Projeto Pedagógico e autonomia das escolas

Projeto Pedagógico e autonomia das escolas

PROJETO PEDAGÓGICO E AUTONOMIA DA ESCOLA.

Rosana Batista Monteiro (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Resumo: O presente texto discute o projeto pedagógico enquanto exercício da autonomia da escola e instrumento de viabilização da gestão  democrática da escola pública. O tema é abordado do ponto de vista legal, da inter-relação entre projeto, regimento escolar e autonomia, e conflita duas concepções diferentes sobre o conceito de autonomia. A discussão em torno do tema se complementa com relatos de experiência e observações de pesquisa de campo incluindo a questão da formação e da atuação dos profissionais da educação. Por fim apresentam-se algumas interrogações e propostas no intuito de viabilizar-se a concretização da construção coletiva do projeto pedagógico da escola.

Palavras-chave: projeto-pedagógico; autonomia; gestão democrática; escola pública.

1. Introdução

Almejado por muitos dos defensores da escola pública de boa qualidade para todos, o projeto pedagógico foi finalmente assegurado nacionalmente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, enquanto sinônimo de autonomia da escola, o que podemos conferir a partir dos artigos 12o a 15o da referida lei.


A Nova LDBN determinou que os estabelecimentos de ensino têm a  incumbência  de elaborar e executar sua proposta pedagógica (art.12) e também que “os docentes incumbir-se-ão de: I. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino...” (art.13). No 14o da lei ainda pode-se ler que:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II. partic ipação das comunidades escolar e local em conselhos ou equivalente. (LDBN 9394/96)

Tais incumbências estão ligadas a progressiva autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira a qual os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares segundo artigo 15o da lei supracitada. Segundo Azanha, “elaborar o projeto pedagógico é um exercício de autonomia”.

Autonomia pode ser entendida pela capacidade de governar a si mesmo, ou o direito de uma nação se reger por leis próprias; autonomia pressupõe liberdade e capacidade de decidir. Porém, como lembra João Barroso (2000:16), liberdade não se confunde com independência.

A autonomia é um conceito relacional (...) pelo que a sua ação se exerce sempre num contexto de interdependências e num sistema de interrelações. (...) é, por isso uma maneira de gerir, orientar, as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo com as suas próprias leis.

Para Azanha “a autonomia da escola numa sociedade democrática é, sobretudo, a possibilidade de ter uma compreensão própria das metas da tarefa educativa numa democracia.” (SE/98, p.3) Envolve a possibilidade de fazer escolhas visando um trabalho educativo eticamente responsável.

Autonomia da escola e projeto pedagógico são, portanto, elementos interdependentes, os quais devem ser postos em prática nas unidades escolas em cumprimento ao artigo 3o da Lei 9394/96, o qual possui vários princípios que derivam de nossa lei maior: a Constituição Federal. 1

Se na atualidade o projeto pedagógico está assegurado por lei (o que não significa sua concretização na prática) isto se deve a anos de luta dos defensores da educação pública, principalmente daqueles que acreditavam que participação e autonomia eram princípios essenciais para que a escola democrática se concretizasse.

Entendemos projeto pedagógico / proposta pedagógica enquanto um documento resultante do esforço de integração da escola num propósito educativo comum, o qual se dá a partir da identificação das práticas vigentes na instituição escola. Estas práticas envolvem direta ou indiretamente o ensino, ou seja, é a somatória de todas as práticas que permeiam a convivência da comunidade escolar e onde o projeto pedagógico deve ser o ponto de partida para o trabalho educativo na escola e da comunidade.

Segundo a Indicação n. 13/97 do Conselho Estadual de Educação – CEE – a nova LDB estabeleceu que “tudo começa, desde logo pela elaboração da proposta pedagógica da escola (...) Tudo o mais deve vir depois.” (SE/CENP, 1998, p.463).

