Livro resgata as Jornadas de Junho
20 centavos: livro resgata e discute as Jornadas de Junho
Divulgação
A partir de reportagens e artigos, obra faz resgate das manifestações que inspiraram novos movimentos no Brasil inteiro e traz reflexões sobre seu futuro
30/01/2014
Por Marcelo Hailer Da Fórum
Já não há mais de dúvidas de que as Jornadas de Junho de 2013, originadas de manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre – SP (MPL-SP) que exigiam a redução das tarifas do metrô e de ônibus, são um momento paradigmático para o Brasil e vão figurar nos livros de história das próximas gerações. E é neste sentido, de registro histórico-documental, que o livro 20 Centavos: a luta contra o aumento, lançado pela editora Veneta, deve ser encarado.
A história
A introdução da obra é escrita por Marcelo Pomar, cofundador do MPL-SP, e faz o resgate da luta política pelo transporte público, iniciada há 11 anos em Salvador e que ficou conhecida como a “Revolta do buzu”, onde ativistas foram às ruas contra o aumento de R$1,30 para R$1,50. A este momento histórico, Pomar faz uma crítica de que a falta de organização dos mobilizadores deixou que a luta fosse tomada pelas entidades estudantis “mais tradicionais”. Aliás, esse tipo de observação crítica se faz presente por toda a obra.
Posteriormente, outro momento importante da luta pelo passe livre é rememorado, com o resgate do episódio ocorrido em Florianópolis, Santa Catarina. Em 2004, “milhares de pessoas ocupam por duas semanas as principais vias da cidade” e obtiveram uma importante vitória: a instituição, por via de lei, do passe livre aos estudantes. Porém, no ano seguinte a lei foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de Santa Cantarina por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).
Mesmo com a derrota, a data de 26 de outubro ficou registrada como o “Dia Nacional da Luta pelo Passe Livre”. Em 2005, o Movimento Passe Livre de Florianópolis convocou um encontro nacional para o Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre. O evento aconteceu no dia 29 de janeiro, data que marca a fundação do Movimento Passe Livre.
Pomar ainda faz uma autocrítica interessante ao comentar o rumo do movimento pós-2005, que se dispersou e pecou em sua organização nacional, porém, ganhou na horizontalidade com representações no Brasil inteiro que, inclusive, conquistaram o passe livre aos estudantes em Brasília, em 2010. Desde então, organizou-se o MPL, influenciando novos coletivos que irão surgir no decorrer dos últimos anos, “maior parte constituída por jovens que tem aversão aos meios institucionais, como partidos políticos e a disputa de espaço de poder do Estado, são assim menos suscetíveis à corrupção moral das formas tradicionais do jogo político, mas também não dão a devida importância ao processo histórico (…).
Outro resgate importante que a introdução faz é lembrar que a proposta de Passe Livre nasce no governo Luiza Erundina (PT-SP/ 89-92), por meio de seu secretário de Transportes, Lucio Gregori.
Junho de 2013
A narrativa a respeito dos atos pela redução das tarifas em São Paulo é feita entre trechos da cobertura da imprensa (a tradicional e a nova) e comentários de membros do Movimento Passe Livre – SP. Para quem participou das manifestações, é uma aventura eletrizante, seja por recordar a truculência da Polícia Militar paulista, mas também como forma de reavivar afetivamente um momento histórico na cidade de São Paulo e no Brasil. Pela sua precoce publicação, pode-se dizer que é memória viva o que salta a cada página.
Os relatos têm início a partir do dia 6 de junho, quando acontece o primeiro grande ato pela redução da tarifa. Nesta parte, é interessante conhecer a estratégia que o MPL-SP adotou para a jornada de 2013: não haveria mais frentes mistas com partidos de esquerda, pois avaliaram que a pauta seria prejudicada e que, enquanto governo do estado e prefeitura de São Paulo não abaixassem a tarifa, os atos não sairiam da rua. Ou seja, não havia feixes para acordos, o objetivo era um só e irredutível, a revogação do aumento da passagem do ônibus e do metrô.
A partir de então, segue uma documentação vertiginosa sobre os atos que ocuparam as ruas de São Paulo e colocaram em xeque partidos políticos, governos e parte da imprensa e é esta seção mais interessante do livro. Ao relermos as reportagens e editoriais a respeito dos três primeiros grandes atos, recordamo-nos do trato conservador feito pela imprensa tradicional e da inoperância dos governantes que, em um primeiro momento, tratam as manifestações como “vandalismo”, orquestradas por radicais de esquerda que visavam desgastar os governos estadual e municipal de São Paulo, argumentação que, posteriormente, cai por terra.
