Paramos o país, o que queremos?
“Paramos o país e não foi por 20 centavos: O que queremos”?
"Uma parcela considerável, senão a maioria dos manifestantes nunca protestou, nunca se mobilizou e, no caso dos jovens, não se vê representado pelo PT e muito menos cai na tese do 'mal maior' usada pelo PT. A geração que está nas ruas em peso nunca viveu sob FHC, ou seja, o discurso do PT não cola mais. Não adianta ficar se comparando ao que os jovens não conheceram, é preciso mostrar trabalho, se mostrar novo e o PT não tem conseguido fazer isso. Na verdade, nenhum dos partidos consegue". O comentário é de Raphael Tsavkko Garcia, jornalista, blogueiro e ativista social em artigo no seu blog, 18-06-2013.
Eis o artigo.
Participei ontem dos maiores protestos que já vi agitarem o país. Ou, ao menos, que eu tenha tido o imenso prazer de participar. Paramos o país de norte a sul.
Éramos 100 mil no Rio, mais de 100 mil em São Paulo (o movimento que começou no Largo da Batata se dividiu em vários "menores", um deles ocupou toda a Brigadeiro Luis Antônio da JK até a Paulista, só ali éramos mais do que os 60 mil totais divulgados pela mídia), mais de 20 mil em Belém, milhares em Brasília, PoA, Maceió, BH, Vitória, Londrina, Juiz de Fora, Caruaru, Santos... Em dezenas de cidades no Brasil e no mundo.
Mas por quê?
A revolta não nasceu por causa de 20 centavos, 10 centavos, nem 30 centavos. Ela tão somente ESTOUROU depois dos aumentos simultâneos em todo o país. Enquanto o PT prega que o país está indo às mil maravilhas, o povo nas ruas mostrou que esta imagem não é real. Não estamos sorridentes com a Copa, não estamos felizes com a educação, com a cultura, com a saúde...
Protestos contra o aumento se juntaram a protestos contra os gastos absurdos da Copa, com a insatisfação com a cidade, com a exclusão social, com as tentativas de golpe contra o judiciário patrocinadas pelo PT e aliados, como no caso da PEC37, contra a violência policial, contra a educação e saúde precárias...
Enfim, o povo foi às ruas contra o atual modelo de país que temos, excludente, desigual, com bilhões fluindo para a FIFA e para obras faraônicas e virtualmente inúteis, em protestos reprimidos com extrema violência e brutalidade, enquanto somos bombardeados por propagandas estatais de que "está tudo bem", "está tudo lindo". Não está.
Indígenas são massacrados e desrespeitados em suas terras, na verdade muitos sequer tem terras. LGBTs são assassinados nas ruas por simplesmente serem quem são, a periferia grita contra o genocídio que sofre, e toda a população se revolta contra a submissão a uma política de iguais, sem opções, em que PSDB e PT se revezam em acusações, mas são apenas faces da mesma moeda: Corruptos, privatistas, entreguistas, preocupados em enriquecer aos seus e não em transformar o país.
Não há imagem mais emblemática que o povo ocupando o Congresso. Pacífico, apenas demonstrando sua força e que quem deve ter medo é o poder, são os governos, e não o povo. O governo nos serve, deve nos servir e deve nos temer.
Estamos diante de uma onde sem precedentes de conservadorismo, de medievalismo religioso, de tentativas de destruir o judiciário ao invés de reformá-lo e torná-lo mais democrático. O povo estourou contra um congresso e legislativos corruptos, desconectados da realidade do povo. Enquanto pegamos ônibus, metrôs e trens lotados, políticos impõem suas pautas pessoais usando carros de luxo pagos com nosso dinheiro e vivem em mansões inalcançáveis para a ampla maioria da população.
Lutamos e fomos às ruas por dignidade. Por respeito.
Em São Paulo o que mais víamos eram cartazes contra a PEC37, a favor de um transporte público de qualidade e gratuito para todxs, e por respeito aos nossos direitos.
Sim, lutamos por direitos. Por direitos básicos, para não sermos joguete nas mãos de partidos iguais, que nada propõem, que em nada se diferenciam.
Falando especificamente de São Paulo, Haddad recuou, Alckmin recuou. A não-violência ontem se deve exclusivamente à escassa presença da PM nas ruas, pois como todos sabemos, a presença da PM é um convite para a violência e a brutalidade. Não importa se a manifestação é pacífica, a PM sempre encontra razão (sic) para exercer seu "direito" de nos violentar.
