Desistência no currículo

Desistência no currículo

Quando a desistência entra no currículo

23-Dez-2013

ESTADO DE MINAS

O Ministério da Educação se prepara para divulgar as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) na primeira semana de janeiro, segundo o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Luiz Cláudio Costa. Enquanto isso, milhares de estudantes do país, muitos concluintes do ensino médio, planejam entrar na universidade por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU) em 2014, para daqui a alguns anos receber o diploma e entrar, realizados, no mercado de trabalho. Mas nem sempre esse roteiro chega ao fim conforme o planejado. Especialistas alertam que poucos contam com a possibilidade de não gostar do curso escolhido e de ter de abandonar no meio do caminho um sonho muitas vezes cultivado por anos.

Assim que as notas do ENEM forem divulgadas, o MEC abrirá a seleção do SISU e os alunos começarão uma verdadeira corrida para escolher o que vão cursar. O sistema permite que os candidatos se inscrevam para duas opções em quaisquer áreas e universidades federais do país. Na Federal de Minas Gerais (UFMG), que participa do SISU pela primeira vez, serão dois processos seletivos: quem não tiver pontuação suficiente para entrar no primeiro semestre, quando serão ofertadas 3.535 vagas, ou mesmo não estiver convicto de qual curso quer fazer, pode deixar para disputar uma das 2.714 vagas no meio do ano.

O geógrafo Bernardo Silva Araújo, de 27 anos, passou por toda a expectativa que os alunos à espera das notas do ENEM enfrentam hoje: a da conquista de uma vaga na maior universidade pública do estado. Na época, em 2006, a UFMG ainda tinha vestibular e ele optou, não muito confiante, pelo curso de administração. O problema começou já na escolha: "Foi mais ou menos fruto de uma indecisão. No ensino médio, gostava tanto de humanas quanto de exatas, daí optei por uma área interdisciplinar". Não deu certo. Aprovado e matriculado, no fim do primeiro período as dúvidas ficaram evidentes. Bernardo não se imaginava um administrador de empresas, de terno, gravata, pasta, em escritórios. O ambiente também não o agradava. "Em um curso não importam simplesmente as matérias, mas o ambiente, os colegas, as pessoas que estão naquela área", explicou.

Os sinais de que a administração não era seu destino continuaram no segundo semestre do curso. Todas as manhãs, Bernardo acordava de mau humor. Seguia para a faculdade como se carregasse um peso maior do que suportava. "Quando começou a ficar muito difícil ir às aulas, não me sentia muito motivado a aprender tudo aquilo, vi que estava errado e que era hora de mudar", lembra. Foi quando o jovem parou para refletir sobre o que queria para o futuro. "Naquele momento, eu tinha noção do que era uma universidade e estava mais maduro para refletir", disse. Perguntou a pessoas, conheceu disciplinas, pesquisou o mercado de trabalho e voltou à estaca zero para fazer vestibular de geografia. Trancou a matrícula no terceiro período de administração em 2007 e já no início de 2008 começava vida nova na mesma universidade. Hoje, trabalha na área de cartografia e faz mestrado.

DEPENDÊNCIA Segundo a psicóloga clínica Alessia Maria Leone do Amaral, que trabalha com orientação profissional, a maior parte dos clientes atendidos são pessoas que já estão na faculdade, insatisfeitas e que pedem ajuda para encontrar um caminho. Ela aponta a imaturidade como o principal motivo para a desistência. "As pessoas hoje saem cada vez mais tarde da casa dos pais e ficam dependentes até mesmo dessa escolha, que é muito influenciada por familiares", afirmou. Ela indica que o aluno procure ajuda logo que começar a sentir desconforto com o ambiente, disciplinas e colegas. "Quanto mais se prolonga esse sofrimento, mais tempo se perde. Não há um período ideal para sair, mas é bom buscar uma alternativa logo que sentir que aquilo não está adequado", disse.

Alessia aconselha ainda que o estudante busque um profissional da área que está cursando, fique um dia com ele ou faça uma entrevista para entender como é o seu dia a dia, para ver se a realidade do mercado de trabalho se encaixa no que o futuro profissional pretende. Ela alerta que insistir na situação de sofrimento pode levar a um insatisfação capaz de evoluir para depressão.

Se descobrir que a escolha foi errada é difícil para quem enfrentou o funil para entrar em uma universidade federal, para aqueles que estão em faculdade particular é o bolso que reclama. Mas as frustrações são semelhantes. Sarah Maria Moreira Morais, de 31 anos, estava perdida sem saber qual profissão seguiria. Observando o menor número de candidatos por vaga, acabou por escolher medicina veterinária em uma instituição privada de Belo Horizonte. A cada mês que pagava R$ 1 mil de mensalidade, a tristeza e as dúvidas aumentavam. Não era daquilo que ela gostava.

O primeiro período mal terminou e, cerca R$ 8 mil depois, ela decidiu trancar a matrícula. "No início não dá para ter muita noção do curso, mas eu já me deparei com matérias de que tive pavor e teria que estudá-las até me formar. Conversei com um professor e acabei desistindo. Foi dinheiro jogado fora", disse. Ainda assim, ela considera que foi um tempo importante para amadurecer. No semestre seguinte, Sarah estava cursando fonoaudiologia no mesmo centro universitário. Se formou em 2007 e diz que está a cada dia mais encantada pela profissão. "Não troco por nada, é a minha paixão."

Aline Ribeiro de Castro Vasconcellos, de 34, está no meio do curso de pedagogia, também em uma instituição particular. A graduação escolhida inicialmente foi engenharia de produção. Fez um período atraída pelos salários oferecidos no mercado de trabalho, mas achou difícil demais para continuar. "Todos falam que um engenheiro ganha bem e decidi enfrentar. Sempre gostei de humanas e logo vi que não ia dar conta. Troquei pela pedagogia, mas deixei uns R$ 3.500 para trás", disse. "A lição serviu para eu amadurecer e enxergar que não sirvo para exatas."

 

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