Faculdade sem terminar a escola
Sem terminar a escola, alunos vão à faculdade
Decisões judiciais e administrativas autorizam estudantes a se matricularem; preparo de jovens preocupa especialistas
Fonte: O Globo (RJ)
Depois de passar o dia inteiro assistindo às aulas do curso de matemática da PUC-Rio, Pietro Ribeiro Pepe partia para outra jornada em seu primeiro ano como universitário. Enganava-se quem pensava que ele ia trabalhar. Primeiro colocado no vestibular do curso, ele fazia supletivo para poder concluir o Ensino médio.
A cansativa rotina diária se repetiu durante todo o ano de 2013 e foi cumprida por Pietro, hoje com 18 anos, para obedecer decisão judicial. A Justiça do Rio concedeu liminar autorizando o jovem, que passou no vestibular ao final do 2º ano do Ensino médio, a se matricular na universidade, mas impôs que ele concluísse essa etapa. Casos de jovens que, como Pietro, entram com pedidos na Justiça para conseguirem fazer a matrícula na faculdade sem terem concluído o Ensino médio têm se tornado cada vez mais comuns. São estudantes que obtém a aprovação no curso superior no meio do 2º ano, ao final dele ou até no final do 1º ano do Ensino médio. E que preferem não esperar para tentar a vaga novamente depois.
Os tribunais não têm dados sobre o assunto, mas, em Goiás, dois escritórios de advocacia já deram entrada em mais de 400 pedidos nos últimos cinco anos. Eles afirmam que tiveram sucesso na maioria dos casos. No Ceará, os Alunos têm encaminhado suas solicitações ao Conselho Estadual de Educação, que, após o vestibular de meio de ano de 2013, recebeu cerca de 2 mil pedidos. A demanda foi tanta que o órgão cearense emitiu uma resolução em agosto do ano passado para facilitar o andamento dos processos.
A maneira como os Alunos têm conseguido entrar na faculdade varia de estado para estado. Como a Justiça do Rio, a de Goiás tem decidido que as faculdades devem matricular os Alunos, mas que eles precisam continuar os estudos do Ensino médio em turno diferente daquele em que cursam o Ensino superior, segundo a advogada Rafaelle Alves Araújo Gadelha.
Juristas divergem sobre autorização
A mãe do carioca Pietro, Marta Cristina Ribeiro Pepe, disse que, apesar de o filho já ter se destacado várias vezes na vida Escolar, em olimpíadas de matemática e como bolsista de iniciação científica, ela ficou surpresa quando ele, Aluno do Cefet, passou em excelentes colocações para faculdades como Uerj, Unicamp, UFRJ e PUC-Rio ao final do 2º ano do Ensino médio.
- Ele ficou em primeiro lugar na PUC, uma universidade excelente e onde a mensalidade custa quase R$ 3 mil. Ele não poderia perder a chance de ganhar a bolsa de 100% - disse Marta.
Advogados têm argumentado que a Constituição Federal prevê, no artigo 8º, inciso V, que o Estado tem o dever de garantir a Educação com acesso aos níveis mais elevados de Ensino "segundo a capacidade de cada um". O advogado Edilberto de Castro Dias afirma que os juízes de Goiás têm sido sensíveis a esse entendimento, especialmente quando o pedido é para estudar em faculdade particular: - Além disso, aumentou muito o número de vagas nas universidades. E a concorrência é pequena - afirma Dias, que explica que, quando o pedido é para matrícula em universidades federais, as chances de sucesso são menores. O juiz Thiago Soares de Castro, da 2ª Vara Cível e das Fazendas Públicas de Jataí (GO), não concorda e negou os pedidos que chegaram a ele.
- O artigo 44 da Lei de Diretrizes e Bases diz que a Educação superior abrange cursos de graduação abertos a candidatos que tenham concluído o Ensino médio. "Capacidade" é um termo que cada um pode interpretar de um jeito. Para evitar essa insegurança de interpretação, veio a LDB, que complementa a Constituição. E a LDB pressupõe que a capacidade vai ser auferida após a conclusão do Ensino médio.
