Desinteresse do aluno e a práxis docente
Reflexão sobre o desinteresse do aluno e a práxis docente!
A práxis docente necessita ser constantemente pensada e repensada. É uma questão ética e de responsabilidade intelectual, profissional e humana. Uma das qualidades do docente, por mais erros que ele cometa, é a insatisfação. Ainda que o conteúdo seja o mesmo, ele precisa reler, descobrir novas fontes, manter-se atualizado, informar-se e formar-se continuadamente. Buscar novos métodos e, principalmente, levar em consideração os alunos no processo educativo. Novas turmas, outras pessoas, novas realidades. A reflexão docente deve ser permanente.
Contudo, tanto o professor quanto seus alunos, ainda que diferentes a cada semestre e ano, são portadores de valores, reproduzem vícios, mantém carências relacionadas à formação, enfim, habitus. Por outro lado, a práxis educativa é limitada pelas teias do aparato formal burocrático, cujas exigências tornam-se imperativas. Ainda assim, é possível – e necessário – superar a mesmice, fugir à mediocridade, inovar e almejar uma educação para além das nossas limitações. A condição essencial é o autoconhecimento, a identificação e reconhecimento das nossas qualidades, potencialidades e, fundamentalmente, dos nossos limites e equívocos. Daí a necessidade de refletir cotidianamente sobre a práxis docente e, consequentemente, de feedback. Por isso, as constantes solicitações de avaliações.
Observo a perplexidade diante de uma nova situação que significa abandonar o confortável papel de ser objeto e passivo no processo educativo – o que inclui o direito às reclamações de corredores, murais do Facebook, as “estratégias de sobrevivência”, etc. – e assumir a co-responsabilidade pela própria formação, compartilhar dos rumos didático-pedagógicos, participar e decidir coletivamente. Por que a ideia de também responsabilizar-se causa estranhamento? Acostumamo-nos ao papel de submisso – o que não anula os resmungos, estratégias de resistência, etc. Habituamo-nos demais à figura da autoridade do sistema educacional burocrático encarnado na figura do professor. E, se num lampejo de rebeldia desafiamos a autoridade – às vezes de maneira desrespeitosa– o fazemos apenas na confrontação com o indivíduo-docente; muito dificilmente desafiamos o “sistema pedagógico”.
Em outras palavras, aceitamos o habitus inculcado e naturalizamos os processos burocráticos, didático-pedagógicos e avaliativos. Não concebemos que possa ser diferente da mesmice que vivenciamos desde o primeiro dia em que, em tenra idade, adentramos na sala de aula. Acostumamo-nos, sobretudo, ao poder professoral e paralisamo-nos diante da possibilidade de abandonarmos a servidão voluntária. Aparenta-nos mais seguro, porque é o procedimento já conhecido e introjetado, simplesmente deixar que a autoridade decida – afinal, esta não é a sua função?
Fala-se em revolução, subversão da ordem, em desnaturalizar as relações sociais, mas cotidianamente reforçamos o status quo, naturalizamos as relações de poder pedagógico e nos assustamos com a possibilidade de subvertemos a nossa práxis educativa e a nós mesmos. Então, permanecemos na zona confortável do reconhecido, na dependência que nos garante a comodidade de atribuirmos a responsabilidade unicamente a outrem. Se der certo, o elogiamos e talvez até o coloquemos em um pedestal; se não atinge as nossas expectativas, torcemos para que o tempo passe, adotamos saídas de emergência, nos esforçamos para suportar, torcendo para que tudo acabe bem – ou seja, apesar de tudo, e ainda que nada nos acrescente, é preciso ‘passar de ano’. Resta-nos o veredicto do bom e mau, e assim resolvemos a os dilemas pedagógicos que, embora não reconheçamos, também são os nossos!
O professor é o responsável e deve agir responsavelmente. Mas será que cada um de nós também não é intrinsecamente responsável por nosso próprio aprendizado? Ao imputarmos a responsabilidade apenas ao outro, abdicamos de sermos agentes do nosso próprio destino, da nossa própria formação, e nos subordinamos a uma força externa sintetizada na figura do professor, da qual dependemos para conquistar o prêmio que nos é ofertado pelo bom comportamento!
A aula é uma relação social, humana. E o humano é um ser complexo, contraditório e, por natureza, imperfeito. Como é possível ensinar a quem se recusa a aprender? O que fazer diante do desinteresse explícito ou disfarçado diplomaticamente em boas maneiras aparentemente civilizadas? Como superar a concorrência da tecnologia – notebooks, celulares, etc.? Como envolver a todos no processo de ensino-aprendizagem se este é reduzido aos aspectos formais e submetido à razão instrumental?