Para a elaboração do projeto o CEE recomenda que não haja modelos ou fórmulas de modo a impedir que este, sendo um sinônimo de autonomia da escola, transforme-se em mero cumprimento burocrático. No entanto, apresenta alguns caminhos para orientar aspectos fundamentais que devem constar no projeto, tais como:

a) análise da situação da escola e levantamento de necessidades, ou seja, mapear a realidade da escola;
b) estabelecimento de uma linha geral do projeto, definindo-se metas prioritárias a serem alcançadas;
 c) estratégias para se atingir as metas, tais como o planejamento de ações, levantamento dos recursos necessários, a duração, divisão de tarefas, acompanhamento etc.;
d) avaliação interna/externa de forma contínua e processual possibilitando revisões de rumos.

Da elaboração do projeto pedagógico depende, por exemplo, o regime escolar.

Sendo este último um ato normativo e administrativo que estabelece as normas de organização e convivência na instituição-escola deve estar fundamentado nos propósitos, princípios e diretrizes estabelecidas na proposta pedagógica da escola. (SE, A organização do ensino na rede estadual, 1998) A partir da publicação do parecer CEE 67/98 aprovado em 18 de março de 1998, o regimento escolar, antes comum a todas as escolas da rede pública paulista, passou a ser elaborado por estas.

1 A Constituição da República Federativa do Brasil determina no Cap.III, artigo 206 que: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (...) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (...)

A LDB 9394/96 determina igualdade no Título II art. 3o que: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; (...) VIII – gestão democrática do ensino pública, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino. (...)”

2. Autonomia, projeto pedagógico e regimento escolar

Segundo Azanha, a palavra autonomia só começa a ganhar conteúdo na educação a partir dos anos oitenta. Até então raramente se falava em autonomia e, quando esta aparecia em textos legais (ou não), estava ligada à prática docente em sala de aula. Ou seja, a liberdade de escolha sobre métodos de ensino a serem utilizados, livros didáticos, enfim, autonomia estritamente pedagógica.

Em 1932, por exemplo, no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” a palavra autonomia aparece por duas ou três vezes sem estar relacionado a escola. Em 1933, o termo autonomia aparece uma única vez no Código da Educação do Estado de São Paulo (Decreto 5884 de 21/4/33) em meio aos seus 992 artigos. (Azanha, 1995, p.133)

As LDBNs 4024/61 e 5692/71 tão pouco utilizaram-se do termo mas avançaram de alguma forma quanto ao uso do seu significado em relação a escola. Segundo Azanha (1995:134):

Fixaram a norma de que cada estabelecimento, público ou particular, deveria organizar-se por meio de regimento próprio. Na lei n. 4024/61 essa norma estava no art. 43, que foi revogado pela lei 5692/71, mas que manteve no seu corpo a norma do regimento próprio [porém] Até mesmo a norma do regimento próprio de cada escola que a lei n. 5692 manteve no artigo 2o , parágrafo único foi, na prática cancelada nos artigos 70 e 81, nos quais se permite a adoção de regimento comum pelas administrações de ensino.

Sabemos que tanto nas escolas estaduais como nas municipais em São Paulo até

bem pouco tempo vigiam os respectivos regimentos comuns. O regimento escolar seria um dos instrumentos de execução do projeto pedagógico da escola e, portanto, há que se estabelecer uma relação entre autonomia, projeto e regimento.

Somente a partir de meados da década de oitenta é que a discussão sobre autonomia da escola (pedagógica, administrativa, financeira), projeto pedagógico e regimento torna-se mais consistente, ainda estando longe de ser concretizada. Esta discussão relaciona-se ao momento político que a sociedade brasileira atravessava – com o fim da Ditadura militar e início da chamada Nova República. Os princípios fundamentais de um governo democrático estavam em pauta: participação, autonomia, liberdade, descentralização, dentre outros.

Neste período, importantes discussões ocorreram no estado de São Paulo em torno de uma proposta de política pública para a educação; no entanto, justamente o princípio da autonomia da escola despontou como ponto nevrálgico enquanto viabilizador da educação democrática.

3. Duas concepções, interesses diversos

Analisaremos duas concepções distintas de autonomia a partir de dois autores – José Mário Pires Azanha e Guiomar Namo de Mello – no sentido de evidenciarmos algumas das tendências políticas e pedagógicas presentes na atualidade.

