Ensino Médio para quem?
Em entrevista, nova diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Karine Nunes, analisa criticamente a crise do Ensino Médio na rede pública
Fonte: Tribuna do Planalto (GO)
Do ponto de vista da garantia de um Ensino de qualidade para todos, o Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação desde 2010 no Congresso Nacional, representa avanços. Porém, as propostas apontam para a possibilidade de um entrave no que diz respeito ao financiamento.
Essa é a opinião da nova diretora da Faculdade de Educação da UFG (Universidade Federal de Goiás), Karine Nunes de Moraes, que tomou posse no dia 20 de janeiro. Nesta entrevista ao Escola, ela avalia a realidade do Ensino público brasileiro e fala sobre os desafios tanto do trabalho Docente quanto da categoria.
A diretora também analisa a importância da formação continuada para os Professores e analisa criticamente a crise do Ensino médio na rede pública. Para ela, é impossível evitar a evasão dos jovens e adultos de uma Escola que não evoluiu e não respeita nem reconhece a dura realidade dos estudantes das classes trabalhadoras do Brasil
Quais são as suas principais propostas de trabalho para a Faculdade de Educação da UFG?
É continuar debatendo e fazendo com que a Faculdade de Educação seja protagonista da Educação na UFG, no estado de Goiás e no Brasil. Já que essa é a projeção que a instituição tem e que alcançou nos últimos anos. Estamos neste momento, eu e a vice-diretora Mirian Bianca Ribeiro, no processo de elaboração do plano de gestão e, portanto, traçando as metas para os próximos quatro anos. De acordo com o regimento e o estatuto da UFG, nós temos 90 dias para apresentar isso à congregação, um conselho diretor que reúne Professores, funcionários e representantes estudantis da instituição.
Quais são os princípios e características da Faculdade de Educação para este mandato?
Temos princípios muito claros de formação e de militância de diferentes áreas no momento, mas ela é, de fato, colegiada e compartilhada. A Faculdade de Educação tem algumas características onde o vice-diretor não é um cargo considerado “decorativo”, que só atua na ausência do diretor. Todos nós temos tarefas bem definidas. Aqui a vice-diretoria assume a coordenação da relação da faculdade com todas as outras unidades onde nós ofertamos as disciplinas, tanto de licenciatura, quanto de bacharelado. Uma característica da faculdade são os debates coletivos e a participação conjunta para pensarmos todas as questões necessárias e debatermos nossas diferenças de perspectivas e convicções.
Entrando agora na questão da Educação pública brasileira. Na sua opinião, o que o Plano Nacional de Educação, quando aprovado pelo Congesso Nacional, proporcionará para o futuro da Educação?
Algumas das ações e propostas do PNE, no projeto de lei, representa avanços, do ponto de vista da garantia de um Ensino de qualidade para todos e da qualidade socialmente referenciada. Porém, há um entrave. A meta número 20, que diz respeito ao financiamento: “Ampliar o investimento público em Educação de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB no final do decênio”.
Se essa meta não for revista e for mantida, o PNE não vai ter consequência, pois há estudos sobre o financiamento que apontam que, mesmo vinculando 10% do PIB para a Educação pública no Brasil, seria necessário muito mais recursos, ou se mantivesse esse mesmo porcentual, o Brasil gastaria pelo menos 50 anos para garantir o direito constitucional de Educação pública para todos. E quando eu falo de Educação pública para todos, ainda estou me referindo apenas à Educação básica.
O adiamento da Conferência Nacional de Educação (Conae) de fevereiro para novembro pode interferir na aprovação do PNE?
Esse adiamento interfere de forma significativa em uma das metas do Plano Nacional de Educação, que é a construção do Sistema Nacional Articulado de Educação, onde então, o sistema de Ensino está diretamente ligado à relação de cooperação, de assistência técnica, de respeito à autonomia de entes federados, mas que tem como meta uma Educação de qualidade para todos, independente de qual sistema em que aquele cidadão está matriculado.
