Celebrar o dia escolar da paz

Celebrar o dia escolar da paz

Celebrar o dia escolar da paz e da não violência, com o filme “O grande ditador”

José Paz Rodrigues (*) -

Com grande acerto, em 1964, o poeta e pedagogo balear Llorenç Vidal, criou o DENIP (Dia Escolar da Não-Violência e da Paz). Ele mesmo não podia imaginar-se naquela altura o sucesso que ia ter a sua proposta nos seguintes anos, pois a comemoração estendeu-se por todas as escolas e estabelecimentos de ensino, coincidindo com o dia 30 de cada mês de janeiro, data em que no ano 1948 fora assassinado o indiano Gandhi, um dos maiores pacifistas e defensores da não-violência do mundo.

O pedagogo balear tinha realizado a sua tese de doutoramento precisamente sobre educação para a paz, pelo que conhecia perfeitamente aqueles vultos que mais se tinham distinguido no mundo em defesa da paz, como o próprio Gandhi, Robindronath Tagore, Luther King, Lanza del Vasto e outros.

Com tal motivo no dia 30 de janeiro devemos celebrar esta jornada dedicado à paz. A celebração deste dia pretende chamar a atenção de políticos, governantes, pais, educadores e professores que é necessária uma educação permanente pela Não-Violência e pela Paz; que é preciso educar para a solidariedade e para o respeito pelos outros, porque “Uma vez que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que deve edificar-se a paz”. (Preâmbulo da Constituição da UNESCO)

Porquê a escolha do dia 30 de Janeiro?

A escolha da data não foi escolhida ao acaso, mas por que este foi o dia do assassinato de um dos maiores defensores da paz, da não-violência, da justiça e da tolerância entre os povos, como antes comentamos, o Mahatma Gandhi. A alcunha de Mahatma, que significa “Alma Grande”, fora-lhe atribuída precisamente por Tagore no seu dia. Considerado o pai da Índia, Gandhi foi um homem de boa vontade que lutou, sem ódio, pela independência da sua pátria e pela paz do mundo. Dentro do ideal de paz e não-violência que ele defendia, uma de suas frases foi:

Não existe um caminho para a paz! A paz é o caminho!”.

Sobre Gandhi, Albert Einstein disse que as gerações que hão de vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente tenha existido e caminhado sobre a Terra.Para Gandhi, a lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.

Gandhi ensinou aos seus discípulos o seguinte poema-oração: “Humildemente me esforçarei em amar, em dizer a verdade, em ser honesto e puro, em não possuir nada que não me seja necessário, em ganhar o salário com o trabalho, em estar atento sempre ao que como e bebo, em não ter nunca medo, em respeitar as crenças dos demais, em procurar sempre o melhor para todos, em ser um irmão para todos os meus irmãos”. E mesmo existe um hino dedicado ao Dia da Paz que diz:

Quando o dia da paz renascer, quando o sol da esperança brilhar, eu vou cantar. Quando o povo nas ruas sorrir, e a roseira de novo florir, eu vou cantar. Quando as cercas caírem no chão, quando as mesas se encherem de pão, eu vou cantar. Quando os muros que cercam os jardins, destruídos então os jasmins, vão perfumar.Refrão: Vai ser tão bonito se ouvir a canção, cantada, de novo. No olhar do homem a certeza do irmão. Reinado, do povo.Quando as armas da destruição, destruídas em cada nação, eu vou sonhar. E o decreto que encerra a opressão, assinado só no coração, vai triunfar. Quando a voz da verdade se ouvir, e a mentira não mais existir, será enfim, tempo novo de eterna justiça, sem mais ódio, sem sangue ou cobiça, vai ser assim”.

Acho que escolhi para o comentário do meu artigo o filme mais acertado, uma obra-mestra do cinema mundial, realizada e interpretada pelo genial Charles Chaplin. Era o ano 1940, em plena segunda guerra mundial, e esta fita não foi permitida a sua exibição no nosso país até o ano 1976, uma vez desaparecido Franco. O título é do mais significativo: “ O Grande Ditador”. No qual não só se reflete o Hitler nazista, também Mussolini, Estaline, Idi Amin, Pinochet, Mao, Bush e, por desgraça, outros muitos.