Haddad que havia apoiado a violência da PM foi forçado a mudar o discurso, mas não o suficiente para OBEDECER os paulistanos e reduzir a tarifa. Pelo visto ele terá de ser convencido nas ruas de que nós pagamos o salário dele e nós é que mandamos. Alckmin, por sua vez, foi forçado a mandar a PM recuar, e também terá de ser convencido nas ruas a obedece ao povo que mostrou ter forças e vontade.
Agora, porque todas essas manifestações pelo país?
Em primeiro lugar, temos a insatisfação com a Copa, com os gastos absurdos, mas este não foi o estopim, tão somente o pano de fundo. Foi, digamos, combustível para a insatisfação popular que estourou de vez com mais uma demonstração de incapacidade política de Dilma e aliados.
Em segundo lugar, com a violência patrocinada por governos e prefeituras coniventes e por uma mídia canalha que se viu forçada a mudar de lado depois que ela própria se viu vítima da violência estatal.
E em terceiro lugar, com os problemas diários e corriqueiros do país: Educação, saúde, cultura...
Em várias cidades do país os aumentos das passagens ou seus anúncios vieram praticamente ao mesmo tempo. Dilma fez com que políticos de seu partido e aliados segurassem os aumentos e, no fim, vários vieram ao mesmo tempo.
Conversei sobre isso ontem com o Maringoni durante o protesto, e a falta de habilidade de Dilma foi impressionante. Uma tecnocrata incapaz de pensar politicamente. Não à toa, a declaração dela sobre os protestos, repassada por sua secretaria, é risível.
Um(a) político(a) sério(a) teria tido a capacidade de compreender o alcance de tamanha burrada.
Se a data-base de diversas categorias vem em datas diferentes, é porque se fossem na mesma época teríamos greves gerais. Então qual o sentido em comandar aumentos simultâneos em todo o país?
Além de demonstrar incapacidade política, também demonstra que o PT e aliados acham que o povo é estúpido, dócil, subserviente e acomodado.
A lição foi dada nas ruas.
As pautas são muitos, as reivindicações são muitas e nenhuma delas é corrente, na verdade são complementares. Queremos um novo modelo de país, humano, justo, para nós, brasileiros (e quem mais more aqui, lógico), e não para a farra de turistas que virão durante a copa e depois irão embora.
O PT não consegue compreender o que acontece e usa sua claque de fanáticos para tentar desmobilizar e até mesmo cooptar a massa. E falham miseravelmente.
Como eu havia dito ontem, aqui no blog, uma parcela considerável, senão a maioria dos manifestantes nunca protestou, nunca se mobilizou e, no caso dos jovens, não se vê representado pelo PT e muito menos cai na tese do "mal maior" usada pelo PT. A geração que está nas ruas em peso nunca viveu sob FHC, ou seja, o discurso do PT não cola mais. Não adianta ficar se comparando ao que os jovens não conheceram, é preciso mostrar trabalho, se mostrar novo e o PT não tem conseguido fazer isso. Na verdade, nenhum dos partidos consegue.
E é preciso ter em mente que o Brasil não é uma ilha. Protestos pipocam pelo mundo. Indignados, contra austeridade, contra ditaduras, por liberdade, contra islamização... São pautas que parecem diferentes, mas tem o mesmo cerne: A insatisfação da população, em especial da juventude, com a política institucional e tradicional, a descrença em relação aos partidos e a busca por mudanças sociais efetivas e reais.
Propagandas na TV mostrando como o SUS é maravilhoso, como a educação melhora e etc contrastam com a simples realidade. Temos hospitais sucateados e atendimentos que levam anos, temos UniEsquinas pipocando e precarização da força de trabalho. O país não está bem, o país não é o que vemos nas propagandas dos governos, de todos eles.
O PT e o PSDB deixaram claro que não são capazes de nos dar o que queremos, pelo contrário, não nos representam. Nem eles e nem aqueles de seus partidos satélites. Discursos vazios de políticos que legislam apenas por interesses próprios não nos servem. Se não aprenderem, os protestos continuarão.
Nosso grande desafio é conseguir manter a população mobilizada e pressionar os governos, todos eles.
“Transporte coletivo gratuito é tão viável quanto o SUS”
O engenheiro Lúcio Gregori, secretário de Transportes na cidade de São Paulo no governo Luíza Erundina (1989 a 1992), argumenta que a política tributária no Brasil impede a aplicação da gratuidade no transporte coletivo, tão viável quanto o SUS (Sistema Único de Saúde), escolas públicas e coleta de lixo.
A entrevista é de Angela de Paula e publicada pelo jornal ABCD Maior, 15-06-2013
Gregori avalia que uma das formas de se pressionar por um transporte mais barato é fazer justamente o que os jovens paulistanos estão fazendo: ocupar as ruas e cobrar a redução da tarifa. Em sua opinião, transporte não é uma questão técnica, mas um debate em que está colocada a disputa pelos recursos públicos.
