Esperança nordestina

Esperança nordestina

Luiz Araujo

 

Ontem à noite tive a honra de proferir a conferência de abertura do II Seminário Nacional de Administração Educacional, evento promovido pela ANPAE e realizado na cidade de Teresina (PI).


O tema do evento, que contou também com a participação de dirigentes municipais de educação daquele estado, e de minha palestra foi “O Plano Nacional de Educação, regime de colaboração e os desafios para a gestão educacional”.


Iniciei lembrando que o nosso norte nesse debate é o fato que de que educação é um direito de todos e um dever do Estado. Que isso foi uma das conquistas inscritas na Constituição de 1998, mas que infelizmente a nossa luta diária ainda é para tornar este direito efetivo, pois o atendimento educacional é incompleto e guarda desigualdades sociais, raciais e regionais muito relevantes.


Para comprovar esta afirmação apresentei um resumo de indicadores educacionais que mostram aspectos destas desigualdades.


A maior parte do tempo discorri sobre os impasses do regime de colaboração entre os entes federados e o que esse assunto tem a ver com o novo plano nacional de educação, ainda encalhado na CCJ do Senado Federal.


Recordei que a educação brasileira é um espelho do funcionamento federativo brasileiro. O artigo 211 divide as responsabilidades entre os entes federados. Acontece que os entes são muito desiguais na sua capacidade de realizar o previsto na CF e isso tem a ver com economias diferentes, trajetórias desiguais e capacidade de arrecadação diferentes.


As descentralizações financeiras realizadas pela constituição não foram suficientes para reequilibrar responsabilidades versus recursos disponíveis e a situação vem se agravando: criação de contribuições pela União, municipalização do ensino fundamental e a manutenção de quadro tributário desigual entre estados e entre municípios.


E mais, o ente federado que concentra o maior volume de tributos pagos pelos cidadãos é a UNIÃO, mas a sua participação no investimento educacional não guarda proporcionalidade com a sua capacidade tributária.


Na verdade a participação nas matrículas é inversamente proporcional a capacidade arrecadadora do ente federado, ou seja, quem carrega a educação básica nas costas é o MUNICÍPIO, ente com menor participação no bolo tributário.


E um grande desafio é reverter a situação vigente de termos um Regime de Colaboração que não se materializa, como um fantasma a vagar pela educação nacional. Passados 25 anos de sua promulgação, o artigo 23 da CF continua sem regulamentação e a educação não é exceção. Não há instâncias de pactuação ente os entes federados, reproduzindo-se uma hierarquia incompatível com o conceito de federalismo. E cada vez mais a União assume papel apenas de regulador das ações realizadas pelos demais entes federados. A União “atesta” a qualidade do ensino ministrado pelos demais entes, agindo como uma agência reguladora.


Afirmei que, em um país tão desigual, um tratamento mais equilibrado e justo depende fundamentalmente de efetiva participação da União. Até tivemos uma melhora da participação da União com a implantação do Fundeb, mas a mesma não foi suficiente para equilibrar a situação. O valor por aluno disponível via o Fundeb nos estados mais pobres foi de apenas R$ 168,39 mensais por aluno do ensino fundamental.


E levantei algumas questões que precisam ser enfrentadas no novo PNE.

 

A primeira e mais importante é sobre os recursos necessários para efetivar as metas do PNE. Esta questão possui dois enfoques: Quanto é necessário para realizar o Plano e de onde virá o recurso? Qual será a participação dos entes federados no esforço para garantir os recursos necessários?


A segunda questão diz respeito a definição clara do regime de colaboração para o cumprimento da cada uma das metas. Isto quer dizer que é insuficiente remeter apenas ao artigo 211 da CF. Os entes federados tem condições diferenciadas em termos de recursos e justamente os mais frágeis é que possuem distâncias maiores entre a sua realidade e as metas estabelecidas.


Assim, por exemplo, é necessário dizer quem colaborará efetivamente para que a meta de 50% de crianças em creche seja cumprida, mesmo que a diga que isto é obrigação municipal.


Apresentei um exemplo concreto: 8,6 milhões de alunos são transportados diariamente em nosso país (17% das matrículas da Educação Básica). Os municípios são os principais prestadores deste serviço e essa despesa só perde em importância para o pagamento da folha do magistério. A ajuda federal via PNATE não alcança nem 15% do montante aplicado e em muitos estados não há compensação real dos gastos municipais com transporte de alunos estaduais. Uma forma de colaboração efetiva é estabelecer percentual financeiro de participação neste item das despesas educacionais.


A terceira questão é sobre o perfil do crescimento de vagas na próxima década, especialmente nas áreas que, por falta de maiores investimentos públicos, a participação privada é muito alta. Devemos criar mais 3,8 milhões de vagas em creche e hoje o setor privado abocanha 36%, sendo parte via convênios públicos com entidades comunitárias e filantrópicas. Qual será o modelo de expansão: vai aprofundar esta rede paralela e precária ou recuperar o protagonismo público na oferta em creche?


A meta do PNE é triplicar o atendimento no ensino profissionalizante, incluindo 2,3 milhões de jovens nesta modalidade de ensino. Hoje a maior parte das vagas é privada.

Qual será o caminho: fortalecer as redes estaduais e federal ou financiar o Sistema S e demais segmentos privados?


A meta 12, que estabelece o crescimento da oferta em ensino superior, caso cumprida, garantirá o ingresso de 6 milhões de jovens. Hoje 74% estão no setor privado, parte deles via bolsas do ProUni e financiamento do FIES. Será fortalecido o segmento público ou a tendência atual será mantida?


Em que pese os enormes desafios, fiz questão de registrar a minha esperança, especialmente depois de presenciar o retorno do povo brasileiro às ruas na denominadas Jornadas de Junho.


A pauta das manifestações, que começou restrita a redução das tarifas do transporte coletivo, foi se ampliando e a educação aparece de forma muito forte. A reivindicação de que o padrão educacional seja idêntico ao dos estádios da FIFA é sintomático da revolta com as condições da escola pública. Independentemente do desfecho destas manifestações, a política brasileira no próximo período não será mesma.


Este clima de mobilização garantiu a aprovação da Lei dos Royalties para a educação e abre a possibilidade de termos um PNE pra Valer. Isso vai depender de nossa capacidade de tornar concreta a pauta educacional, saindo do sentimento difuso de revolta e passe a defender e cobrar medidas concretas do governo e do parlamento.


Acredito que o caminho correto é, ao mesmo tempo, fortalecer o caráter público da prestação de serviço educacional, condição essencial para a garantia plena do direito à educação para todos, e estabelecer formas de colaboração dos entes federados na oferta educacional.


Para isso é necessário que sejam garantidos recursos suficientes para a escola pública. Não devemos aceitar diminuir o percentual de 10% de investimento direto na rede pública!


Devemos lutar para que sejam garantidas novas fontes de financiamento para viabilizar o plano, diminuindo o risco do seu descumprimento por falta de recursos. E que seja estabelecida clara divisão de responsabilidade de cada ente federado em cada meta, independente do previsto no artigo 211.


Sai mais esperançoso pelo vento quente das mobilizações emanadas de Teresina.

 




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