Estudante militante
Estudante militante: é possível harmonizar estudo e militância estudantil?
O estudante militante é um aluno diferenciado. Ao contrário dos muitos que se dedicam com esmero e se concentram em passar de ano, ser aprovados e conquistar o prêmio merecido, o aluno-militante, em geral, desenvolve uma atitude crítica em relação à sociedade, à instituição universitária, ao curso e disciplina. Isto não significa que o acadêmico não militante seja incapaz da reflexão crítica e de posicionar-se criticamente. Contudo, ao contrário daquele que abraça causas coletivas, ele age por motivações essencialmente individuais e se mantém atrelado ao paradigma do aluno ideal que cumpre as tarefas acadêmicas, é plenamente adaptado ao habitus academicus, com capacidade de leitura e facilidade de assimilação e escrita; está entre os que alcançam as melhores notas e sucesso na carreira acadêmica.
De fato, o aluno padrão corresponde às expectativas dos docentes, são os que têm maiores possibilidades de serem escolhidos como monitores e potenciais candidatos a serem orientados em PIC, PIBIC e futuros mestrados e doutorados. Claro, o estudante militante também pode apresentar estas qualidades, mas ele tende a se diferenciar pela atuação política extraclasse, o que, aliás, pela afinidade política-ideológica com este ou aquele docente, abre outras possibilidades de acesso aos espaços institucionalizados – as afinidades eletivas também acontecem para o aluno modelo, mas isto é mascarado com razões pretensamente acadêmicas, aparentemente formais e isentas de valores.
Nesta tipologia, também devemos considerar o aluno rebelde, aquele que não se encaixa no modelo ideal, nem necessariamente está comprometido com a militância. Neste caso, a rebeldia é vista negativamente. A não ser que a atitude rebelde evolua para o comprometimento militante ou para a adaptação às exigências do sistema político-pedagógico, ele terá muitas dificuldades para seguir adiante e concluir satisfatoriamente o curso. Suas chances serão melhores se houver compreensão e apoio docente.
Há, ainda, que levarmos em conta o típico aluno que, por sua história de vida, habitus, pouco capital social e cultural, tem imensos obstáculos para se adequar ao habitus acadêmico – pois faltam-lhe as habilidades e condições básicas para atender às exigências do ensino formal universitário. Estes são os que mais precisam da compreensão e ajuda dos docentes, mas destinam-se, salvo exceções de auto-superação, a serem preteridos pelos alunos mais adaptados ao sistema pedagógico institucionalizado. O aluno modelo permanece sendo o ideal do professor e o sucesso acadêmico é, em grande parte, determinado pela maior ou menor aproximação efetiva a este aluno idealizado. É possível ainda que, diante das dificuldades encontradas no desempenho como estudante, este aluno encontre na militância uma forma compensatória de auto-realização – o que, inclusive, também lhe abre portas no campo acadêmico.
Em qualquer das situações, o estudante militante diferencia-se – ainda que incorpore outras características tipológicas. A depender da postura política-pedagógica, esta diferenciação pode ser encarada de maneira positiva ou negativa. Pessoalmente, concebo positivamente – e isto está vinculado à minha experiência docente e história de vida. Quando fiz a graduação, já incorporava a militância na Teologia da Libertação, no movimento operário e no partido. O apelo a participar do movimento estudantil foi contrabalanceado por este acúmulo prático-teórico. Desde aquela época, pareceu-me claro que o estudante precisa, sobretudo e especialmente, estudar – perdoem o pleonasmo. É isto que se espera dele! A militância não libera o aluno da responsabilidade de cumprir seus deveres acadêmicos, não o desobriga das leituras necessárias à sua formação intelectual, de elaborar as atividades solicitadas, respeitar prazos e ser assíduo, etc.
A qualidade de militante não implica em privilégios – tratamento diferenciado gera injustiças. O estudante militante, por seu compromisso político e social para além da sala de aula, tem a obrigação moral de superar-se academicamente. Em suma – e, novamente, perdoem a redundância – ele não pode descuidar-se de… estudar! E, tratando-se de uma universidade pública, isto adquire o status de um imperativo categórico. Afinal, é a sociedade que financia os estudos e a universidade, embora pública, é seletiva. Muitos dos que gostariam de estudar não passaram pelo funil do vestibular. Diante dessa realidade social, os que tiveram o mérito de ocupar as vagas disponíveis não tem o direito de negligenciar os estudos. O militante que relega seus deveres de estudante corre o risco de perder o respeito daqueles que se propõe a representar. Talvez este seja um dos fatores que induzem ao isolamento cada vez mais intenso do movimento estudantil, restrito aos convertidos e sem vínculos reais com a realidade da maioria dos estudantes.
Conheci estudantes que, admiravelmente, conseguiram harmonizar militância estudantil e estudo. Alguns deles, inclusive, estão na pós-graduação. Também conheci outros que priorizam a militância em detrimento dos estudos e parecem estudantes profissionais, candidatos a jubilar. Conheço muitos que tentam harmonizar a militância com as exigências do habitus academicus e, na prática, não se dedicam a estudar como deveriam. O resultado é o abandono de disciplinas, reprovações ou aprovações não convincentes do ponto de vista do desempenho acadêmico. Nem sempre estudar e militância são compatíveis e, seja como for, sempre apresenta um grau de dificuldade e dilemas às vezes insuperáveis. Quando se é jovem isto pode parecer que não é um problema. Mas o tempo passa para todos. Será que vale a pena envelhecer numa instituição universitária em nome da militância? Como ser militante estudante sem perder o foco no estudante? A reflexão é necessária!