Para Azanha o tema autonomia na educação aparece mais ligado à liberdade do professor quanto a sua tarefa de ensinar, ou seja, relacionada a escolha de métodos de ensino, material didático dentre outros. Porém, era necessário compreender que a tarefa do professor não se restringe a sala de aula, ao ensino; assim como a escola não se restringe a um agrupamento de professores e alunos tão somente.

A escola não é uma ilha, ela está inserida em uma comunidade e sofre as influências do contexto sócio-político e econômico. A escola é uma instituição com uma função social, um papel político e uma tarefa educativa. Porém, por muito tempo as escolas não puderam compreender-se nestes sentidos, ter identidade própria e atuar de forma mais significativa para e com sua comunidade posto que:

Amordaçadas nos (...) regimentos únicos, (...) castradas na sua autêntica função educativa porque diretores e professores são simples funcionários burocráticos dos quais não se exige que eduquem, mas que cumpram ordens.

Em nome de uma alegada necessidade de disciplinar ‘enquanto’ as escolas não estiverem em condições de se organizar, o que temos não é a sadia diversidade do que é mesmo desigual, mas a aplastante uniformidade que pretende eliminar a possibilidade de erro, e que de fato elimina a responsabilidade. Não pode ser responsável perante o seu próprio trabalho quem não tem nenhuma autonomia de decisão. (SE, 1983)

O trecho supracitado, extraído do polêmico Documento n.1 (SE, 1983) que foi distribuído e debatido em todas as escolas da rede pública estadual de São Paulo, durante o governo Montoro expressa sinteticamente as condições da educação pública à época, assim como as idéias de Azanha, posto que o documento fora escrito por ele2.

Fica exposto que um dos meios de viabilizar a escola democrática, para todos e com boa qualidade, seria o exercício da autonomia administrativa e pedagógica da escola. Autonomia esta que deveria ter como ponto de partida a busca da identidade de cada escola, a construção de seu projeto pedagógico e de regimento escolar próprio enquanto expressão de seu ideal de educação e que permitisse “uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares.” (Azanha, 1995)

Autonomia esta que coloca a escola como responsável pelo seu trabalho educativo de acordo com suas características específicas. Ou seja, enquanto a Secretaria de Educação determinava a preservação de uma única identidade para o conjunto de escolas públicas do sistema estadual através de um único regimento comum a todas estas, uma única forma administrar, de ensinar, os mesmos horários etc. tratava igualmente diferentes realidades em nome da homogeneidade. É como voltarmos aos tempos de defesa da “escola nacionalista” de Capanema e Lourenzo Filho.3

Em texto mais recente Azanha afirma que:

A autonomia da escola apenas ganha importância se significar autonomia da tarefa educativa. Se não for assim, o assunto se reduz a uma mera questão regimental. É claro que os regimentos escolares são importantes para a organização e disciplina escolares, mas não podemos confundir autonomia com a existência de um regimento próprio. Aliás, regimento escolar é apenas uma condição administrativa para as tarefas essenciais da escola entendidas como a elaboração e execução de um projeto pedagógico. (SE, 1998, p.2 – grifo nosso)

2 O documento número 1 foi distribuído como encarte no jornal Educação democrática, no governo Montoro e, posteriormente, o mesmo documento foi publicado por Azanha em 1998, no livro Educação: temas polêmicos.

3 Ver Gandini, Raquel P. C. Intelectuais, estado e educação. Campinas: Ed. Unicamp, 1995.

Ao mesmo tempo o autor reafirma a relevância do projeto pedagógico, e também, a nosso ver, é irônico ao comentar a necessidade do regimento próprio. Mas, para além da ironia, afirma o autor a prioridade do pedagógico sobre o administrativo na escola.

Contrariamente as idéias de Azanha, Guiomar Namo de Mello valoriza mais o aspecto administrativo que pedagógico da escola e traz para a educação pública uma nova (?) visão: a mercadológica.

A escola, para Mello (1998) é vista como instituição que oferece (ou vende) um serviço que deve passar por um processo de sua produção com total qualidade (ensino) para agregar maior valor ao produto final, ou seja, o aluno bem-sucedido. O aluno seria tanto produto final como consumidor/cliente, sendo que a esta última categoria somam se também os pais e a própria comunidade. Os professores, nesta concepção empresarial, não são meros executores (mão-de-obra), são vistos como os colaboradores deste processo de produção.