A outra questão é que o adiamento da Conae, da maneira com foi feito, de forma unilateral pelo Ministério da Educação (MEC), desrespeitou os movimentos sociais, que durante três anos fizeram encontros para debater e elaborar propostas. Só em Goiás foram realizadas 13 conferências municipais e intermunicipais de Educação. Mobilizamos Escolas, secretarias estadual e municipal, Undime, e a sociedade em geral, para discutir a proposta do PNE. Então é um desafio muito grande manter a população brasileira articulada até novembro.
A sobrecarga de responsabilidades do profissional da Educação é um tema preocupante. De que forma isso pode influenciar na saúde desses profissionais? Também pode interferir dentro da sala de aula?
Toda sobrecarga de trabalho, independente de qualquer profissão, faz mal à saúde. Ao falar sobre isso temos que questionar de qual sistema de Ensino nós estamos falando? Qual nível educacional? Porque nós temos condições totalmente díspares entre os profissionais da Educação, em especial os profissionais do Magistério. Na verdade, nós não temos apenas uma carreira Docente, nós temos no Brasil um sistema federal. Então os Professores de Educação básica tem um plano de carreira diferenciado dos demais no Brasil. Cada um desses sistemas possui formas próprias de organização, com justificativas diferentes na carga horária. Isso torna complexa qualquer análise sobre o trabalho Docente, sobrecarga de trabalho e condições de trabalho. E esse é um grande desafio para a nossa categoria.
Além da sobrecarga de trabalho, existe outro grande problema dos profissionais de Magistério, que é o pagamento do Piso Salarial Nacional de acordo com a Lei 11.738/08. Qual o seu posicionamento a esse respeito?
A luta pela implementação do Piso Salarial Nacional não é só para o estabelecimento de um valor mínimo para o exercício do Magistério com formação inicial de nível médio. A Lei do Piso, uma defesa do governo federal, diz que pelo menos um terço da jornada semanal de trabalho do Professor é para atividades fora da sala de aula, fora da orientação de Aluno. Seria exatamente aquele tempo para o Professor estudar, pesquisar, investir na sua formação continuada e participar das reuniões pedagógicas demandadas pela Escola, como o planejamento de aula e a elaboração do projeto político pedagógico, que ainda hoje são feitos e discutidos em uma jornada extra não remunerada pela grande maioria de Professores no Brasil.
E qual a importância do Professor investir na sua formação continuada?
Isso é totalmente importante por que o conhecimento não se esgota; ele é movimento e é processo. E não é só a questão de atualização, sobre técnicas, métodos ou recursos didáticos, é longe disso! Mas é preciso ter tempo para pensar e discutir, que seja conhecer outras metodologias ou outras realidades. A formação continuada é parte importante de um plano de carreira. É pensar em uma formação continuada que seja importante para esse profissional, que sirva para ele, inclusive, repensar as suas práticas, pensar outros conhecimentos, outras teorias e entrar em contato com outros profissionais.
Quais os fatores têm contribuído para o desinteresse dos jovens pelas carreiras ligadas às licenciaturas e Pedagogia?
Para mim, claramente, o cancelamento unilateral da Conae é uma lição que diz para a sociedade brasileira que a Educação é importante, mas nem tanto. Há outras prioridades e o jovem vai sendo bombardeado diariamente com outras perspectivas. A questão do Magistério, do interesse na licenciatura, isso não acontece só com a Pedagogia, porque ainda há mais procura por licenciatura em Pedagogia do que nas demais áreas.
Não é a toa que hoje existem políticas de incentivo e até o pagamento de bolsas para as áreas mais críticas no Brasil, como Matemática, Física e Química. Não só porque são licenciaturas mais difíceis, mas a estrutura é pouco interessante.
Por outro lado, as pessoas pensam:"qual a importância desse conhecimento? Não o meu papel no mundo, mas aquilo que eu sou, qual a minha identidade profissional?" Isso nós precisamos resgatar. A desistência da profissão é muito grande nos cinco primeiros anos, o que não é um problema do currículo formativo. Isso não tem a ver com a grade curricular desses cursos estarem defasadas ou não. Nós temos um problema que é social, econômico, político e histórico.
O desenvolvimento tecnológico passa a exigir novas posturas tanto da Escola, quanto do Professor. Quais as dificuldades apresentadas pelas universidades no processo de formação inicial dos Professores para o uso das tecnologias?
