Auditoria nas escolas estaduais
Operação Kilowatt: escolas estaduais passarão por auditoria nesta semana
Polícia e Cage começarão vistorias em obras feitas em cerca de 20 estabelecimentos de ensino
A Delegacia Fazendária e a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) começam nesta semana uma nova etapa da Operação Kilowatt, que apura suspeitas de irregularidades e fraudes em obras no Estado.
A Polícia Civil pediu reforço à Cage para auditar obras em escolas. O trabalho pode atingir duas dezenas de estabelecimentos de ensino.
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Dezessete escolas estão em uma lista que a própria Secretaria Estadual da Educação (Seduc) enviou à polícia por desconfiar que obras foram mal executadas ou feitas com material de baixa qualidade, inferior ao que foi pago pelo Estado. Pelo menos outras cinco estão na mira da investigação porque denúncias chegaram à Delegacia Fazendária depois que a operação foi desencadeada, em 9 de janeiro.
Inicialmente, a operação abordou o caso de serviços sob suspeita em duas escolas e na Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps). O valor total dos contratos principais, mais os aditivos, fica em torno de R$ 18 milhões. Um dos itens que a polícia apura é quanto desse valor é decorrente de superfaturamento e o quanto foi desviado.
O trabalho é conduzido pelos delegados Daniel Mendelski e Joerberth Nunes. O que já foi detectado na investigação é que fiscais de obra atestariam etapas do serviço para fins de pagamento sem que o trabalho tivesse sido realmente concluído.
A polícia aguarda que a Seduc informe mais detalhes sobre o que há de possível irregularidade em cada escola listada para que o trabalho possa ter um foco. Em paralelo às ações da polícia e da Cage, a Seduc e a Secretaria de Obras acertaram uma parceria para que os eventuais problemas detectados comecem a ser corrigidos.
O acordo, no entanto, ainda não virou ação concreta. Na Escola Estadual Professor Oscar Pereira, que se tornou símbolo da operação por causa das fotos que mostravam o telhado consertado apenas nas beiradas, quando a previsão era o reparo integral, ainda não houve correções.
Conforme a diretora Ana Regina Jardim, representantes da empresa que fez a obra — a Cisal Construções e Instalações Satélite Ltda — e da Secretaria de Obras estiveram no local uma vez depois da operação e não retornaram mais. *Colaborou Cleidi Pereira
Secretarias tentarão corrigir problemas
Desde agosto, suspeitas de irregularidades envolvendo reformas em escolas — como uso de material de baixa qualidade — já vinham sendo apuradas pela Secretaria de Educação (Seduc), apesar de a responsabilidade de fiscalização ser da Secretaria de Obras.
Com a crise desencadeada pela Operação Kilowatt, a estratégia da vistoria conjunta é mostrar que não existe descompasso entre as pastas. E que, se houve algum serviço malfeito, há possibilidade de conserto.
Segundo a secretária adjunta de Educação, Maria Eulalia Nascimento, as visitas têm o objetivo de identificar falhas na prestação de serviço que possam ser corrigidas pelas empresas. O trabalho deve ser concluído nos próximos dias e estendido para outras regiões do Estado. Porto Alegre foi escolhida para a largada da ação por concentrar o maior número de denúncias.
Um relatório preliminar sobre a situação das escolas na Capital foi entregue pela Seduc à Secretaria de Obras na semana passada.
Nos últimos três anos, foram realizadas 1.815 reformas em escolas. E foi justamente o grande volume que motivou o secretário Jose Clovis de Azevedo a ordenar que equipes percorressem as obras, anotando queixas e fotografando as instalações, para encaminhá-las, posteriormente, para a pasta de Obras.
— Nós não fazemos obras, mas queremos que elas sejam bem feitas — explicou Maria Eulalia.
Empresa de diretora fez serviços de reforma
Nos desdobramentos da Operação Kilowatt, surgiu o caso de uma escola em que a empreiteira que fez os serviços de reforma tem como sócia a diretora do estabelecimento de ensino.
A Polícia Civil verifica, com apoio de auditores da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), suspeitas em relação ao preço do serviço. Para a construção de um muro e confecção de calçamento foram pagos R$ 326,2 mil.
Foi a própria diretora Rosani Neves Iankowski quem solicitou reparos emergenciais às secretarias de Educação e de Obras, em meados de junho de 2012. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura tinha problemas de cercamento e calçamento.
Depois de uma vistoria que confirmou a necessidade dos serviços, foi autorizada a contratação emergencial. A vencedora, por ter apresentado o menor preço, foi a Chiagon Engenharia Ltda, que tem como sócios Rosani e seu marido, Carlos Chiaradia. A obra teve início em abril do ano passado e foi concluída em julho.