As ações em prol da autonomia da escola que ocorreram nos anos oitenta, como mencionamos anteriormente, não têm muita relevância para Mello. Para a autora: Essas experiências sofreram limitações bastante sérias, na medida em que as estruturas centrais do sistema de ensino e as normas e regras homogêneas para todas as escolas praticamente não foram alteradas e, principalmente porque se mantiveram intocadas as sistemáticas de financiamento e alocação de recursos. (Ibid.,1998:134)

Duas questões parecem-nos relevantes na concepção de Mello em relação a autonomia da escola: a descrença na autonomia conquistada e a vinculação da autonomia da escola ao aspecto financeiro. Assim sendo, a autonomia da escola dependeria de um processo de descentralização do sistema educacional como um todo; antes de delegar poder a escola, para Mello, é preciso reformar a Secretaria de Educação e demais órgãos.

Sem isto não seria possível estender a autonomia às unidades escolares.

Seja ao nível de uma empresa ou do Estado como um todo, é uma opção da cúpula e aí deve Ter início. Não é apenas um processo participativo de baixo para cima, em que se vai conquistando a autonomia da escola pela somatória de poder de decisão sobre aspectos pontuais (...) enquanto se mantém intocada a estrutura do Estado (...) é preciso Ter em conta que seu ritmo e suas dificuldades vão depender dos entraves reais que o Estado tem dentro de seu próprio aparato (...) será de pouca eficácia a pressão pulverizada na base... (Mello, 1998, p.168)

Ë evidente que há necessidade de se promover um processo de descentralização do sistema educacional, processo este que vem ocorrendo faz algum tempo, mas sempre acompanhado da centralização na equivalente medida. Porém, colocar a descentralização do sistema como condição para “dar” autonomia para as escolas parece-nos um equívoco.

Concordamos com Azanha, para quem a autonomia é algo a ser conquistado pelos professores, alunos, diretores – pela comunidade escolar como um todo – e não apenas mais uma medida a ser implementada de cima para baixo e, ainda, que não se pode confundir esta autonomia com determinadas condições administrativas e financeiras ou mesmo que esta não será uma situação efetiva se a própria escola não assumir compromissos (1995, 144-5)

Quanto à vinculação da autonomia da escola ao aspecto financeiro, Mello confere a autonomia financeira da escola um caráter prioritário. Para que as escolas tivessem maior poder de decisão (conferida de cima para baixo, depois que o sistema se descentralizasse) dois principais “insumos [são] necessários à sua organização: dinheiro e pessoal (...) Nenhuma instituição pode ter identidade, iniciativa e projeto se não detiver controle sobre seus próprios recursos e equipe.” (1998, 143)

Dentro da perspectiva das políticas neoliberais da atualidade, onde o Estado cada

vez mais vem eximindo-se de suas responsabilidades sociais, é preciso analisar com cautela a questão da autonomia financeira da escola. O que pode parecer um ganho pode transformar-se em uma perda que vai muito além da escola. Não podemos deixar de citar os problemas que a educação pública vem enfrentando em decorrência da aplicação dos recursos do FUNDEF – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e valorização dos professores – exclusivamente no ensino fundamental como também das “parcerias” com o setor privado que vem desprofissionalizando a escola, a exemplo do “Amigos da escola”.

4. A difícil realidade: nem conquista, nem imposição

Por pelo menos três décadas estamos discutindo e lutando pela autonomia da escola pública mediante a construção do projeto pedagógico e regimento escolar (dentre outros princípios da gestão democrática da escola não abordados aqui). Por que então parece que estes, apesar de estarem assegurados por lei LDBN 93944/96, sendo um misto de conquista e imposição, ainda não foram de fato postos em prática pela maioria das escolas e, principalmente, não fazem parte da responsabilidades/ atividades do corpo docente e muito menos da comunidade escolar? Por que as escolas que constroem seus projetos pedagógicos e regimentos mediante um trabalho coletivo, envolvendo professores, diretor, pais, alunos etc. e o colocam em prática sã exceções?

