Bandeiras são essenciais
Luiz Araujo
Neste domingo decidi assistir novamente o filme musical Os Miseráveis. A trama se passa na França pós Revolução Francesa, processo que criou as bases para o que chamamos de democracia moderna. Entre idas e vindas uma coisa é constante como pano de fundo: a vida dos mais pobres continuava tão miserável como antes.
A decisão de assistir novamente o referido filme certamente foi motivada pela onda de protestos que ocuparam as principais ruas brasileiras. E é inevitável que se procure algumas semelhança entre o filme e a realidade.
A primeira semelhança é que não basta conseguir democracia formal para tirar as pessoas da situação de penúria. A revolução francesa criou as bases políticas e institucionais para que o capitalismo florescesse, mas a essência deste novo modo de produzir não trouxe felicidade aos deserdados franceses. Formalmente iguais perante a lei, os franceses pobres eram menos cidadãos que as novas classes emergentes. O Brasil não é a França Revolucionária e a democracia reconquistada no início dos anos 80 já encontrou o capitalismo brasileiro maduro, mas aqui também este processo criou expectativas que não foram correspondidas.
A segunda semelhança é a participação dos jovens. No caso do filme (pouco profundo como tudo que vem do cinema americano) há um retrato da revolta dos jovens burgueses, frustrados com os frutos da revolução, que formam barricadas e esperam a adesão do povo pobre. Aqui no Brasil também foram os setores de classe média que foram às ruas, pelo menos majoritariamente e trabalhando este conceito de forma bem abrangente (segundo o Ibope quase metade dos participantes possuem renda acima de 5 salários mínimos). Suas reivindicações sociais, caso atendidas, serão usufruídas de maneira mais contundente por outras estratos sociais, especialmente os pobres (saúde e educação no padrão Fifa, por exemplo).
Mas encontrei uma diferença muito importante e preocupante. Para os jovens franceses retratados em seu idealismo pelo musical, as bandeiras eram fundamentais, seja a bandeira francesa (símbolo da igualdade recentemente conquistada), seja a bandeira vermelha, que ficou no imaginário mundial como marca das revoltas contra a ordem burguesa. Revoltados pela falência do sistema de representação política nacional e insatisfeitos com a postura dos partidos da ordem, os jovens se manifestam contra todos os partidos e seus símbolos, inclusive colocando nesta lista as entidades sindicais, populares e estudantis, vistas como mera extensão das representações partidárias.
Todos que saíram a navegar por novos caminhos na história da humanidade precisaram definir um porto de destino. Os franceses em suas barricadas queriam chegar na igualdade política e material. Logo após os episódios retratados pelo musical protagonizaram a Comuna de Paris, evento que marca a primeira experiência de constituição de um aparato estatal (mesmo que breve) que superava o poder do nascente capitalismo. E nossos jovens, para que porto de destino de mudança pretendem conduzir nosso país?
Copiei um trecho da canção final do filme, que é entoada pelas barricadas futuras, quem sabe para nos fazer refletir sobre as nossas:Você se unirá à nossa cruzada?
Quem será forte e ficará ao meu lado?
Em algum lugar além da barricada.
Há um mundo que deseje ver?
Ouve as pessoas cantando?
Ouve os tambores ao longe?
Este é o futuro que traremos
Quando o amanhã chegar.
Ou seja, para construir o futuro que queremos para o Brasil é saber claramente o caminho. Colocar a revolta pra fora, em um turbilhão de cartazes (me disseram que faltou cartolina no comércio de Recife!) é muito importante.
Valorizar a importância das bandeiras também.