri (2007, p.1017), “parece evidente que a maior quantidade de tempo não determina por si só, embora possa propiciar práticas escolares qualitativamente diferentes”. Torna-se então necessário abordar a questão do tempo de escola de forma a ir além da tentativa de resolver os déficits da escola pública brasileira, nos moldes em que hoje ela se estrutura. “Um passo inicial parece ser a análise do tempo de escola em sua dimensão sociológica, ou seja, na dimensão que o compreende como tempo social” (CAVALIERI, 2007, p.1017).
Por tempo social entendemos os momentos de estudo do educando, os momentos de lazer e os momentos de socialização do que foi apreendido na compreensão dos conteúdos estudados e na dimensão da postura ética e cidadã nos momentos de lazer. A existência de uma escola que funcione em tempo integral traria benefícios a toda sociedade, não seria uma escola voltada apenas aos alunos pobres ou às famílias carentes, seria uma escola da e para a sociedade.
O tempo rege nossa vida, como rege e domina também as ações de uma sociedade. Assim, para nós “o tempo social dominante de uma sociedade é aquele que lhe permite cumprir os atos necessários para a produção dos meios que garantem sua sobrevivência, possibilitando a criação, manifestação, realização e atualização de seus valores fundamentais” (OLIVA-AUGUSTO, 2002, p.01), e a educação nada mais é do que meio principal para a nossa sobrevivência.
Concordamos que a escola pública deve servir a todos, mas enquanto os bem-nascidos se beneficiam do aparato particular para o Ensino Básico, os demais membros da sociedade precisam adquirir condições que lhes façam sentirem-se iguais, de modo que ao chegar à universidade, o educando sirva-se de toda a estrutura que ela dispõe. Desse modo, as políticas públicas educacionais precisam ser reformadas para que contemplem a situação do aluno, para que ele possa dedicar mais tempo às atividades escolares e esportivas dentro do ambiente escolar.
[1]antonio.gil@gmail.com - [2]cadumira@gmail.com
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