A Secretaria Estadual de Educação disse ter recebido, em dezembro, denúncias sobre a administração de Rosani, envolvendo a execução da obra justamente por uma empresa dela e do marido. Por considerar o teor das suspeitas grave, a Seduc determinou o afastamento de Rosani e instaurou uma sindicância.
Contrapontos
O que diz Carlos Chiaradia, sócio da Chiagon Engenharia
Só fiz um serviço na escola. Participei de uma licitação do Estado, recebi uma carta-convite da 1ª Coordenadoria Regional de Obras Públicas (CROP). Se tivesse algum problema, o Estado teria visto. Tenho essa empresa há mais de 10 anos e faço obras em várias escolas. Se tivesse algum privilégio ou regalia, teria feito outros serviços na escola, mas outras empresas ganharam, eu não. Só fiz um serviço.
O que diz Rosani Neves Iankowski, sócia da Chiagon e diretora da escola
Zero Hora deixou recado com Carlos Chiaradia, que é marido de Rosani, mas ela não deu retorno.
Escolas estaduais com reformas sob suspeita registram defeitos, risco de acidentes e até obras desnecessárias
Além do dano ao erário, descontrole se reflete na qualidade da aprendizagem oferecida aos alunos
Instalação de parquês em salas do Heróphilo apresentou defeitos, e pregos das peças são risco de acidente Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
caio.cigana@zerohora.com.br e marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
À luz das revelações da Operação Kilowatt — deflagrada pela Polícia Civil a partir de investigações sobre fraudes em contratos públicos, incluindo obras em duas escolas, em Porto Alegre e São Leopoldo —, começam a surgir queixas sobre possíveis irregularidades e serviço malfeito em projetos de reforma em instituições estaduais de ensino.
Na semana passada, em entrevista a ZH, o secretário da Educação, José Clovis de Azevedo, qualificou como “muito sérias” as irregularidades e confirmou haver pelo menos 20 escolas com algum tipo de problema. ZH teve acesso aos nomes de 11 colégios nos quais a execução dos contratos teria provocado dúvidas. Quatro aceitaram mostrar as falhas deixadas pelos prestadores de serviços contratados pela Secretaria de Obras.
Entre as escolas restantes, duas se recusaram a receber ZH, três disseram que o resultado ficou satisfatório mesmo após uma série de transtornos (e apesar de não terem a informação sobre a parte financeira), uma alegou que o trabalho está em andamento e a última — referida pelo próprio secretário como um local que passou a chover mais dentro após a reforma — afirmou ter recebido a promessa de que os problemas serão corrigidos.
Nos colégios em que os diretores confirmaram um resultado final das obras aquém do esperado e concordaram em mostrar os problemas, há reclamações sobre desleixo na execução, material de baixa qualidade e até falhas que levaram à construção de obras desnecessárias, como uma central de gás em um local que já contava com o equipamento.
— O documento que temos diz: “Todos os materiais deverão ser de primeira qualidade”. Mas aí a realidade é bem diferente. Dá uma tristeza na gente — lamenta a diretora Patrícia Costa Emerim, referindo-se ao piso colocado na reforma do colégio Dr. Heróphilo.
Além do dano ao erário, o descontrole se reflete na qualidade da aprendizagem oferecida aos alunos, como no caso da Escola Técnica Estadual Parobé, na Capital, onde laboratórios tiveram de ser interditados. A direção do colégio preparou um dossiê e promete enviá-lo às secretarias de Obras e Educação para analisar a possibilidade de o prejuízo ser cobrado da empresa.
A Seduc está fazendo um levantamento nos colégios com problemas. Já a pasta de Obras afirma que espera as conclusões de uma comissão de sindicância para se pronunciar. O trabalho deve ser finalizado em breve.
Piso não durou dois meses
Certo dia, uma professora do colégio Dr. Heróphilo Carvalho de Azambuja, na Capital, simplesmente afundou no meio da sala de aula. O assoalho de madeira estava tão deteriorado que ela caiu quase um metro através do piso e rumo ao chão abaixo dele. Recebeu prioridade, então, um projeto de reforma que se encerrou sem conseguir resolver os problemas de educadores e dos cerca de cem alunos.
O piso antigo foi substituído por parquê em agosto do ano passado, mas instalado de maneira inadequada. Como resultado, em outubro os retângulos de madeira começaram a ranger e se soltar. Hoje, nas seis salas onde foram colocados, pedaços inteiros do piso podem ser retirados com a mão. Como apresentam pregos do lado de baixo, oferecem risco de acidente aos estudantes do 1º ao 5º ano.
