Eu ocupei a Câmara Municipal

Eu ocupei a Câmara Municipal

Eu ocupei a Câmara Municipal – por 3 horas

por Eduardo da Camino

 

Acabo de voltar do meu almoço na Câmara Municipal de Porto Alegre. Sentei no meio do plenário, numa cadeira de Vereador, e comi arroz, salsichão picado e rúcula. Tomei água mineral. Durante o almoço, ouvi um emocionante depoimento de um cacique Caingangue sobre como ele foi expulso de sua aldeia, aos 6 anos de idade, pelo Exército Brasileiro logo após o Golpe de 64. Em seguida, levantei e fui lavar meu copo, prato e talheres de plástico no banheiro atrás da Mesa do Plenário. Havia detergente e esponja disponíveis. Na volta, recoloquei tudo no balcão do buffet improvisado, para que outra pessoa os usasse.

Fui com o amigo Rodrigo, que disponibilizou seu carro e seu tempo para levar doações aos ocupantes. Levamos pão, geleia, margarina, bolachas e papel higiênico. Encontramos um amigo que está na ocupação e conversamos sobre a rotina deles e seu relacionamento com os funcionários da Câmara. “Fizemos amizade com os guardas municipais já no primeiro dia. Como eles não podem sair das guaritas, a gente leva frutas e água pra eles. E dividimos café com os funcionários que circulam no Plenário, batemos papo. Acho que eles nunca foram tão bem tratados.”

O clima dentro do Plenário, aliás, é de completa paz e hospitalidade. As mesas de votação dos Vereadores estão repletas de gente com notebooks, cadernos, livros. Os pedestais de microfone, completamente na horizontal, serviam de prendedor para cartazes de identificação: “Comissão de Segurança”, “GT de Comunicação”, e assim vai. Muitos notebooks com a tela abaixada, disponíveis para quem quisesse usar.

À direita de quem entra, junto do balcão que serve como buffet/despensa com as panelas de comida, um cartaz indica “Achados e Perdidos”. Sou informado que um iPad largado numa cadeira foi parar ali e voltou às mãos do dono. Em frente à Mesa, um microfone no chão, sempre aberto a quem quisesse se manifestar (uma menina lia Drummond quando chegamos). No fundo das galerias, entre a última fila de cadeiras e as paredes, contei quatro pessoas deitadas em colchonetes, lendo ou cochilando.

Quis sair para fumar. Saindo do plenário, na entrada principal, dois baldes plásticos junto da parede, com cartazes colados acima deles indicando “Seco” e “Orgânico” (vocês separam lixo em casa, aliás?). Nessa hora, vi uma menina carregando uma garrafa de 5 litros de água com a parte de cima cortada. Ela estava recolhendo bitucas de cigarro na rampa de acesso. Ninguém fumava lá dentro.

Sobre o almoço: eu não fui convidado formalmente por ninguém. Fui comunicado que o almoço estava sendo servido e minha presença lá automaticamente me dava direito a um prato. Vamos entrar de novo, então. Subo a rampa e vejo saírem do Plenário dois guris carregando dois pratos cada um. Nosso amigo me informa: “É pros guardas. Eles são servidos primeiro.”

No estacionamento, antes de partir, o amigo Rodrigo comenta comigo: “Quem diria que viveríamos pra ver isso?”. Com os olhos cheios de lágrimas. Tudo aqui é verdade e dou fé.

Eduardo Da Camino é músico e assessor de imprensa na Locomotiva Produtora.

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