Eis a entrevista.
Como o sr. avalia o modelo atual de transporte coletivo no Brasil, em especial da região metropolitana de São Paulo?
Avalio como sendo tradicional, e uma tradição ruim, que é a de transformar o transporte coletivo numa atividade econômica atraente para o setor privado e que acaba sendo prejudicial para as pessoas que usam o transporte e para a cidade como um todo. Três fatores contribuem para isso: o primeiro é o sistema de concessão de serviço público por tempo muito prolongado, podendo chegar a 25 anos, o que vai contra a dinâmica das cidades e causa contradições de interesses futuramente. O segundo é o modelo de vincular o transporte coletivo ao pagamento da tarifa e tratá-lo como um negócio qualquer, sendo que é um serviço de utilidade pública. O terceiro ponto é a priorização do transporte individual motorizado. O resultado é um transporte coletivo ruim e caro, e o grande sonho de todos é ter um carro para se libertar, levando a congestionamentos, estresse, poluição e mal funcionamento das cidades como um todo. O cidadão tem o direito de ir e vir, mas não tem como exercê-lo, sendo sonegado o acesso da população a vários serviços básicos, culturais, enfim.
Uma das principais queixas é o alto valor das tarifas. Uma decisão do governo federal reduziu a zero da alíquota do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), mas as passagens no ABC paulista, por exemplo, só caíram R$ 0,10, o que é considerado ainda pouco pelos usuários. É possível fazer mais?
Em geral, a desoneração de impostos é uma “solução meia-boca”. Porque vai diminuir o dinheiro que seria destinado para previdência e seguridade. Esses valores terão de vir de algum lugar e haverá alguma dificuldade mais adiante. Outra questão é que não dá para eliminar grandes valores porque senão quebra as empresas de transporte, resultando em reduções pífias. Para quem usa o transporte todos os dias, R$ 0,10 é uma diferença mínima.
O modelo ideal seria de tarifa zero?
O que existe é uma crise financeira no Estado brasileiro, no sentido amplo (federal, estadual, municipal). O Brasil não tem dinheiro para o que precisa fazer e ao mesmo tempo tem impostos altíssimos. Tem algo errado aí. O que existe são impostos mal resolvidos, paga mais quem ganha menos e paga menos quem ganha mais, uma coisa muito extravagante. Como resultado, o governo não tem dinheiro para subsidiar as tarifas do transporte e, no limite, implementar a tarifa zero. É uma discussão que não se limita ao setor de transportes, mas inclui a política tributária no país como um todo.
Isso é agravado pela pressão das empresas de transporte, que não têm interesse na redução das tarifas?
Olhando de forma fria, para um empresário tanto faz quanto é cobrado do usuário, desde que o contrato separe o custo do serviço do preço da tarifa. Uma das coisas complicadas da maioria das concessões é que a tarifa responde pelo equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Então, o empresário tem interesse que a tarifa seja a mais alta possível. Outra discussão é a planilha de custos que vai determinar o preço que será cobrado.
Como funcionaria a tarifa zero?
Em 1990, quando era secretário de Transportes da prefeita Luiza Erundina, nós transformamos a proposta em um projeto. Fazia-se uma reforma tributária do município de São Paulo para ter recursos para bancar a tarifa zero. Era, sobretudo, uma reforma sobre impostos municipais como ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e assim por diante. No projeto de lei do orçamento da prefeitura constituía-se um Fundo Municipal de Transporte e o dinheiro arrecadado bancava inteiramente a tarifa de ônibus, que não seria mais cobrada do usuário, mas paga indiretamente pelo conjunto dos impostos, como é a coleta de lixo, a segurança, saúde e educação públicas. O projeto foi para a Câmara, que não votou.
Por que não foi votado?
Se a tarifa zero tivesse dado certo, a Luíza Erundina seria a rainha do Brasil… Não foi votado por uma disputa política e mexia com interesses de pessoas que pagavam impostos relativamente baixos e passariam a pagar o imposto realmente necessário. Ninguém queria mexer neste vespeiro. O projeto foi arquivado, mas houve consequências. Ao negar-se a votar, a Câmara foi corresponsável por um estado calamitoso do transporte em São Paulo na época. Como os contratos de concessão estavam todos vencidos, negociamos com os vereadores durante meses e transformamos concessões em sistema de contratação de frota, equivalente a fretar os ônibus dos empresários. A partir daí, eles não teriam relação com o valor da tarifa. A lógica foi de que, com a frota vinculada às tarifas, menos ônibus e mais lotação, era mais interessante aos empresários que poucos veículos circulassem. O que fizemos foi a inversão, já que quanto mais ônibus fretados, mais dinheiro o empresário teria. Com isso, aumentamos a frota de 7.600 ônibus em 1991 para 9.600 veículos no ano seguinte.
