Pensar em desistir ou permanecer
O que faz o professor pensar em desistir e o que o motiva a permanecer?
Sabe aqueles dias em que dá vontade de largar tudo e desistir de ser professor? E outros em que acontece algo que faz tudo valer a pena? Pois é, que tal viver os dois em 20 minutos?
Esse texto é um desabafo, ok, que fique claro. Não tenho a intenção de escrever pra agradar ou falar mal de ninguém. A situação que vou relatar aqui foi devidamente comunicada para quem é de direito e vou omitir todos os nomes. E como todo desabafo, só vou terminar quando extravasar tudo que tiver entalado. Portanto, vai sim ser um texto longo, sinto muito.
Eu acredito que a educação escolar não pode se resumir ao que ocorre em sala de aula. Aliás, o formato educacional atual mais parece uma prisão, onde todos são controlados (alunos e professores), inclusive em relação às necessidades fisiológicas. Tenho, sinceramente, muita pena dos alunos em ter que ficar 5 horas sentados, todos os dias, assistindo quase sempre a monólogos enfadonhos ou atividades extremamente fúteis e longe de serem desafiadoras.
Desde o meu primeiro ano como professor (e já se foram 7 anos), sempre usei uma estratégia pela qual obtive imenso sucesso na melhora da relação professor-aluno e, consequentemente, um ambiente mais agradável para o aprendizado em sala. Em momentos em que a matéria está adiantada e/ou já chegamos ao fim de um bimestre, quando todas as minhas obrigações já foram feitas (correção de avaliações, recuperação paralela, revisão da matéria, auto-avaliação etc.), proponho uma atividade ao ar livre. Dependendo do perfil dos alunos, tal atividade pode ser futebol, basquete, vôlei, queimada, enfim, algum jogo coletivo. Vocês não imaginam como as crianças ficam felizes! Nunca tive problema algum em todos esses anos. Pelo contrário, já tive turmas em que eu me benzia antes de entrar na sala e que depois disso passou a ser extremamente prazeroso.
Eu nunca tive problema… até hoje!
Sem entender esse contexto todo que abordei acima, aliás, sem ter conhecimento do trabalho que eu realizo, fui abordado e indiretamente criticado por ter saído de sala com uma turma para fazer o que sempre fiz (se bem que nos últimos dois anos eu não havia feito nesta escola). A grande indagação era “o que a bola tinha a ver com a minha disciplina”, se “não era melhor eu estar em sala fazendo lição”. Tá certo que era o último dia antes das recuperações, mas eu já havia feito todas as atividades possíveis e imagináveis e a única coisa que eu poderia fazer era iniciar o bimestre que começa apenas depois das férias. É meio óbvio que essa última opção era um mero “encher linguiça”, pois depois das férias eles não lembram nem o nosso nome, ainda mais a matéria. Mas parece que o “encher linguiça” é mais conveniente para as escolas do que “essas atividades que os professores inventam, que só vai fazer bagunça no colégio” (esse sou eu pensando, tá, não coloque na conta da tal pessoa não, viu). Enfim, deixar os alunos “à toa”, desde que seja dentro da sala de aula pode. Aliás, há muito tempo que tenho dito que ninguém liga para o que se faz dentro de sala, desde que você esteja DENTRO DE SALA. O que mais vejo (e me contam) é professor que deixa os alunos ficarem mexendo no celular, jogando cartas, jogando pingue-pongue nas carteiras… e ninguém reclama. Por quê? Porque ele tá DENTRO DE SALA. Pois bem, eu que devo ser um tremendo idiota, babaca, imbecil, de ficar inúmeros finais de semana preparando e corrigindo atividades, pesquisando coisas novas, fazendo malabarismos em sala pra tonar as aulas mais agradáveis, realmente me importando e fazendo um grande esforço para que meus alunos aprendam, pra no fim das contas ser comparado com aquele outro colega lá de cima, que todos nós sabemos que existe, que simplesmente não quer trabalhar. Eu realmente estou cansado disso tudo, dessa ultrajante hipocrisia existente nas escolas. Dá vontade de desistir de tudo!
Nem continuei a história, né! Mas não importa muito. Mesmo continuando a atividade que havia proposto, não foi a mesma coisa, não deu pra curtir, não interagi como eu queria, enfim, não foi legal. O banho de água fria já havia sido dado. É o ônus de ser diferente em uma escola tradicional.
Pena que isso tudo ofuscou a minha alegria de, 20 minutos antes disso tudo, ter recebido dois presentes de alunas desta mesma turma da tal atividade. Um deles é essa tartaruguinha que chamei de “Tatá” e o outro é uma dessas cartinhas que estão nas fotos.
É claro que esses presentes são carregados de significados. Esses dois e outros que postei aqui são apenas exemplos do carinho que tenho recebido durante esses anos. Se fosse somente atuais alunos, ainda poderia restar aquela dúvida se não estão sendo gentis para receber uma nota em troca. Mas são muitos e muitos ex-alunos que escrevem ou falam coisas das quais não tinha ideia. Momentos que nem eu sabia, mas se tornaram inesquecíveis. A honra de ser considerado o melhor professor da vida deles. Enfim, coisas que me deixam realmente emocionado e me dão orgulho do que eu faço.
Pra finalizar, vou contar somente mais uma situação que ajuda a esclarecer o meu pensamento. Um dia desses, descia uma escada da minha escola e me deparei com uma discussão, no pátio, entre duas alunas minhas, de salas diferentes. Chamei no canto uma delas, a que estava mais alterada e comecei a conversar com ela. Sabe aquelas alunas que gostam de um barraco? Pois bem, mas ela me dizia que estava se esforçando pra ser uma boa aluna, comportada, acabando com essa fama de brigona. Me disse, aos prantos, que não havia feito nada com a outra menina e que haviam inventado uma fofoca que deu inicio a discussão, inclusive com juras de briga tipo MMA. Conversei com ela longamente (tudo isso sem que fosse a minha aula na turma dela), disse que confiava nela e que ela não devia ter medo do que os outros falam, pois o importante é que no coração dela havia a certeza da inocência. E pedi; “você não vai brigar!”. Ela prometeu. Na hora da saída ela veio me procurar, chorando muito, dizendo que não tava aguentando as provocações. Conversamos mais uma vez e no final ela me disse: “Professor, eu não vou brigar, mas é pelo senhor!”.
Me diga, em que índice isso entra? Que números que eu ganhei? Vou receber algum bônus-esmola por isso?
O sistema educacional atual quer máquinas formando outras máquinas. Não há incentivo algum para que sejam seres humanos formando outros seres humanos.
Hoje meu sangue ainda ferve, mas amanhã só me lembrarei da Tatá, das cartinhas e de uma briga que evitei que ocorresse.
Espero!