Dois fatores levaram- me ao exercício de elaborar o presente texto: a questão da formação dos profissionais da educação (futuros professores e especialistas) e da atuação.

Quanto a formação dos profissionais da educação preocupa-me a pouca importância que os cursos de licenciatura, incluindo a Pedagogia, vêm dando a discussão do projeto pedagógico e da autonomia da escola. Fato este que certamente não pode ser generalizado, mas pode ser facilmente evidenciado em boa parte das inúmeras faculdades privadas de educação na capital de São Paulo. Posto que a imensa maioria dos professores/especialistas é formada nestas instituições como poderemos ter profissionais conscientes da importância dos princípios e dos meios de efetivação da gestão democrática na escola pública?

Outro dado é que parte dos alunos de licenciatura exerce a docência tendo concluído outro curso que os habilite para tanto ou não. Dentre os alunos com os quais trabalhei em uma universidade da capital paulista no ano de 1999, em cursos de licenciatura em Letras e Pedagogia, pude deparar-me com a dificuldade dos alunos docentes compreenderem o significado, importância e seus papéis na tarefa coletiva de concretização da autonomia da escola mediante a participação na construção do projeto pedagógico da escola e de seu regimento.

Tal dificuldade não se tratava somente do caráter teórico/ conceitual, mas

principalmente prático. Ou seja, os alunos-docentes, em sua maioria não demonstravam interesse pelo tema projeto pedagógico assim como não se mostravam dispostos a atuarem coletivamente em prol do projeto das escolas onde atuavam. Também na condição de alunos não se interessavam em conhecer como o projeto pedagógico da faculdade que cursavam fora elaborado.

Quanto aos profissionais já formados, preocupa-me algumas posturas que pude observar e vivenciar em duas escolas públicas da capital paulista localizadas em bairros bastante distintos: um de periferia, na zona norte (escola X) e outro de classe média, na zona sul (escola Y). Em ambas escolas estive na condição de pesquisadora no intuito de realizar um breve levantamento de dados.

Na escola Y pude constatar que documentos4 importantes e que deveriam estar disponíveis à comunidade escolar, estavam trancados na sala da professora coordenadora pedagógica, onde apenas ela tem acesso (e a chave). As atividades da coordenadora nesta escola iam desde resolver problemas de indisciplina dos alunos, substituição de professores faltosos até a elaboração do projeto pedagógico da escola, o qual ela havia elaborado sozinha.

Quando a indaguei sobre o papel dos professores na elaboração do projeto (proposta pedagógica) ela afirmou que se dava por satisfeita quando estes entregavam no prazo os planos de ensino, que na maioria das vezes eram cópias dos planos de anos anteriores. Por conta deste desinteresse dos professores em re-planejar, a coordenadora havia feito uma “limpeza” em “sua” sala tendo jogado fora vários exemplares dos Parâmetros Curriculares Nacionais dentre outras obras e documentos. Afirmou ainda ter guardado uma coleção dos “Parâmetros” para si em sua casa (posto que na escola ele não teria utilidade).

A coordenadora da escola Y lamentou o fato de eu ter visitado a escola antes da “limpeza”. Apesar dos fatos relatados, pude constatar que a coordenadora possuía conhecimentos relativos ao conceito de autonomia da escola, projeto/proposta pedagógica, regimento escolar e a inter-relação entre estes; porém não acreditava na viabilidade destes, justificando que os professores não têm interesse pelo trabalho coletivo.

Na escola X os relatos e fatos são muito parecidos com os da escola Y. Os

documentos  desta vez estavam trancados na sala do diretor ou na casa da coordenadora do período noturno, fui convidada a ir até sua residência para buscarmos alguns dos documentos. Embora esse material estivesse com a coordenadora, esta nunca havia lido a maioria deles. Como a coordenadora do diurno era quem elaborava a proposta pedagógica e outros documentos solicitados, a coordenadora do noturno sentia-se mero “office-boy” levando e buscando documentos na Diretoria de Ensino.

