Por que tanta raiva dos nossos indignados?
Juremir Machado da Silva
O mais simples é o que mais surpreende. Ao longo deste período de manifestações mais do que justificadas, embora ninguém em sã consciência elogie vandalismo, minoritário em todas as passeatas, muitas foram as pessoas que desqualificaram os manifestantes com os mesmos termos: desocupados, vagabundos, baderneiros. Os jovens do Bloco de Luta pelo Transporte Público, que ocuparam a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, têm sido rotulados dessa maneira todos os dias. Por que essa raiva de quem ousa propor mudanças? Por que esse ódio de quem se atreve a enfrentar o comodismo? Por que toda esse desprezo contra quem se indigna com os erros? Por que essa fúria contra quem rompe a pasmaceira? Por que essa eterna mania de criminalizar os movimentos sociais?
A resposta mais simples e talvez mais verdadeira é esta: porque eles enfrentam os privilégios de alguns. O mais chocante é que muitos dos utilizadores desses termos de desqualificação nem tem privilégios a defender. É ódio puro, reacionarismo epidérmico, raiva ideológica contra quem tem a coragem de protestar, de criticar, de indignar-se, de gritar que, mesmo tendo melhorado muito, continua ruim. Denunciava-se a alienação da juventude. Quando ela toma ruas, câmaras de vereadores, espaços públicos, é rotulada de desocupada, vagabunda, baderneira. A democracia não é só o consenso, mas antes de tudo o dissenso. A democracia não é só a ordem da negociação, mas também o espaço de certa quebra da velha ordem em nome de uma nova ordem, um novo pacto social.
De onda vem essa raiva contra políticas de assistência social, programas de combate à miséria, demandas de intervenção do Estado para melhorar a vida de muitos e manifestações ruidosas exigindo mudanças? Vem de mentes simplórias, de espíritos rígidos, de pessoas que acreditam num individualismo exacerbado baseado na lei do mais forte, embora aceitem e peçam compensações, muitas vezes, para seus empreendimentos, e até de visões perversas. Há quem considere natural a profunda desigualdade e jamais se choque com casas de cartão alagadas e massas humanas sem perspectivas. Há quem dê de ombros e diga com ar de superioridade e dever cumprido:
– Não estudaram, não batalharam, azar deles!
Tenho um amigo que sempre faz uma pergunta:
– Por que os jovens não se encantam com o liberalismo?
Diante do meu silêncio, ele sempre acrescenta:
– O importante é garantir igualdade de oportunidades.
Eis o problema: a igualdade de oportunidades é uma promessa falsa. Se dois meninos fazem vestibular para medicina, um vindo de uma favela e outro de uma família abastada que estudou nos melhores colégios, pode-se dizer que estão tendo igualdade de oportunidades por responderem às mesmas questões, na mesma hora, na mesma sala? Só os pobres de espírito concluirão que disso resulta uma ode ao comunismo, essa crítica anacrônica que ainda povoa alguns insultos. A questão é outra: por que essa raiva de quem pede igualdade de oportunidades? Por que essa raiva de quem se organiza propondo mudanças? Aviso aos que não na navegam: vai acontecer sempre mais.
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