2013: o ano do grande Ensaio
Escrito por Fernando Silva |
Sexta, 20 de Dezembro de 2013 |
Tendo como foco a luta contra o aumento das tarifas no transporte público em São Paulo e como gatilho a desproporcional repressão aplicada pela PM do governo Alckmin, centenas de milhares de pessoas, em sua ampla maioria jovens, saíram às ruas das principais capitais e cidades do país a partir do dia 17 de junho. Ao lado da questão do transporte, que foi um dos eixos reivindicatórios, juntou-se a revolta contra os faraônicos gastos públicos nas obras da Copa do Mundo, que durante a Copa das Confederações foi também um catalisador de massas para as manifestações nas capitais onde os jogos se realizavam. A revolta ampla teve seu auge entre os dias 17 e 23 de junho e foi marcada ainda pelas ocupações e protestos diante de dezenas de casas legislativas e executivas - estaduais e municipais -, cuja principal simbologia esteve no cerco e ocupação externa do Congresso Nacional em Brasília, na noite de 17 de junho. Mas como muito se escreveu e se falou, pela boca e cartazes dos próprios manifestantes, tudo aquilo não foi apenas pelos 0,20 centavos. De fato, embora o resultado concreto das manifestações tenha sido a vitória do movimento na questão das tarifas, não apenas em São Paulo, mas em diversas capitais e cidades do país, em um fulminante efeito dominó, uma profunda indignação explodiu, de forma inesperada, praticamente espontânea, contra praticamente tudo, questionando a institucionalidade política vigente e suas representações tradicionais, especialmente partidos e políticos. Tudo certo nada resolvido Se há algo que as jornadas de junho colocaram na mesa é que, no Brasil onde está tudo certo nas vozes dos defensores dos avanços sob a era do lulismo, nada, na verdade, está resolvido. Não se consegue entender as razões de tamanha indignação e força das ruas sem observar que a profunda e estrutural desigualdade social no país está longe, muito longe de estar resolvida. O pano de fundo é a falta do acesso à saúde, à educação, à moradia, ao transporte, enquanto a corrupção e os obscenos gastos públicos em favor dos grandes negócios privados produz fraudes como os Eikes Batistas e os elefantes brancos suntuosos para a Copa do Mundo, ao lado de favelas sem esgoto tratado e posto da saúde. As vozes das ruas de junho foram as de milhões de jovens precarizados no mercado de trabalho, mesmo os que já possuem o diploma universitário. São parte de uma nova classe trabalhadora sob baixos salários, baixa proteção social, vivendo sob os limites de uma política econômica que patina a cada trimestre e diante de uma elevação “controlada” da inflação, do endividamento familiar. No país da desigualdade dissimulada, as novas gerações estabeleceram um marco, na verdade, um profundo corte geracional. A ampla maioria dos que tomaram as ruas em junho não tem referências nas velhas e tradicionais representações e não forjou ainda novos instrumentos e novas referências políticas e organizativas. Ninguém de fato está ainda representando o que aconteceu em junho, porque esta nova geração não vê sentido em partidos e sindicatos de massa tais como eles se apresentam hoje. Basta comparar o apelo patético que obteve, em termos de adesão nas ruas, o chamado das centrais sindicais para os dias de paralisação em julho e agosto, se comparado com a dimensão das ações em junho. E não é porque a classe trabalhadora não entrou em ação nestas jornadas de junho. Raciocínio falso e formal, típico da burocracia rotineira. Como se só quando os aparatos marcam suas datas de cima para baixo e colocam seus carros de som nas ruas é que a classe entra em movimento. A esmagadora maioria dos jovens que estavam nas ruas em junho são assalariados, estão no mundo do trabalho, mas não querem saber de aparelhos burocratizados dando ordens e dizendo quando se pode mobilizar, quem fala no carro de som etc. e etc. O tom autonomista e auto-organizado desta nova geração, a ausência de referências e de uma direção reconhecida, colocam contradições evidentes, como o crescimento de movimentos e táticas como os blacks blocs. São expressão de uma juventude radicalizada e disposta a enfrentar sem mediações a repressão e o sistema, mas que se autolimita na sua ação, tendo pouco vínculo com as ações coletivas de massa (estas, sim, a mais radical forma de enfrentamento com o Estado e o sistema). Mas, destas contradições, não resulta negar o componente extremamente progressivo das jornadas de junho, que recolocou na cena política o método das mobilizações de rua como a forma privilegiada de se fazer ouvir, diretamente. Entre outras razões, e talvez a mais importante, porque junho estabeleceu uma nova correlação de forças no país, mais favorável às classes trabalhadoras e suas demandas, porque estas ações elevaram a confiança e a percepção de que é possível obter conquistas com a mobilização de rua, massiva e coletiva. Prova disso é que o segundo semestre deste ano foi marcado por incontáveis lutas sociais – greves muito expressivas, passeatas e atos de rua, luta popular pela moradia entre outras. As jornadas de junho foram um grande ensaio, um ponto de ruptura ou, no mínimo, um profundo questionamento a uma velha política rotineira e burocrática. Colocou no cenário e no mapa da política o método das mobilizações de rua e de uma democracia das ruas. Os próximos capítulos não estão escritos e nem protagonizados, mas possivelmente este grande ensaio de 2013 será um novo ponto de partida para uma reorganização amplificada de movimentos, classes, instrumentos, ideias e práticas em busca de uma outra forma de fazer política, para tentar superar a profunda, estrutural e violenta desigualdade social. Caberá a uma autêntica e renovada esquerda anticapitalista e socialista saber dialogar com estes novos tempos, para credenciar, no estímulo à auto-organização, um projeto de poder e de ruptura sistêmica que não se limite a uma estratégia rotineira, da próxima disputa eleitoral ou sindical. Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL. |