Com as novas tecnologias, você muda um tipo de linguagem, mas a base é a mesma. Leitura e escrita é o mesmo fenômeno, independente do suporte. Seja o quadro de giz, seja um livro, seja a tela de um computador, seja um data-show, um retroprojetor ou um cartaz.
O exercício da dúvida e do raciocínio independe do suporte. Não é a posse ou a existência de um laboratório com computador na Escola que vai tornar essa aula melhor porque ela passa é pela relação entre Professor, Aluno, informação e produção do conhecimento. A modernização do Ensino não é aquisição de computador e internet. A Educação envolve formação de pessoas e uma formação do indivíduo enquanto ser, que pensa, que discute, que raciocina. É o exercício do contraditório, é o exercício da diferença e isso precisa estar em movimento.
A evasão no Ensino médio se tornou um grande problema em todo o Brasil. Quais os fatores podem contribuir para esse abandono por parte dos Alunos?
A evasão, em si, não se tornou um problema. Eu diria que o acesso ao Ensino médio por parte dos jovens e adultos das classes populares trabalhadoras é que se tornou um problema. A universalização do Ensino fundamental e as maiores exigências e demandas para o Ensino médio se tornou um problema para os sistemas de Ensino, que tem muito mais gente para o Ensino médio do que há 10 anos. E porque isso é um problema? Por que essa Escola atual foi pensada para jovens de 15 a 17 anos. Mas hoje cerca de 45% dos que terminam o Fundamental têm mais do que 15 anos. O perfil mudou. Não é mais esse público idealizado com 15 anos, que não trabalha, é sustentado pelos pais, teve Educação exemplar e nunca teve que trabalhar.
O grande público hoje é trabalhador, tem filhos e uma vida difícil que tem que conciliar com os estudos. Por isso digo que esse Ensino médio não foi pensado para pessoas reais. Essa Escola que nega, inclusive, a existência do Aluno, que exige que ele esteja disposto e alerta, que preste atenção, que saiba responder todas as perguntas do Professor e que tenha feito as tarefas de casa, não é uma Escola para a realidade.
Um jovem ou adulto trabalhador não tem condições de ficar nessa Escola. Uma instituição que tradicionalmente matricula de 45 a 50 jovens na sala de aula com essas dificuldades já prevendo que eles vão sair. E faz isso para chegar no final do ano com pelo menos 20. O foco não é o atendimento de acordo com as necessidades educativas de cada um, nós não estamos falando de Educação especial, nós aprendemos de formas diferentes e precisamos de acompanhamentos diferentes.
Então a evasão também está ligada à organização dos sistemas de Ensino para essa modalidade. É como se aquele jovem fosse projetado para sair. Por isso a Escola do Ensino médio precisa mudar, precisa pensar em pessoas concretas.
*Quem é e o que faz?
Karine Nunes de Moraes é diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), possui graduação em Pedagogia pela UFG, é mestre em Educação Brasileira pela UFG e doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Integra a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Tem experiência na área de Educação com ênfase em Política Pública Educacional, atuando principalmente em gestão Escolar, interiorização, expansão, política educacional e Ensino superior.
Pacto pelo Ensino Médio começa a funcionar em vários estados
Na paraíba, a secretaria estadual de Educação, Ana Célia, avalia que a adesão ao pacto deve alcançar 100% dos educadores
Fonte: MEC
A secretaria estadual de Educação da Paraíba e as universidades federais da Paraíba (UFPB) e de Campina Grande (UFCG), que constituíram parceria para realizar o Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio no estado, promovem, de 17 a 22 deste mês, em João Pessoa, a primeira etapa de capacitação dos formadores regionais. O curso terá 48 horas, de um total de 96 horas exigidas pelo MEC.
De acordo com Ana Célia Lisboa Costa, gerente executiva do ensino médio e profissional da Paraíba, o estado tem 386 escolas de ensino médio, das quais 90 trabalham exclusivamente nesta etapa de ensino, e 8.197 professores. A expectativa da secretaria de educação é iniciar a formação continuada dos docentes e dos coordenadores pedagógicos, em cada escola, na segunda quinzena de março.