— Temos aluninhos que já brincam de tirar os blocos de parquê do lugar. É um risco que acabem se machucando — preocupa-se a diretora Patrícia Costa Emerim.
À primeira vista, os blocos de madeira foram aplicados diretamente sobre o concreto, sem uma camada intermediária de material colante, como piche. Como resultado, os pregos esfacelam o concreto com a pressão exercida pelos passos e se soltam. Após reclamações, a empresa voltou e aplicou cola sob parte do parquê.
Ficou até pior: as áreas coladas voltaram a se soltar, e a aplicação do adesivo entre o concreto e o piso deixou alguns tacos mais elevados do que outros, o que resulta em mais risco de acidente.
Além disso, ainda que o contrato de reforma estabeleça aplicação de cera, não há camada visível sobre o piso — que, para piorar, foi instalado com os blocos de madeira desalinhados e com espaços vazios entre uns e outros, onde se acumula sujeira e pode penetrar água. A diretora reclama ainda que, embora o memorial descritivo da obra estabeleça que a cozinha seja reformada, nada foi mexido ali.
— Eles simplesmente alegaram que não fazia parte da reforma e não fizeram nada nessa parte — afirma Patrícia.
No banheiro reformado, a torneira está frouxa e há um vazamento no sanitário feminino. O serviço completo no colégio custou mais de R$ 352 mil aos contribuintes.
Ficha técnica
Escola Dr. Heróphilo Carvalho de Azambuja
— Alunos: cem
— A obra: substituição do assoalho de tábuas de madeira por parquê em todas as salas, reforma do pátio, do banheiro e da cozinha. Recuperação do muro
— Custo: R$ 352,5 mil
— Tempo de serviço: abril a agosto de 2013
— Empresa: Cisal Construções
Contraponto
O que diz a Cisal Construções
ZH entrou em contato com a empresa e fez uma solicitação de entrevista na quinta-feira. Como não obteve retorno, na sexta-feira foi feito novo contato, quando foi informado que o responsável estava viajando e era o único autorizado a se pronunciar sobre o assunto.
Uma central de gás nova, e desnecessária
A diretora da escola Dona Luiza Aranha, Maria Lucia Pereira de Lima, tomou um susto quando viu que estava sendo construída uma ampla central de gás no pátio da instituição, localizada na Capital.
Por uma razão singela: o colégio já conta com uma central de gás – que até precisa de uma reforma, mas funciona bem. Apesar do alerta, o local com capacidade para receber quatro botijões de 45 quilos foi entregue (um cilindro mais comprido, comum em prédios e estabelecimentos comerciais).
Porém, como se localiza a cerca de 50 metros da cozinha e não foi feita qualquer canalização, serve de abrigo para uma máquina de lavar, bicicleta e outros apetrechos do policial militar que mora no terreno da escola.
— Talvez tenha havido alguma confusão, porque a casa do policial precisava de um abrigo para o gás, mas que também já havia sido providenciado. Fizeram uma central a um custo de R$ 7 mil que não tem serventia nenhuma — diz Maria Lucia.
Ainda não há certeza sobre qual setor do Estado incluiu esse item entre a lista de demandas. Enquanto a escola recebeu um abrigo para o gás que serve como despensa, a estrutura realmente utilizada para armazenar os botijões segue necessitando de uma nova porta metálica e reparos em pontos quebrados.
Além desse problema insólito, a previsão de que a cerca da escola contaria com uma segunda abertura com portão de correr (citada no memorial descritivo da obra entregue à escola) não saiu do papel.
— Temos só uma entrada, o que é ruim, até por razões de segurança — lamenta a diretora.
Ficha técnica
Escola Dona Luiza Freitas Vale Aranha
— Alunos: 430
— A obra: cercamento da escola com reconstrução do pórtico central, cercamento da quadra de esportes, construção de estrutura de gás central
— Custo: R$ 403,9 mil
— Tempo de serviço: outubro e novembro de 2013
— Empresa: Cidade Projetos e Construções
Contraponto
O que diz a Cidade Projetos e Construções
O engenheiro Renato Tosi, da construtora, afirma que a empresa seguiu as condições estabelecidas no contrato firmado com o governo estadual. Sustenta que o documento previa a construção da central de gás sem ligação com a cozinha e a reconstrução da entrada principal, sem segundo acesso.