Ficha técnica do filme:

Título original: The Great Dictator (O grande Ditador).
Diretor: Charles Chaplin (EUA, 1940, 127 min., Preto e Branco).
Roteiro: Ch. Chaplin.
Montagem: Willard Nico.
Produtora: United Artists.
Fotografia: Roland Totheroh e Karl Struss.
Música: Meredith Wilson.
Atores: Charles Chaplin (Adenoid Hynkel / Barbeiro judeu), Paulette Goddard (Hannah), Jack Oakie (Benzino Napaloni), Reginald Gardiner (Comandante Schultz), Henry Daniell (Garbitsch), Billy Gilbert (Marechal Herring), Grace Hayle (Madame Napaloni), Carter de Haven (Spook, embaixador de Bacteria), Maurice Moscovitch (Sr. Jaeckel), Emma Dunn (Sra. Jaeckel), Bernard Gorcey (Sr. Mann), Paul Weigel (Sr. Agar), Chester Conklin, Eddie Dunn e Peter Lynn.
Argumento: O filme começa durante a Primeira Guerra Mundial. Chaplin é um cadete do exército da nação fictícia da Tomânia e tenta salvar um soldado chamado Schultz. A personagem de Chaplin perde a memória quando o avião dos dous colide com uma árvore. Schultz escapa das ferragens, e Chaplin passa os seus próximos vinte anos no hospital, enquanto muitas mudanças acontecem em Tomânia: Adenoid Hynkel (também interpretado por Chaplin), agora o grande ditador da Tomânia, perseguia judeus com a ajuda dos ministros Garbitsch e Herring. Curado, mas ainda com amnésia, Chaplin retorna à sua barbearia no gueto judeu, ainda sem saber da situação política da Tomânia. O barbeiro fica chocado quando tropas de choque quebram a janela da sua loja. Encontra, depois, um amor, Hannah, uma linda moradora do gueto. Enquanto isso, Schultz, que recebeu várias promoções nesses vinte anos, reconhece o barbeiro e dá ordens às tropas de deixá-lo em paz. Hynkel tenta diminuir a repressão aos judeus quando tem oportunidade de obter empréstimo com um banqueiro judeu. Obcecado com o poder, Hynkel aspira à dominação mundial. Numa cena clássica Hynkel brinca com um globo inflável, para acidentalmente estourá-lo no final.

Eventualmente, o empresário judeu recusa o acordo, e Hynkel reinstaura a perseguição aos judeus. Schultz é contra a invasão ao gueto que Hynkel está planejando. O ditador manda o general para um campo de concentração. Schultz foge para o gueto e começa a planejar junto com os outros moradores do lugar uma forma de tirar Adenoide Hynkel do poder. No fim, ambos (Schultz e seu amigo barbeiro) são presos.Hynkel disputa com Benzino Napaloni, ditador de Bactéria, a primazia na invasão de Osterlich, que é o primeiro passo para o ditador interpretado por Chaplin conquistar o mundo. Napaloni visita Hynkel em Tomânia para ambos discutirem um tratado para que nenhum dos países invada Osterlich, uma vez que Napaloni posicionara suas tropas na fronteira com aquele país.

Depois de diversas tentativas dos dous ditadores mostrarem sua superioridade, eles culminam em uma divertida discussão sobre um tratado de paz (que inclui guerra de comida) entre os dous líderes. Uma vez assinado o tratado e com Napaloni fora do caminho, Hynkel inicia a invasão. Hannah, que tinha fugido para Osterlich com os moradores da pensão onde vivia no gueto em Tomânia, mais uma vez se encontra encurralada pelo regime de Hynkel. Schultz e o barbeiro escapam do campo de concentração usando uniformes de soldados. Guardas confundem o barbeiro com o ditador Hynkel (com quem ele se parece muito). Ao mesmo tempo, Hynkel é preso pelos seus próprios soldados que acreditam que se trata do barbeiro fugindo do campo de concentração. O barbeiro, que havia assumido a identidade de Hynkel para não ser preso, é levado para a capital da Tomânia para um discurso de vitória.

