Outra visão da escola
Escrito por Sebastião Natálio
Vem de longa data a discussão sobre a utilização do tempo e do espaço nas escolas. O assunto preocupa professores, diretores e gestores da educação que se pronunciam por meio de artigos, entrevistas, pesquisas, seminários, encontros e todas as demais formas possíveis de debate. O certo é que a maioria sabe que está mais do que na hora de realizar mudanças nesses dois sentidos, de rever espaços e tempos da escola.
O professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Claudemir Edson Viana, é líder do projeto de formação em serviço de educadores no projeto “Escolas que Inovam”, pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Viana trabalha com professores de duas escolas que participam do projeto promovido pela Fundação Telefônica Vivo e pelo Instituto Natura, com o objetivo de que nessas instituições ocorra o uso pedagógico das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) de maneira mais intensa e inovadora.
Os projetos político-pedagógicos das escolas municipais de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima e Campos Salles, de São Paulo, apontam para a possibilidade de flexibilizar o tempo e o espaço na educação. Segundo o coordenador, elas empregam a experiência da Escola da Ponte, em Portugal, que derrubou as paredes favorecendo a integração do conhecimento. Em dois grandes salões da escola, cerca de 100 alunos de diferentes séries se reúnem. Os grupos de alunos são organizados por idades e níveis de aprendizagem e obedecem a um percurso previsto por roteiros de estudo, contando com tutorias individuais. Nesse sistema, não existe a organização por disciplinas e nem com aulas expositivas e com duração curta (50 minutos), como o convencional das escolas do ensino básico. “Há um percurso de aprendizagens a ser desenvolvido pelos alunos de maneira individual, com base em roteiros de estudo, e que é também executado de forma articulada a projetos coletivos”, afirma Viana.
Em termos de organização, nessas escolas, a direção e os professores remodelaram ampla e profundamente a organização do ambiente físico e do tempo durante o processo educativo presencial. “Por exemplo, no caso das duas escolas do projeto, há uma docência solidária, como é intitulada pelas escolas, porque o grande grupo de alunos presente em cada salão tem na mediação educativa um grupo de professores que atuam de maneira articulada”, afirma o líder.
Na mesma linha de Viana, a diretora executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, acredita nessa mudança, só que vê também muitas ressalvas. Ela destaca uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, encomendada pela Fundação Victor Civita, a qual aponta que apenas 2% dos estudantes do ensino médio desejam seguir a carreira de Pedagogia e licenciaturas. Isso, segundo ela, é o primeiro problema a se resolver. Para Priscila, a causa desse baixíssimo índice de interesse é o formato arcaico da organização das escolas. “A escola hoje precisa ser um ambiente divertido, algo menos do que entretenimento, mas com reconhecimento das várias habilidades dos alunos. O espaço não pode ser organizado como é hoje. O aluno de hoje dialoga, quer se expressar mais do que o aluno de 50 anos atrás, é o protagonismo juvenil da voz, que quer trabalhar mais com projetos e ideias próprias”, afirma Priscila.
A professora Silvia Aparecida Medeiros Rodrigues, licenciada em Português, Francês e Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), acredita que para a escola obter sucesso ela não pode ser organizada nos mesmos parâmetros que, até então, têm sido adotados. Para ela, que dá aula em escola pública desde 1996, o lugar dos alunos precisa ser alterado. “Eles não podem ficar sentados um atrás do outro olhando a nuca do colega, sem o menor interesse no que o professor está dizendo. O aluno precisa ter voz e vez”, diz, endossando o posicionamento de Priscila.
Silvia está produzindo um artigo sobre o tema para o mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade da UEPG. “Quando a escola se movimenta sincronizada, como no jogo de xadrez, é mais fácil prever as jogadas, por isso o projeto político-pedagógico (PPP) não pode ser apenas mais um papel, ele precisa ser construído com a participação de todos os segmentos da escola: alunos, merendeira, diretor, pedagogo, servente, jardineiro, bibliotecário e quem mais fizer parte do contexto escolar”, descreve. “Isso não significa que cada um vai escrever um pedaço e transformar o PPP em uma colcha de retalhos, pelo contrário, cada um pode dar sua contribuição nessa discussão de forma que ele seja organizado de acordo com os objetivos traçados em conjunto, para tanto, a equipe escolar precisa pensar coletivamente e não mais individualmente. A escola precisa estar aberta ao outro, precisa agir com resiliência”, complementa.
Questão de tempo
Resolvida a questão do espaço, é preciso achar uma solução para o tempo. Os especialistas concordam que o limite de tempo de 45 ou 50 minutos de aula é insuficiente se o objetivo for o conhecimento. Para Viana, o processo educativo é contínuo e extrapola os momentos e as práticas da educação formal, aquela promovida dentro da sala de aula. Mas a diretora executiva do Todos pela Educação chama a atenção para outro aspecto, que esbarra na gestão financeira. Ela acredita que, dependendo do modo como a grade for alterada, pode gerar mais custos para as instituições.
Priscila defende que qualquer flexibilização no horário deve ser boa para a escola, para o professor e para o aluno. Uma saída é desenvolver projetos em grupo com os alunos, sem o tempo fixo de aula. “Mais do que organizar o espaço, este é um movimento mais complicado, é um desafio institucional e as escolas devem achar uma solução mais criativa”, ressalta. “No entanto, a legislação não é nenhuma barreira para mudarmos o que temos hoje”.
A professora Silvia salienta que os docentes precisam parar de pensar que a escola gira em torno de sua disciplina; cada um no seu horário entra na sala, ministra sua aula e vai embora, como se tudo tivesse terminado. “Na verdade, está apenas começando, cada disciplina está entrelaçada na outra. Se o currículo oportunizar o encontro das disciplinas num processo interdisciplinar, muitos conteúdos poderiam ser ministrados de muitas formas diferentes e tanto professor como aluno estariam ganhando com essa ação”, enfatiza.
Ao rever o tempo e os espaços da escola, fique atento a essas questões:
- A escola fechada é antagônica à educação;
- A escola não pode ser o único lugar de aprendizagem;
- Na elaboração do PPP, ouvir mais os alunos na organização da aprendizagem e ouvir as famílias;
- Permitir, de maneira adequada, o uso de tecnologias pelos alunos, na realização dos seus projetos. TIC é a sigla do momento;
- Seguir o exemplo da EMEF Campos Sales, que desenvolve o projeto de Bairro Educador, no Heliópolis, em São Paulo;
- Para os professores, promover as melhores condições possíveis para que desenvolvam um trabalho dedicado e diferenciado. Essas condições passam por aspectos mais gerais e que são consequências das políticas públicas em execução (remuneração, por exemplo), e de infraestrutura, como espaços, equipamentos, formação continuada, gestão participativa em que os docentes são cocriadores do modelo de ensino adotado.
Matéria publicada na edição de setembro de 2013.
http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/especiais/sucesso-escolar/478-outra-visao-da-escola