Como a sociedade pode pressionar por um transporte mais barato – ou mesmo gratuito – e de qualidade?
Aquilo que vários movimentos estão fazendo na Capital: indo para a rua e pressionando o governo. Uma das características da democracia é disputar o dinheiro do Estado. Como a população pode reivindicar? Tem que se manifestar, com muita legitimidade. Às vezes quebram-se vidros, mas é algo natural em protesto, mas é importante salientar que a violência não parte só dos manifestantes, mas também da polícia. É preciso transformar a questão do transporte, que frequentemente é tida como um problema técnico, e colocar a discussão onde ela está, na disputa pelos recursos. Para termos um transporte mais barato, de mais qualidade e, no limite, pago indiretamente pelos impostos recolhidos.
'Efeito dos protestos virá no longo prazo'
Assim como o historiador inglês Eric Hobsbawm (1917- 2012) usou a 1.ª Guerra Mundial para definir o início do seu "breve século XX", o professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) Lincoln Secco acredita que a atual onda de protestos pelo mundo - que começou com a Primavera Árabe, em 2010 - marca o início do século XXI. Para ele, os protestos que têm tomado as ruas do Brasil estão dentro desse contexto e podem resultar, no futuro, em um novo modo de organização política. No curto prazo, porém, não devem ter força suficiente para impactar os partidos atuais e as eleições de 2014.
A entrevista é de Rodrigo Burgarelli e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 19-06-2013.
Eis a entrevista.
Como o senhor vê as manifestações no Brasil?
O primeiro fato inegável é que, desde 1992, é a primeira vez em que as pessoas voltam às ruas em uma amplitude como a atual. A década neoliberal de 1990 e os meios de comunicação decorrentes da informática esvaziaram as ruas. É surpreendente que agora as pessoas estão voltando a protestar usando as redes sociais.
Como se define esse protesto marcado pelo Facebook?
A comunicação em rede já está propagada desde o século XIX. Mas antes ela se dava de maneira escrita ou falada e só as pessoas mais inclinadas a se politizar atendiam a esses apelos. A internet é um espaço de interação, mas também é dominada pelo mercado de consumo e isso acaba atraindo pessoas que saem às ruas apenas por festa. Talvez seja possível dizer que ganhou em quantidade, mas perdeu em qualidade.
São manifestações contra a classe política?
Qualquer manifestação contra a classe política teria apoio de massa em qualquer país hoje. Os políticos não gozam de boa fama por causa de um distanciamento que ocorre entre Estado e sociedade civil.
Há um sentimento antipolítico como o de países europeus em crise, como a Itália?
É um contexto parecido, mas acrescentaria outros fatores. Há grandes manifestações que ocorrem no mundo desde a Primavera Árabe e já chegaram à Europa e aos Estados Unidos. Elas mostram uma nova face desses movimentos, que é a ocupação das ruas sem uma direção definida. O Brasil não está isolado do resto do mundo e é influenciado por essa onda.
Isso significa um esgotamento dos métodos atuais de participação política e representação?
O movimento brasileiro é uma esfinge. Ele pede para ser decifrado. À primeira vista, observamos que há uma revolta positiva contra um sistema político arcaico que não representa a população. Talvez o fato negativo seja que as pessoas estão criticando o governo, mas não sabem o que pôr no lugar. À medida que você tem um movimento de massas espontâneo, perde a direção e abre espaço para que o movimento seja apropriado por forças conservadoras da ordem.
Qual a capacidade desses protestos de gerar mudanças na estrutura política?
Na história contemporânea, houve várias revoluções espontâneas, mas que em um certo momento acabaram sendo cooptadas por forças já estabelecidas. As manifestações dos estudantes no Chile, por exemplo, não derrubaram o governo. As revoltas árabes acabaram em governos que não representavam o que era pedido.
Aqui acontecerá o mesmo?
Duvido que essas manifestações possam afetar as eleições no ano que vem. Mas esse processo ainda está longe de terminar, está em andamento.
A expectativa então é para o longo prazo?
No curto prazo, isso não vai acontecer. Basta ver que o PSDB continua enraizado em certos lugares do País, em um certo público, assim como também acontece com o PT. É de se considerar, também, que o governo Dilma está fortemente enraizado em um setor da população que, aparentemente, não comparece em massa a essas manifestações e não compartilha desse sentimento antipolítico, pois vê com bons olhos os programas sociais do governo.
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