No colégio Parobé, segundo a direção, há salas “insalubres”
Serviço malfeito, problema extra Mesmo com diversos engenheiros no quadro de professores, a Escola Técnica Parobé, na Capital, não escapou dos dissabores de obras malfeitas. A reforma de um pavilhão para a construção de 16 salas é um exemplo de projeto que virou frustração.
— Algumas salas são insalubres — diz a diretora Carmen Angela Straliotto de Andrade.
Apesar de ter menos de dois anos de uso, multiplicam-se as rachaduras. Quando chove, verte água pelas paredes. Com a umidade, a pintura cai e o mofo toma conta até do piso. Uma das salas, a 407, inunda.
No prédio principal, o serviço de pintura, feito no ano passado, acabou em prejuízo para a escola e para os alunos. A empresa que foi executar o serviço arrancou parte do telhado para prender os cabos que sustentavam os andaimes e não fez o reparo após finalizar o trabalho. Como resultado, entre o final de setembro e dezembro de 2013 parte do prédio inundava cada vez que chovia.
Devido à invasão da água, os laboratórios de química e física foram interditados e os alunos deixaram de ter aula práticas durante todo o último trimestre. Equipamentos de informática, TVs e splits for foram salvos pela agilidade de professores e funcionários, que demoraram a perceber a origem das inundações. O resultado é que a própria escola teve de desembolsar R$ 10 mil para o conserto.
Ficha técnica
Escola Técnica Estadual Parobé
— Alunos: 4 mil
— A primeira obra: duplicação de pavilhão para construção de 16 novas salas
— Tempo de serviço: durante 2011
— Custo: cerca de R$ 497 mil
— Empresa: Minussi e Zanini Construtora Ltda
— A segunda obra: pintura, muramento lateral, drenagem de parte do pátio e reforma de auditório
— Tempo de serviço: começou em 2012 e prossegue
— Custo: R$ 480 mil
— Empresa: Construtora Odaq
Contrapontos
O que diz a Construtora Minussi e Zanini
Sócio da construtora, Carlos Minussi afirma que, como a obra está sob garantia de cinco anos, basta a empresa ser notificada para realizar reparos na estrutura do prédio. Segundo ele, a companhia já realizou consertos, mas o problema das infiltrações estaria no telhado antigo do pavilhão que não foi feito pela construtora.
O que diz a Construtora Odaq
ZH não conseguiu contato. A reportagem foi na sexta ao endereço da construtora, mas ninguém foi encontrado.
Goteiras no saguão e nos banheiros
Durante anos, a escola Otávio Mangabeira, localizada em Porto Alegre, sofreu com falhas no sistema elétrico — que impediam a utilização de ventiladores em salas de aula —, problemas de infiltração no telhado e comprometimento estrutural.
Depois de uma reforma iniciada em setembro do ano passado e muita insistência com a empresa responsável para atender a todas as necessidades do colégio conforme o esperado, continua chovendo no saguão que separa o prédio principal dos banheiros e nos próprios sanitários.
O problema é que o telhado sobre essa área do colégio não foi reformado pela empresa contratada, para decepção da diretora Simone Biscaino:
— É a única área que temos para reunir pais e alunos fora do prédio principal, em dias de chuva. Mas cai água ali quando chove. O problema é que só recebi o memorial descrevendo tudo o que deveria ser feito quando a obra estava no fim. Toda a cobertura deveria ser reformada.
Ela afirma, ainda, que áreas deterioradas do colégio, como os banheiros utilizados pelos alunos, não foram incluídas no contrato de obra pelo governo. O local cheira mal o tempo todo e precisa de uma ampla renovação.
Assim, logo depois de terminada uma reforma, já é necessária outra na escola localizada no bairro Camaquã. Além de mais gastos, a nova obra vai representar mais trabalho burocrático para a contratação da prestadora de serviços.
— Temos de começar toda a luta de novo — desabafa a diretora.
Ficha técnica
Escola Otávio Mangabeira
— Alunos: 500
— A obra: reforma da rede elétrica, recuperação estrutural, reforma da cobertura e do passeio
— Custo: R$ 391 mil
— Tempo de serviço: setembro a dezembro de 2013
— Empresa: Chiagon Engenharia
Contraponto
O que diz a Chiagon Engenharia
Engenheiro da Chiagon, Carlos Chiaradia afirma que a empresa executou a obra seguindo o contrato. Segundo ele, a parte do telhado que segue apresentando problemas não foi contemplada na licitação por não fazer parte do prédio principal nem do pavilhão de madeira. Chiaradia sustenta que a empresa não poderia mexer nesta parte sem respaldo do contrato.
ZERO HORA