O aluno está presente, mas sua motivação é meramente formal-burocrática, ou seja, garantir que não será reprovado por faltas. Corpo presente, mas espiritualmente ausente. Torturado pelo blábláblá do professor, ele distancia-se mentalmente e, quando mesmo isso o cansa, resta dirigir-se à porta e ir embora. Outro se concentra admiravelmente em seu notebook, mas a tela expõe o texto em pauta? Ainda outro, mal disfarçadamente utiliza o celular, o qual oferece múltiplas possibilidades de não interagir com a aula. Tais tecnologias, no entanto, não são o problema em si. Elas apenas potencializam práticas escapistas diante de uma aula que se mostra desinteressante – somam-se a outros escapismos como as conversas paralelas, desconversas, desenhos e rabiscos, leitura de textos de outras disciplinas, saídas providenciais, etc. A rigor, as tecnologias podem contribuir com o processo educativo. A questão essencial é o interesse ou desinteresse pela aula.
Bem, não gostamos das mesmas coisas; não torcemos pelos mesmos times – muitos nem gostam de futebol; não gostamos das mesmas músicas, dos mesmos filmes; não compartilhamos das mesmas ideologias; não professamos a mesma fé. Uns gostam de antropologia – e nesta elegem temáticas; outros adoram sociologia – e, da mesma forma, se identificam com determinadas linhas de pesquisa. Imagino que há os que preferem Ciência Política, mas não tudo o que se refere à área! A identificação segue caminhos distintos orientados por interesses acadêmicos legítimos. Como esperar, então, que todos se interessem por sua disciplina?!
O desinteresse e as formas como este se manifesta é compreensível – no futuro talvez isto seja reavaliado e, então, percebamos, às vezes tardiamente, que também aquela disciplina maçante poderia ter contribuído em nossa formação. Mas, o tempo urge e a vida acadêmica exaure as nossas forças. Assim, é preciso escolher, direcionar-se pelo gosto e preferência, priorizar, adotar “estratégias de sobrevivência”. Dessa forma, rifamos esta ou aquela disciplina, empurramos com a barriga e fazemos de conta que nos comprometemos. No final, se nossas estratégias não derem certo e o resultado não for o esperado, ainda nos resta a possibilidade de culpabilizar o professor. Nem sempre assumimos a responsabilidade por nossos próprios atos, é sempre mais cômodo imputar a outrem a causa dos nossos dissabores.
Nada disso, porém, retira a responsabilidade docente de preparar a aula, adotar estratégias didáticas coerentes e consequentes que possibilitem uma boa aula e favoreçam o processo de ensino-aprendizagem. Nada disso desresponsabiliza o professor da obrigação de conhecer e dominar métodos de ensino-aprendizagem, de dar atenção à voz e à linguagem, de conhecer profundamente o conteúdo que trabalha e, sobretudo, de procurar desenvolver a capacidade de corresponder ao interesse do aluno por sua aula e, inclusive, de superar o desinteresse disfarçado ou manifesto. Ainda que não consiga atingir as metas, não deve esmorecer, mas sim esforçar-se e aperfeiçoar-se continuadamente – mesmo que cometa erros e permaneçam imperfeições inerentes ao humano. Sua dedicação é fundamental!
No fundo, o aluno é generoso e deseja o sucesso do professor. Tanto é que o desinteresse manifesta-se à medida que o tempo passa – claro, há outros fatores que fogem à alçada do professor e mesmo o passar dos meses provoca um cansaço natural. A rotina precisa ser desafiada a cada dia! De fato, também o aluno deseja que as coisas saiam bem, que a aula seja pelo menos boa. Ele deslocou-se da sua casa – muitas vezes viajou quilômetros – e quer ser recompensado, isto é, que a aula seja atraente, interessante, acrescente algo e, enfim, faça valer a pena. Ele não quer frustrar-se, ter a impressão de que foi tempo perdido, concluir que teria sido melhor investir seus esforços mentais e físicos, seu precioso tempo, em outro projeto, tarefa…
Assumir erros e procurar aperfeiçoar-se é parte da responsabilidade do professor. Mas também o discente tem a sua quota nisto. A reflexão permanente sobre o processo educativo deve ser tanto do docente quanto do discente. Não basta elogiar e/ou criticar, é necessário assumir-se como parte da relação pedagógica, dos dilemas e problemas que o ensino-aprendizagem envolve. É preciso assumir e agir responsavelmente.