Ao indagar a coordenadora do noturno sobre seus conhecimentos a respeito de autonomia, projeto/proposta pedagógica e regimento escolar esta não soube responder, mas acha que algo precisa ser feito pela educação e, por este motivo ela desejava voltar a estudar para poder fazer algo pela escola em que atuava (e, de fato voltou!).

Os relatos e observações realizados nas duas escolas demonstram a inadequação da utilização de documentos e, principalmente, dos instrumentos viabilizadores da autonomia da escola: o projeto pedagógico e o regimento escolar. Constatou-se não apenas a descrença ou desconhecimento dos conceitos de autonomia, projeto e regimento como também a retenção de informações que deveriam fluir por toda comunidade escolar.

4 Foram solicitados às professoras -coordenadoras documentos oficiais da Secretaria de Educação, Diretorias de Ensino e Conselho Estadual de educação sobre Projeto/proposta pedagógica, plano de gestão, regimento escolar, trabalho coletivo etc. assim como o próprio plano de gestão da escola com a respectiva proposta pedagógica e regimento escolar.

Pude constatar também que, na medida que a Secretaria de Educação determina prazos para entrega dos documentos supracitados estes deixam de ser discutidos pelo coletivo para serem centralizados nas mãos do professor-coordenador, posto que o exercício da discussão e elaboração do projeto requer tempo.

Ficam, no entanto, algumas várias interrogações: por que razão os professores coordenadores “guardavam” os documentos trancados em suas salas ou mesmo em suas residências? Qual seria o significado desta prática? Por que elaboram os projetos/propostas pedagógicas sozinhos? Não acredito que tais práticas signifiquem apenas abuso de poder, mas talvez fosse exatamente o contrário. Talvez a ausência de poder destes coordenadores os levaria a ter tais atitudes? A incapacidade de desencadear uma gestão democrática, participativa da parte dos diretores de escola e de desencadear um trabalho coletivo por parte dos coordenadores justificaria as referidas atitudes, especialmente a elaboração centralizada e solitária do projeto pedagógico?

5. Considerações finais

Procurei neste artigo discutir a relação entre projeto pedagógico, regimento escolar e autonomia da escola identificando nos documentos legais os seus sentidos, assim como acompanhar o processo histórico de discussões. E, ainda, evidenciar concepções diferenciadas de dois importantes nomes da educação contemporânea como também, a partir de uma leitura de como vem ocorrendo a formação de futuros profissionais da educação e da experiência de coleta de dados em duas escolas públicas, evidenciar como o enfrentamento da temática em pauta vem sendo exercitado na prática.

Se o projeto pedagógico construído coletivamente está assegurado por lei, resultante da mobilização de muitos educadores, faz-se necessário dar continuidade a esta mobilização no intuito de promover sua viabilização prática.

Para tanto, as escolas de formação dos profissionais da educação, compreendidos enquanto professores e especialistas, têm um papel importantíssimo no sentido de incluir em seus currículos e programas a temática da gestão democrática, dando ênfase à escola pública, à construção do projeto pedagógico mediante trabalho coletivo que envolva não apenas os profissionais da educação, mas todos os que compõem a comunidade escolar.

Também os diretores e professores-coordenadores têm um papel significativo e que necessita ser revisto a luz dos princípios expostos na Constituição Federal e na LDBN 9394/96. Evidentemente há inúmeros obstáculos que estes tem de enfrentar para viabilizarem de direito e de fato uma gestão democrática da escola pública. Ainda há muito que dizer, mas muito mais há por fazer.

6. Referências Bibliográficas

AZANHA, J.M.P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

BARROSO, J. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In: Ferreira, N.S.C. (org.) Gestão democrática da educação: atuais

tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 2000.

MELLO, G.N.de Cidadania e competitividade. São Paulo: Cortez, 1998.

SÃO PAULO (ESTADO) SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Coordenadoria de estudos e normas pedagógicas. Diretrizes e bases da educação nacional: legislação e normas básicas para sua implantação. São Paulo:SE/CENP, 1998.

SÃO PAULO (ESTADO) SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Escola de cara nova: planejamento 98. São Paulo:SE, jan/1998. Proposta pedagógica e autonomia da escola

 

http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistafafibeonline/sumario/9/18052011155245.pdf




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