Tal discurso é o total oposto das ideias antissemitas de Hynkel, expondo as ideias democráticas há muito na cabeça do barbeiro. Hannah ouve a voz do barbeiro na rádio, e fica surpresa quando ele se dirige a ela: Hannah, estás a ouvir-me? Onde quer que estejas, olha para cima! Olha para cima, Hannah! As nuvens estão subindo, o Sol está abrindo caminho! Estamos fora das trevas, indo em direção à luz! Estamos indo para um novo mundo; um mundo mais feliz, onde os homens vencerão a ganância, o ódio e a brutalidade. Olha, Hannah!”.O filme termina com Hannah olhando para cima, com um sorriso no rosto . 

 

Um formoso discurso a favor da paz e da democracia no final do filme:

Ao final do filme, a personagem de Chaplin dá um belo discurso falando de paz e direitos humanos no contexto da Segunda Guerra Mundial: "Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar, se possível, judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver pela felicidade dos outros, não pela miséria dos outros.

Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades
. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela.

A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido
. A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas cousas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós.

Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano.

Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá
.Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquinas! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos! Soldados! Não batalheis pela escravidão! Luitai pela liberdade!

No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem, não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder, o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa.

Portanto, em nome da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. É pela promessa de tais cousas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós.

Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!”
( segue o estrondoso aplauso da multidão).Então, dirige-se a Hannah, e pronuncia as formosas palavras que citamos anteriormente no argumento do filme. 

Temas para refletir, comentar e elaborar:

Depois de ver o filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema-fórum”, debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada pelo excelente diretor e ator Chaplin, os planos, os movimentos de câmara, o uso do tempo e do espaço e outros recursos fílmicos que aparecem nesta obra-mestra do cinema mundial.

Refletir sobre os papéis dos protagonistas e a problemática social que na mesma aparece, assim como o triste papel dos defensores do fascismo e do nazismo e do seu grande perigo para toda a humanidade.

Depois de recitado o poema de Tagore sobre a paz e o amor que a seguir se resenha, reunir-se para fazer um balanço do seu conteúdo, de maneira a que cada estudante comente o que lhe sugere tal poema, e se for possível, que cada aluno redija um poema seu dedicado à paz.

Amor pacífico e fecundo!, por R. Tagore:

Não quero amor que não saiba dominar-se, desse, como vinho espumante, que parte o copo e se entorna, perdido num instante. Dá-me esse amor fresco e puro como a tua chuva, que abençoa a terra sequiosa, e enche as talhas do lar. Amor que penetre até o centro da vida, e dali se estenda como seiva invisível, até os ramos da árvore da existência, e faça nascer as flores e os frutos.

Dá-me esse amor que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!”Organizar nos estabelecimentos de ensino de todos os níveis, com filmes adaptados às diferentes idades, um Ciclo de Cinema sobre a Paz e a Não-violência.

Para infantil há vários de desenhos animados adequados e para os últimos cursos de primária e toda a secundária, não poderiam faltar este de O Grande Ditador, Sopa de ganso com os irmãos Marx, Gandhi, A Harpa de Birmânia, Rapsódia em agosto, Sendeiros de glória, Adeus às armas, Nascido o 4 de julho, Ser ou não ser e A grande ilusão (de Renoir). Além de editar um folheto sobre o ciclo, elaborado pelos alunos, editado ou policopiado, seria muito importante organizar depois de cada sessão um cinema-fórum.

Para manter os mesmos poderiam ser convidados especialistas, cinéfilos, cinema-clubistas ou críticos cinematográficos da localidade. 

 

(*)  Académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.

http://www.pglingua.org/opiniom/as-aulas-no-cinema/6064-celebrar-o-dia-escolar-da-paz-e-da-nao-violencia-o-grande-ditador




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