No Ceará, Tiago Saraiva se matriculou em medicina em faculdade federal aos 15 anos de idade, depois de o Conselho Estadual de Educação determinar que a Escola dele o submetesse a uma prova com todo o conteúdo do Ensino médio. Tiago não havia cursado os dois últimos anos, mas diz que, como já estudava das 6h às 22h quase todos os dias, estava preparado e passou. Com o certificado de conclusão em mãos, se matriculou e agora está no terceiro semestre da faculdade.
- A adaptação não foi fácil, porque entre o Ensino médio e o Ensino Superior a diferença é gritante. Na faculdade, o ritmo do conteúdo é frenético, o Professor fala por três horas e temos que estudar mais em casa, com livros difíceis. Mas tive média 8,5 - afirma.
Aluna do 3º período de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Nathaly Gomes Tenório começou a vida universitária após concluir o 1º ano do Ensino médio, aos 14 anos, depois que a Justiça determinou a emissão de seu certificado de conclusão devido à pontuação dela no Exame Nacional do Ensino médio. Nathaly não teve que fazer prova complementar na Escola nem terminar o Ensino básico.
- Na faculdade, na matéria de fotografia, tive que pedir ajuda a um amigo, pois o Professor falou em números binários, que eu não tinha aprendido no colégio. Quanto à vivência na Escola, não perdi nada. É uma fase gostosa, mas eu já me sentia mais à frente dos meus colegas - disse a jovem. Pietro também notou que não tinha aprendido na Escola alguns conteúdos mencionados na faculdade, mas afirma que já estava maduro:
- Estudei em colégio técnico, que requer maturidade, e já vinha me esforçando muito. No Distrito Federal, em setembro de 2012, o Conselho de Educação emitiu resolução proibindo Escolas de "avançarem os estudos" dos Alunos com vistas à conclusão da Educação básica.
Diante das dúvidas e dos entendimentos opostos dos conselhos estaduais sobre o assunto, uma comissão especial do Conselho Nacional de Educação (CNE) analisa a questão e deve emitir parecer até abril.
- Se isso virar rotina, me parece ruim. É como dizer que a Educação básica tem menos anos do que deveria ter - conclui o presidente do CNE, José Fernandes de Lima.
Preparo de jovens preocupa
Especialistas veem com preocupação a entrada antecipada de estudantes no Ensino superior, mesmo para aqueles que deixaram de cursar apenas um ano do Ensino médio. E temem que eles ainda não estejam maduros o suficiente para a vida universitária.
Para a Professora de Psicologia da Educação da Universidade de São Paulo Silvia Colello, a Educação não está relacionada apenas ao conteúdo.
- Educação também tem a ver com a formação moral, a boa convivência social. O jovem tem a vida inteira. O que você ensina quando pula etapas é: seja esperto e passe à frente dos outros. Por que ter tanta pressa? - questiona Silvia.
A Professora Maria Marcia Malavasi, da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas, lembra que o ambiente universitário é bem diferente do das Escolas e requer maior autonomia do estudante:
- A universidade é mais rica porque o Aluno vai conviver com pessoas diferentes, tem possibilidade de acesso à bibliotecas, à pesquisa e a iniciativas que requerem mais maturidade. No primeiro ano do Ensino superior, ele tem dificuldades que não são das disciplinas, mas de autonomia para ir e vir, para achar materiais.
Catarina de Almeida Santos, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, diz que, quanto mais novo o Aluno entra na faculdade, maiores as chances de a escolha dele pela profissão a seguir não ter sido madura. - Às vezes, a escolha não é consciente, é por pressão da sociedade. Ele é imaturo para decidir sobre o que fazer do resto da vida dele - diz Catarina.
Professora de Psicologia e de Orientação Vocacional da PUC-SP, Regina Sonia Gattas do Nascimento disse que a maturidade varia de Aluno para Aluno e que, muitas vezes, os pais e os próprios estudantes ficam tão vaidosos com o resultado que não observam as consequências da entrada prematura na faculdade.
- Será que o jovem que entra na faculdade com 15 anos e sai com 19 está pronto para assumir a responsabilidade de um cargo que pode ser mais desafiador? Às vezes, alguém que chega mais imaturo no mercado de trabalho pode acabar derrapando em algum lugar - diz Regina.
Segundo Maria Márcia Malavasi, os pais não devem apressar os filhos. - A família tem que tranquilizar o estudante, deixar que ele faça o ano Escolar no seu tempo.