Até o dia 12 de junho temos aquilo que podemos caracterizar como “criminalização” das manifestações pela imprensa tradicional, principalmente pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo que, na manhã do dia 13 de junho, pedem mais rigor da polícia para com os manifestantes, fato que se verifica na realização do quarto grande ato, quando a Polícia Militar reprime brutalmente os manifestantes e transforma o centro de São Paulo num campo de batalha. As imagens disseminadas pela rede não deixam outra alternativa à imprensa a não ser recuar em seu posicionamento e aí é iniciada a operação higienista para separar “manifestantes” de “vândalos”. E quem não se lembra da “vergonha alheia” pela qual o comentarista Arnaldo Jabor passou ao assumir que errou em sua avaliação?
O relato do quinto grande ato (17 de junho, segunda-feira, Largo da Batata) é a parte mais autocrítica da obra, pois os membros do MPL percebem então que a virada da mídia tradicional (de criminalização ao apoio às manifestações) tinha um objetivo: utilizá-la para mirar o governo federal. Não à toa o foco da imprensa será o caráter “difuso” das pautas, e que os jovens que vão às ruas estão insatisfeitos com os poderes de uma maneira geral. O MPL percebe a armadilha e decide focar na pauta do transporte, porém, assume que já não tinha mais controle sobre a multidão que resolveu ocupar as ruas.
No dia 18 de junho (terça-feira), acontece o sexto grande ato, quando manifestantes depredam a prefeitura de São Paulo e colocam fogo em um carro da Record. No meio deste clima, já iniciam os rumores de revogação das tarifas do transporte público em São Paulo, fato que se confirma no dia seguinte (19 de junho, quarta-feira), quando Eduardo Paes (PMDB), Fernando Haddad (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) anunciam a revogação do aumento em suas cidades.
Um fato político e histórico que revelou a tática do MPL, de não negociar, estava certa.
O legado e a construção do Comum
No ápice das manifestações de junho pode-se observar aquilo que Toni Negri e Michael Hardt vão chamar de “a construção do Comum” (Multidão: Guerra e democracia na Era do Império, 2005), que consiste na organização de uma frente ampla de lutas sociais, que são relacionais e internacionais e reúnem diferentes grupos com variadas demandas em torno de uma mesma causa. No caso do Brasil, foi a questão do transporte público que reuniu os coletivos culturais, movimento LGBT, anarco punks, de legalização das drogas e partidos da esquerda. E hoje observamos uma nova frente relacional se organizar em torno dos atos intitulados “Não vai ter Copa”. Porém, este tipo de ação política não é exclusiva do Brasil. Lembremos do 15M na Espanha e do Ocuppy Wall Street nos Estados Unidos. Ambos os movimentos pararam os respectivos países, mas, depois de forte repressão armada, perderam força e na Espanha e, pior, a direita voltou ao poder.
Será esse o destino reservado aos atuais movimentos que emergem no Brasil? Em todo momento há críticas aos partidos de esquerda, que estes não conseguem mais dialogar com a atual geração, mas, por mais que movimentos na linha do MPL tenham conseguido aglutinar forças capazes de fazer com que governador e prefeito revoguem as tarifas, para onde vai esta potência?
Tomemos como exemplo as jornadas de luta ocorridas no Chile em 2012, majoritariamente organizada por estudantes e que paralisou o país. Após os protestos, vários ativistas se organizaram em torno dos partidos políticos e conseguiram eleger uma frente deputados/as que irão levar as pautas das ruas para dentro do espaço legislativo.
Se o debate central do MPL é o transporte público, por que não se organizar e fazer a disputa, também, dentro do poder legislativo? Negri e Hardt reconhecem, ao término de “Multidão” tal defasagem e o que consideram erro de estratégia. Para tal, utilizam o Fórum Social Mundial como exemplo, que, em sua primeira fase, de fato reuniu as mais variadas frentes e pautou “um outro mundo possível”, porém, sem fazer disputa de poder e de projeto de sociedade hoje se encontra esvaziado e transformado num grande encontro de Ongs.
A questão que deve ser pensada é a seguinte: de um lado, partidos políticos de esquerda que se burocratizaram e engessaram frente as eleições; do outro, novas frentes de política com novas formas de organização que se dispersam com muita facilidade. Talvez, o X da questão fosse uma troca ou cruzamento com a organicidade dos partidos políticos e com as organizações horizontais dos novos coletivos, talvez daí chegássemos a construção do Comum de fato.
As jornadas de junho deixaram um legado que já podem ser sentido neste momento com os atos contra a Copa, mas correm o risco de ficar por aí se não se armar uma estratégia política, e isso envolve disputa pelo espaço legislativo. Quando Negri veio ao Brasil visitar os acampamentos cariocas inspirado no movimento Ocuppy, perguntaram o que ia acontecer dali pra frente. Sua resposta foi: “não sei, ninguém sabe, o importante é não deixar essa força se dispersar”.
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