Um tapa na cara da Advocacia e dos servidores
Montagem do EV sobre foto de Camera Press
Por Rodrigo Bolzani, advogado (OAB-RS nº 56.653).
Apresentado em regime de urgência, o PL nº 365/2013 enviado pelo Executivo Estadual para votação na Assembleia Legislativa é um tapa na cara da Advocacia e dos milhares de servidores públicos e pensionistas do RS.
Não satisfeito com a mudança que, alguns anos atrás (Lei n.º 13.756/2011), aumentou o prazo de pagamento das RPV de 60 para 180 dias – sem jamais cumprir tal prazo - e limitando o pagamento das requisições em percentual ínfimo sobre a receita líquida (lei esta que se encontra hostilizada pela ADI nº 4668-STF), o governo gaúcho volta a eleger os servidores e credores do RS como inimigos de seus problemas de caixa e gestão.
A nova investida trata de reduzir o valor das RPVs no âmbito estadual de 40 salários mínimos (R$ 27.120,00) para apenas dez salários mínimos (R$ 6.780,00). Conforme previsto no famigerado PL nº 365/2013, todos aqueles que não tiverem sua RPV com expedição determinada até a entrada em vigor da lei, ou terão de abrir mão do excedente a R$ 6.780,00 ou irão ingressar na trágica fila dos precatórios.
O projeto contempla ainda outras perfumarias como um risível aumento do fictício percentual de comprometimento da receita com pagamento de RPVs, bem como insere preferências para o pagamento, o que nenhum efeito prático terá, eis que ao mesmo tempo existe um prazo para pagamento, comum a todos os credores.
É discutível que se possa criar ordem de preferência para pagamento de RPVs, pois não deveriam estar submetidas a qualquer ordem diversa da cronológica. Ultrapassado o prazo não há de se falar em preferência. E sim em inadimplência.
Na mesma linha o projeto cria diversas inconstitucionalidades. O PL nº 365/13 busca também criar norma processual. Em caso análogo, de criação de norma processual por Estados, o STF já repeliu tais intenções, como v.g na ADI nº 2257.
É que o PL nº 365/2013 tenta aplicar este novo limite de dez salários mínimos a todos os processos em trâmite no RS, já julgados ou não, com trânsito em julgado ou não, afastando a sua incidência, a teor do art. 3º, apenas quando “as requisições de pequeno valor cuja ordem judicial de expedição tenha sido proferida antes da entrada em vigor” da lei.
Assim a tentativa de atingir a grande e esmagadora maioria dos processos em trâmite, além de maliciosa, é obviamente de natureza processual, eis que somente a norma processual atinge feitos em andamento.
O mesmo se nota quando o § 1º do art. 3º do PL nº 365/13 prevê que os juízes intimem as partes que formalizarem renúncia ao excedente a 40 salários mínimos antes da determinação de expedição da RPV, mas também antes da vigência da lei, para que se retratem; o que visa evitar uma corrida dos jurisdicionados para apresentação de renúncias antes que o projeto seja aprovado. É clara a tentativa de criação de norma processual.
Existe também inconstitucionalidade quanto ao prazo que os Estados tinham para reduzir o valor limite das RPV em suas competências.
Restou delegado aos Estados da federação a definição, dentro da sua competência, do limite de crédito que iriam considerar como de pequeno valor. Tal autorização consta do § 4º, do art. 100 da CF/88.
Inobstante, os Estados somente podiam editar legislação sobre o tema no prazo de 180 dias a contar da publicação da EC nº 62/2009. Há evidente contrariedade ao disposto no artigo 97, § 12º, I, da ADCT, incluído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, que reza expressamente: “§ 12. Se a lei a que se refere o § 4º do art. 100 não estiver publicada em até 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de publicação desta Emenda Constitucional, será considerado, para os fins referidos, em relação a Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, omissos na regulamentação, o valor de: I - 40 (quarenta) salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal”.
Não houve edição nem aprovação de tal legislação no tempo hábil, logo, mantém-se o valor de 40 salários mínimos como teto para expedição de RPV no Estado do RS.
Outro artigo polêmico e inconstitucional é o art. 4º, que cria uma nova modalidade processual de pagamento de valores devidos pelo Estado do RS. O Estado do RS pretende fazer pagamentos das RPV de até dez salários mínimos, diretamente em folha de pagamento, sem necessidade de RPV.
O que em um primeiro momento parece ser uma coisa boa tem como pano de fundo penalizar os advogados que trabalham em ações individuais. Todos.
Para tanto, em caso de demanda coletiva ajuizada por entidade de classe, o Estado do RS pretende fazer o pagamento das pessoas representadas por estes órgãos diretamente em folha, causando a perda de objeto e a extinção das ações individuais, quando se sabe desde há muito que as ações coletivas sequer induzem a litispendência ou conexão.
