A culpa dos omissos
Alguma arte – A culpa dos omissos
Era 7 de outubro…
Por Larissa Acosta – em seu blog “Melocoton“
Aquele som invadia minha sala. Tomava o lugar de uma monotonia habitual, que costumava preencher os espaços entre mesas, cadeiras, computadores e cabeças.
Aquelas vozes batiam com fervor às janelas fechadas das margens verticais da Avenida Presidente Vargas. Elas clamavam pelo silêncio conformado de todos nós.
Porém, já eram 18h. Arrumei minhas coisas e levantei.
De saída, vi que as pessoas compartilhavam sua preocupação sobre como voltariam para casa. Ninguém parecia escutar o que diziam as vozes da rua. O canto que vibrava o ar frio daquele início de noite era ali só mais um barulho da cidade.
Eu estava no hall, encarando aquelas portas de madeira, esperando que uma se abrisse e me levasse direto ao fim do expediente de mais um dia de trabalho. Mas aqueles gritos haviam me seguido. Atravessaram portas e paredes e também minha pele e ossos. Ecoavam dentro de mim. Aflita, entrei no elevador.
A rua estava repleta de pensamentos e palavras. Enquanto caminhava contra aquela corrente de gente, quis me deixar levar a maior parte do tempo. Olhar para aqueles olhos sedentos de solidariedade era como encarar um espelho: eu tampouco entendia porque não me juntava àquela massa cidadã.
Decepcionada, segui meu rumo. Sabia que mais tarde aquelas pessoas teriam que encarar a PM e suas armas, que ferem o corpo e a dignidade de quem luta pelo coletivo (e isso inclui os próprios policiais). Mas continuei dando, um a um, meus passos egoístas em direção à Estação Uruguaiana.
Entrei no metrô. O som ali não tinha a solidez das ruas: eram fragmentos individuais, dispersos, pessoais. Eram muitas pessoas, mas apenas pessoas. Sem força, sem união, ligadas apenas pelo desejo de chegar logo a suas casas. E ali estava eu.
Sentei triste e acanhada no trem. Empunhei minha educação e escrevi, li e me informei. Lembrei-me de cada palavra de progresso, cada lição que já levei das salas de aula por onde passei, de todo o esforço e nobreza daqueles que dedicam a vida a construir uma sociedade melhor.
Meu grito não havia se juntado ao dos professores naquela noite. Mas ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que acompanhavam o balanço do vagão, eu me importava. Eu pensava e refletia.
E novamente, aquelas vozes invadiram o espaço. Dessa vez, porém, emanavam silenciosamente de dentro de mim.
Com a culpa dos omissos pesando sobre meus ombros, me escorei na janela escura do trem. Sentada, adormeci.
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