Os cinco sentidos do aprendizado

Os cinco sentidos do aprendizado

 

por Ingrid Furtado

Identificar uma letra do alfabeto vendo a professora escrevê-la no quadro negro ou ouvindo a repetição sonora do símbolo gráfico é bem comum em sala de aula. Um método que o tempo provou ser eficiente, mas que a natureza e os cinco sentidos dizem que poderia ser mais amplo. E se, além da visão e audição, entrarem em cena outras formas de percepção, como o tato e o olfato? Em vez de apenas ver e ouvir, que tal deixar que os alunos “sintam” a letra ao brincar de massinha ou compreendam uma fórmula química com a ajuda de cheiros de certos elementos da tabela periódica?

Explorar ferramentas tão óbvias pode ser um passo importante no armazenamento de informações durante o processo de aprendizagem. Esses exemplos simples traduzem o que neurologistas e especialistas definem com uma palavra complicada: a multissensorialidade, e suas aplicações em sala de aula.

Já se sabe que, em geral, conseguimos reter em nosso cérebro apenas 10% do conteúdo de determinado assunto ou matéria. Por esse motivo é preciso repetição e muitos exercícios para absorver a informação e transformá-la em conhecimento. Neste caso, a aplicação da multissensorialidade é uma forma criativa de o aluno conservar na memória o teor estudado. E o mais importante: o estudante se torna agente do próprio aprendizado, em um processo que serve, ao mesmo tempo, como um largo passo na interação social e inclusão daqueles que têm mais dificuldade em aprender.

Para dar esse salto, o professor precisa primeiramente de organização e criatividade, ensina a pós-doutora em Psiquiatria Telma Pantano, fonoaudióloga e psicopedagoga do Serviço de Pisquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “A multissensorialidade tem a proposta de provocar a aprendizagem pela integração de vários canais sensoriais, visando um processo de registro e evocação das informações mais eficiente”, explica. “Os professores precisam somente elaborar e planejar estratégias em que os conteúdos envolvam mais do que os canais sensoriais tradicionais (visuais e auditivos). O foco é pensar em atividades que retirem a criança da cadeira, e a coloquem dentro de um processo de exploração concreta, ativa, relacionado com a manipulação, reflexão ativa e exploração sensorial”, acrescenta.

Entre os benefícios de se investir nessas técnicas, a especialista lista a facilitação dos processos de fixação, registro e principalmente a evocação das informações. A pós-doutora salienta que, ao fazermos uma conexão com algo ensinado usando mais sentidos, fica mais fácil rememorar o conteúdo.

“Esse processo torna possível a formação de novas conexões neurais dentro de um ciclo de aprendizagem mais efetivo. Há inúmeros artigos que mostram as vantagens da integração sensorial durante o armazenamento das informações, principalmente facilitando a lembrança das informações”, explica Telma, que também é mestre em Neurociências pela Universidade de Barcelona, na Espanha, e coordenadora dos cursos de Neurociência e Neuroeducação do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica –  Cefac.

Para reaprender

Professora do Departamento de Medicina e codiretora do Centro de Dislexia e Criatividade da Universidade de Yale (EUA), Sally Shaywitz conversou com a Gestão Educacional sobre a conexão entre leitura e multissensorialidade. “Percebo que professores ainda têm dificuldade de ensinar estudantes a ler justamente por não perceberem a função fundamental que a audição e a pronúncia desempenham nesse processo”, afirma a médica, que, entre outros livros, é autora de Entendendo a Dislexia, da editora Artmed, e uma das principais autoridades mundiais no assunto.

“Infelizmente, vemos que em alguns países o índice de estudantes que não sabem ler e interpretar é grande ou crescente. Quando analisamos, percebemos que em muitos casos o professor ou o currículo da escola não aplicam tempo suficiente na pronúncia de cada som das letras. Isso é muito importante para que, no futuro, o aluno consiga ler e compreender o texto. É preciso gastar tempo considerável no ensino dos sons do alfabeto. Esse deve ser o foco principal”, reforça a médica.

Sally Shaywitz explica ainda que esse fator não é importante apenas para crianças com dislexia, mas para qualquer aluno em fase de alfabetização. Nesse aspecto, ela observa que a multissensorialidade pode ser usada de diferentes formas e que a audição também pode ser explorada de maneiras diversas. “Usar rimas em sala de aula é um exercício muito eficaz, pois o aluno percebe a similaridade entre a pronúncia das palavras. O exercício também o estimula a buscar outros vocábulos parecidos. Além disso, a compreensão do texto fica mais interessante”, diz a especialista.

A médica acrescenta que trabalhar com turmas pequenas também ajuda: dividir os alunos em grupos torna mais fácil a aplicação das atividades, ao mesmo tempo em que a participação dos estudantes é valorizada. “Nessas turminhas, um exercício interessante é pedir aos alunos que batam palmas à medida que separam as sílabas de determinada palavra”, exemplifica.

A especialista reforça que o exercício inverso pode ser feito para formar vocábulos. Se o educador der sílabas soltas, como na, na, ba, o aluno, por sua vez, bate palma ao colocar cada sílaba junta, até formar a palavra banana. “O ritmo dessa brincadeira ajuda na compreensão da pronúncia e sentido da palavra”, explica.

A visão também pode ser estimulada de uma forma integrada, que vai muito além do quadro negro. Uma atividade simples é trabalhar com mapas espalhados na sala de aula. “O professor pede para um aluno mostrar o som da primeira letra de uma cidade, por exemplo. O fato de essa letra estar num contexto diferente, com ilustrações, estimula o aprendizado”, observa Sally Shaywitz.

É nesse contexto que se percebe a importância da criatividade do educador. O uso de mapas com relevo, por exemplo, também pode ser uma boa ferramenta para o estudante memorizar os acidentes geográficos do planeta. Ao tocar as saliências da gravura, torna-se mais fácil lembrar e distinguir as regiões montanhosas daquelas que não são.

No entanto, a especialista norte-americana ressalta que é preciso limite ao usar o método da multissensorialidade. “O uso dos sentidos é fundamental, obviamente. No entanto, usar mais de dois sentidos ao mesmo tempo pode, em vez de ajudar, desconcentrar o aluno”, pondera Sally.

Atividades multissensoriais

- Com os olhos vendados, reconhecer as letras por meio de estímulos táteis.

- Caminhar sem sapatos sobre uma corda colocada no formato de determinadas letras e, com os olhos vendados, reconhecê-las ou reproduzi-las em papel.

- Usar massinhas para a construção de objetos relacionados aos temas abordados em sala de aula.

- Colocar o próprio corpo em posição de determinadas letras e fazer os outros colegas da classe reproduzi-las e reconhecê-las.

Fonte: Telma Pantano, professora e coordenadora dos cursos de Neurociência e Neuroeducação do Instituto Cefac

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