O jurisdicionado tem todo o direito de contratar o advogado que melhor lhe convier, sem ficar adstrito ao desfecho, moroso ou não, com sucesso ou não, das ações coletivas.
O objetivo precípuo, logo se vê, é massacrar os advogados militantes contra a Fazenda Pública e afrontar o acesso a jurisdição e o princípio da demanda.
Não fosse tudo isso, a redução do teto para fins de enquadramento como RPV é flagrantemente inconstitucional também por não ser nada razoável e sim exageradamente desproporcional.
Como exemplo, podemos tomar o Estado de Rondônia que editou lei estadual reduzindo o valor limite das RPVs para o patamar de 10 salários, legislação questionada no STF pelo Conselho Federal da OAB (ADI nº 4.332).
Já pronta para julgamento essa ação recebeu parecer da PGR pela sua procedência, aduzindo dentre outras coisas que o critério exclusivamente financeiro é descabido e desproporcional. As peças eletrônicas podem ser consultadas em http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=3787479
Ora, enquanto Rondônia teve um PIB de 23 bilhões em 2010, o Estado do RS no mesmo ano teve PIB de 252 bilhões (quase 11 vezes maior). O PIB gaúcho cresceu 15,0% no segundo trimestre e 8,9% no primeiro semestre de 2013.
Destarte, se o CF-OAB e a PGR manifestaram-se na ADI nº 4332 pela desproporcionalidade da redução do valor das RPVs em Rondônia, o que se dirá em um Estado pujante como o RS?
Considerando os expressivos recursos que têm entrado e vão ingressar no curto prazo nos cofres do tesouro gaúcho a desproporcionalidade da redução do limite das RPVs é escandalosa.
Recentemente o Governo Federal aportou R$ 3 bilhões no caixa do RS a respeito de uma dívida da União com a CEEE.
O governo do RS está a se utilizar de 4,5 bilhões dos depósitos judiciais para gerir a sua máquina.
O Estado do RS deve colher nesta safra 2,7 milhões de toneladas de trigo, provavelmente a segunda maior safra de sua história.
O Brasil deve tirar do campo, no ano que vem, a maior colheita de soja de sua história e ultrapassar os EUA como o principal produtor mundial. O RS é o terceiro maior produtor nacional.
A Câmara dos Deputados concluiu em 23/10/2013 a votação do projeto de lei que alterou as normas para renegociação das dívidas de Estados e Municípios: as dívidas serão corrigidas pela taxa básica de juros, a Selic ou pelo IPCA mais 4% ao ano, o que for menor.
Atualmente, os Estados e Municípios pagam, ao governo, uma correção de IGP-DI mais 6% ao ano, IGP-DI mais 7,5% ao ano ou IGP-DI mais 9%.
O novo índice será aplicado de forma retroativa.
Em síntese nenhuma justificativa plausível de falta de recursos financeiros poderá ser aceita para aprovação do PL nº 365/2013. O único intuito do projeto é protelar o pagamento das dívidas de RPVs por tempo indeterminado e acarretar prejuízo de verbas alimentares e enriquecimento indevido do Estado do RS.
Explica-se: nas condenações judiciais da malnascida lei Britto (Lei nº 10.395/95) é comum que os créditos dos servidores públicos e pensionistas ultrapassem 40 salários mínimos e os cidadãos, fugindo da impagável fila dos precatórios, renunciam muitas vezes a mais de 50% dos seus créditos para receber na via da RPV, limitada ao teto de R$ 27.120,00 brutos.
Em outras inúmeras questões propostas por servidores e pensionistas, a grande maioria das condenações supera dez 10 salários mínimos, donde o Governo do RS está tentando institucionalizar o calote, ao propor a legalização de uma verdadeira moratória, onde por cinco anos não pagará valores acima de R$ 6.780,00 via RPVs, a menos que as pessoas abram mão de mais da metade ou quase da totalidade de suas verbas alimentares, verdadeiro enriquecimento torpe e indevido de um devedor contumaz que é o Estado do RS.
A alternativa será o ingresso na tragicômica fila dos precatórios, com olhos míopes e ares de imoralidade, eis que o RS neste ano de 2013 pagou precatórios expedidos no ano de 2001, o que perfaz uma fila de 13 anos.
Espera-se que a OAB, os servidores públicos, o judiciário, os advogados e a sociedade combatam com veemência esta tentativa de institucionalizar o calote contra as verbas alimentares de milhares de cidadãos gaúchos.
A culpa não é de quem busca seus Direitos. A culpa é de quem os viola, incessantemente, como disse Rui Barbosa, estas violações acumulam, continuamente, sobre o tesouro público, terríveis responsabilidades.
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