Pela receptividade manifesta pelos professores nas duas últimas semanas, Ana Célia avalia que a adesão ao pacto deve alcançar 100% dos educadores. A formação continuada no espaço da escola, e dentro da jornada de trabalho, e a bolsa de R$ 200 mensais, segundo a gerente executiva do pacto, são elementos motivadores da adesão.
O Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio é uma proposta do Ministério da Educação, lançada em 2013, de oferecer formação continuada aos professores do ensino médio nas 27 unidades da Federação. Para que se concretize, o pacto depende da adesão das secretarias estaduais, de universidades públicas e dos professores do ensino médio. Conforme dados do censo escolar, o país tem 495,6 mil docentes desta etapa do ensino, que lecionam em 20 mil escolas públicas. Os 26 estados e o Distrito Federal aderiram ao pacto e agora é a vez da adesão dos professores.
Segundo a diretora de apoio à gestão educacional da Secretaria de Educação Básica do MEC, Yvelise Arco Verde, cada estado está fazendo seu desenho de formação continuada. “Alguns se articularão com apenas uma universidade, outros com várias. Cada estado tem sua trajetória e nós estamos respeitando essas relações.” O início dos cursos de formação também vai variar bastante, explica a diretora. Eles devem acontecer entre fevereiro e abril.
Yvelise destaca dois fatores importantes, que devem ser mantidos para a unidade do pacto: a formação continuada com base na articulação da educação básica e ensino superior, e a formação no espaço da escola, esta com a utilização da hora atividade como tempo de estudo, previsto na lei que instituiu o piso nacional de salário dos professores.
Santa Catarina – Com 725 escolas públicas do ensino médio e cerca de 12 mil professores, a secretaria estadual de educação de Santa Catarina fez parceria com as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e da Fronteira Sul (UFFS), que vão fazer a coordenação geral do pacto, e com a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que fará a coordenação adjunta. O desenho do pacto no estado reúne também instituições comunitárias, que se distribuem em todas as regiões, e que serão responsáveis pela qualificação dos formadores regionais.
Maike Cristine Kretzschmar Ricci, gerente do ensino médio, explica que a secretaria de educação elaborou um roteiro de atividades do pacto que será discutido com as universidades. A proposta é construir um cronograma e realizar os seminários de formação neste mês e em março. Ela diz que a receptividade dos professores está muito boa, especialmente porque eles valorizam a formação e a possibilidade de um encontro de estudo e debate com educadores das universidades. “A formação continuada valoriza e dá brilho ao olhar do professor”, segundo a gerente.
Em Santa Catarina, na avaliação de Maike, o pacto promove um novo movimento e a oportunidade de atualizar a proposta de currículo do ensino médio, tema que os educadores do estado debatem e estudam há 25 anos.
Tocantins – Com uma rede com 243 escolas de ensino médio e 5.549 professores, Tocantins entra no Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio em parceria com a Universidade Federal de Tocantins (UFT). Sâmia Maria Carvalho de Macedo, coordenadora do ensino médio, informa que o estado fez o seminário preparatório no final de 2013 e que as escolas já começaram a cadastrar os professores. Até esta sexta-feira, 7, 126 escolas tinha iniciado o cadastro, mas a expectativa é ter a adesão de todos os educadores.
Segundo Sâmia, a secretaria e a UFT elaboram este mês o calendário de atividades, que compreende seminários e encontros de formação para os dois semestres de 2014. A secretaria estadual de educação trabalha para iniciar a formação dos professores em março.
Bolsas – Todos os educadores – das instituições de ensino superior, das secretarias de educação e os professores cursistas – que fazem parte do pacto receberão bolsas mensais durante todo o período de formação. As bolsas, que serão pagas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), se dividem em sete tipos, conforme as atribuições dos educadores: R$ 2 mil para o coordenador-geral da instituição de ensino superior; R$ 1,4 mil para o coordenador-adjunto da instituição de ensino superior; R$ 1,2 mil para o supervisor; R$ 1,1 mil para o formador da instituição de ensino superior; R$ 1,1 mil para o professor formador regional do pacto nos estados e Distrito Federal; R$ 765 para o orientador de estudo; R$ 200 para o professor cursista e para o coordenador pedagógico.
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