É democrático proibir bandeiras?
É democrático proibir os militantes partidários desfraldarem suas bandeiras?
Por Antonio Ozaí da Silva
Não sou filiado a partido, nem porto bandeiras. Desde que, em 1991, me desfiliei do PT, rompi definitivamente com a política partidária. Não foi uma ruptura fácil, afinal o PT foi uma das minhas universidades de formação política. A experiência militante incorpora subjetividade, vínculos humanos, crença em valores, alegrias e dissabores, realizações e frustrações. Rupturas nos transformam, mas não apagam os registros da memória. Na vida real não temos o neutralizador dos Men in Black. Nem é preciso, pois orgulho-me das minhas raízes e não me arrependo dos anos dedicados à militância petista. A minha geração aprendeu política na igreja (com a Teologia da Libertação), nos sindicatos e movimentos sociais. E tudo isso confluía para o PT!
Saí do PT porque não me reconhecia mais na prática política do partido. Foi, sobretudo, uma ruptura ideológica. Com o tempo, outras experiências e leituras me conduziram na direção oposta à organização partidária, mesmo as de cunho marxista-leninistas, trotskistas e/ou vinculadas à tradição stalinista, maoísta, etc. Mesmo no tempo em que militava no PT não me atraía o tipo de organização vanguardista, o partido de quadros. Não obstante, o discurso anticomunista que grassava na base sindical e popular lulista atiçou a minha curiosidade e, longe de afastar-me desta realidade, aproximei-me a ponto de escrever o História das Tendências no Brasil – o qual expressa uma necessidade militante daquela geração. Também aprendi com eles e, mesmo com as divergências que nos separam, mantive relacionamentos, pautados pelo respeito mútuo, que perduraram.
Sou, portanto, “Sem Partido”. Não me reconheço nos partidos políticos existentes! É uma opção político-ideológica tão legítima quanto a dos que dedicam anos fundamentais das suas vidas aos partidos. Reconheço, porém, a contribuição da militância política partidária. Sou de uma época em que não podiam expressar-se livremente, tinha que viver na clandestinidade. Suas bandeiras não podiam ser desfraldadas, nem mesmo podiam identificar-se por suas indumentárias, etc. Era uma questão de segurança, de sobrevivência, a integridade física e a vida estavam em risco. A ditadura civil-militar perdurava. Quando o PT surgiu, muitos deles aderiram. Com o tempo seriam convidados a sair ou foram sumariamente expulsos. Então, formaram seus próprios partidos. Outros permaneceram sob o biombo do MDB/PMDB. Dentro ou fora do PT, contribuíram para o processo de redemocratização do país.
Hoje, vivemos sob a democracia qualificada por burguesa. Embora críticos da “democracia burguesa”, as forças da esquerda organizadas em partidos também foram os seus construtores e sabem o quanto são importantes os direitos e as liberdades democráticas. Sob esta democracia puderam sair da clandestinidade, assumir ideologias, constituir organizações, disputar eleições e expor publicamente as suas ideias. Enfim, junto aos que lutaram contra a ditadura civil-militar, conquistaram o direito de desfraldar suas bandeiras vermelhas, fazê-las tremular nos ventos que anunciam utopias.
Não é paradoxal que sob a democracia e em nome da democracia sejam impedidos de levantar suas bandeiras? A maioria que se considera antipartidária tem o direito de impor seus sentimentos e valores de rejeição à minoria? É democrático impedir a livre manifestação dos que escolhem outros caminhos? Por outro lado, é preciso levar em conta que o sentimento antipartido é difuso e nem sempre considera as diferenças substanciais entre os diversos partidos, colocando todos sob o mesmo balaio. A ojeriza aos partidos políticos é legítima e salutar, na medida em que questiona a estrutura basilar da democracia representativa. Que os partidos aprendam a lição das ruas!
Os partidos disputam a direção dos movimentos sociais, precisam se fazer presente. Muitas vezes, isto os faz cair na tentação de instrumentalizar as massas, de se arrogarem seus representantes, já que se consideram a vanguarda consciente. Talvez precisem repensar seus métodos. Por outro lado, há também o oportunismo político – como caracterizar, por exemplo, o chamamento dos líderes petistas para que a militância participasse da passeata, após as massas terem colocado em xeque o prefeito da capital paulistana? A rigor, a política petista nos últimos anos também contribuiu para o sentimento antipartido manifestado nas últimas mobilizações populares. Ainda que consideremos oportunismo político é democrático impedi-los de caminhar juntos e desfraldar suas bandeiras e faixas?
A maioria pode ser tirânica, antidemocrática e intolerante; a minoria também. Ideais utópicos antipartidários também podem se revelar extremamente autoritários. Desdenham da democracia em nome do princípio da liberdade. Não veem a incoerência de negá-lo ao outro. Como diria Rosa Luxemburgo, a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente. Minorias e/ou maiorias que impeçam a livre manifestação do pensamento divergente contribuem para fortalecer o caldo cultural autoritário – também presente na esquerda marxista. Impedir, em nome da liberdade, é um contrasenso! Justificar com o argumento de que os partidos é que são autoritários, por desejarem desfraldar suas bandeiras perante as massas, é um sofisma! A liberdade de expressão é uma conquista e os militantes tem o direito de portar seus símbolos ideológicos. Talvez a insistência surta mais efeitos negativos do que positivos, mas é uma questão de estratégia política a ser avaliada por eles.